STF fixa teto de 60% para multa isolada por descumprimento de obrigação acessória.
Por Pablo Juan Estevam Morais; Roberto Rodrigues de Morais
13/11/2025 12:00 am
I – INTRODUÇÃO
Muito aguarda o posicionamento do STF sobre o tema, temos enfim uma recente e relevante decisão com repercussão geral (RE 640.452/RO), o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o teto de 60% do valor do tributo como limite máximo para aplicação de multas isoladas decorrentes de descumprimento ou erro em obrigações acessórias, tais como declarações fiscais e emissão de documentos tributários.
Essa decisão marca importante avanço no controle da razoabilidade e proporcionalidade das penalidades tributárias, resguardando o contribuinte de sanções de natureza confiscatória e arbitrária.
II – O CONTEXTO DO CASO CONCRETO
O caso teve origem em autuação do Estado de Rondônia contra a Eletronorte, em razão da falta de emissão de documento fiscal na operação de remessa de óleo diesel destinado à geração de energia elétrica.
Embora o ICMS já houvesse sido recolhido antecipadamente, via substituição tributária pela Petrobras, o Fisco estadual impôs multa de 40% sobre o valor da operação, por infração meramente formal.
A empresa impetrou mandado de segurança, logrando êxito parcial em reduzir a multa a 10% em primeira instância, depois para 5% pelo TJ/RO, mas manteve sua insurgência sob o fundamento de violação ao princípio da proporcionalidade.
O recurso extraordinário foi interposto ao STF, que reconheceu a repercussão geral (Tema 863) em 2011, decidindo o mérito apenas em 2025.
Um tempo tão longo para analisar e decidir um tema simples nos mostra o desinteresse da Suprema Corte em pacificar temas constitucionais, sua competência original, para dedicar aos disse me disse da política.
III – A FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 113, § 2º, distingue as obrigações principais das acessórias, estabelecendo que estas têm por objeto as prestações positivas ou negativas impostas ao contribuinte com o fim de facilitar a arrecadação e a fiscalização do tributo.
O art. 112 do CTN orienta que, em matéria de penalidades tributárias, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao contribuinte, e o art. 106, II, “c”, prevê a retroatividade benigna de normas que reduzam penalidades.
No plano constitucional, a decisão do STF se ancora especialmente nos princípios da proporcionalidade e da vedação ao confisco, previstos no art. 150, IV, da Constituição Federal, que veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios “utilizar tributo com efeito de confisco”.
IV – O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO CONFISCO
Este princípio constitucional prescreve que é vedado à utilização do tributo com efeito de confisco, ou seja, impedindo assim o Estado que, com o pretexto de cobrar tributo, se aposse indevidamente de bens (aqui leia-se também dinheiro) do contribuinte.
Aqui se vale do princípio da razoabilidade
A aplicação de multas excessivas, especialmente em obrigações acessórias sem repercussão patrimonial direta ao Erário, afronta esse limite constitucional.
O Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADI 1.075-MC, afirmou que a proibição do confisco em matéria tributária pode ser entendida como
“a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.”
Confisco no entender de LEANDRO PAULSEN
“é a tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização…. refere-se à forma velada, indireta, de confisco, que pode ocorrer por tributação excessiva. Não importa a finalidade, mas o efeito da tributação no plano dos fatos. Não é admissível que a alíquota de um imposto seja elevada a ponto de se tornar insuportável, ensejando atentado ao próprio direito de propriedade. Realmente, se tornar inviável a manutenção da propriedade, o tributo será confiscatório”.
Sobre a progressividade e vedação do confisco, ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, asseverou:
“…o princípio da não-confiscatoriedade ajuda a dimensionar o alcance do princípio da progressividade, já que exige equilíbrio, moderação e medida na quantificação dos impostos, tudo tendo em vista um Direito Tributário justo”.
Vale ressaltar que o CONFISCO esbarra no direito de propriedade, que é uma das garantias constitucionais. A obediência ao PRINCÍPÍO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO reforça a segurança jurídica, essência do estado democrático de direito.
V- O ENTENDIMENTO DO STF
No julgamento do RE 640.452/RO, o Plenário do STF firmou a seguinte tese de repercussão geral:
“É inconstitucional a imposição de multa isolada superior a 60% do valor do tributo devido, por infração a obrigação acessória, sob pena de caráter confiscatório.”
A tese consagrou o voto médio proposto pelo ministro Dias Toffoli, acompanhado por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Nunes Marques, estabelecendo um teto de 60%, admitindo majoração apenas em situações agravadas de dolo, fraude ou simulação.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votara inicialmente por um limite mais restritivo (20%), seguido por Edson Fachin, enquanto o ministro Luiz Fux e o ministro Cristiano Zanin sustentaram hipóteses intermediárias.
Por maioria, fixou-se o teto de 60%, com modulação dos efeitos, aplicável apenas às multas ainda não definitivamente constituídas até a data da publicação da ata de julgamento.
VI – A JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
A decisão se harmoniza com a linha jurisprudencial já consolidada pela Corte em diversos precedentes que vedam a imposição de multas confiscatórias, como:
– RE 833.106/SC (Tema 863, julgado em 2020) – reconheceu o caráter confiscatório de multas de 100% sobre o valor do tributo, limitando-as a patamares razoáveis.
– RE 582.461/SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2019) – reafirmou a necessidade de proporcionalidade entre a gravidade da infração e a sanção aplicada.
-= ADI 551/RJ (Rel. Min. Dias Toffoli, 2019) – considerou inconstitucional multa punitiva de 300%, por ultrapassar o limite da razoabilidade e ter efeito confiscatório.
O STJ, em idêntico sentido, já vinha entendendo que multas isoladas superiores a 100% violam os princípios constitucionais da razoabilidade e da vedação ao confisco
(AgInt no REsp 1.757.955/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, 2021).
VII – OS IMPACTOS PRÁTICOS DA DECISÃO
A fixação de um teto de 60% traz maior segurança jurídica e uniformidade na aplicação de sanções tributárias em todo o território nacional.
Estados que previam multas mais severas em seus regulamentos do ICMS — alguns chegando a 200% do valor do imposto — deverão revisar suas legislações à luz do novo entendimento vinculante do STF.
Além disso, a decisão reforça a natureza instrumental e acessória dessas obrigações, afastando o caráter arrecadatório das penalidades.
Multas desproporcionais, aplicadas a infrações formais que não implicam perda de receita ao Erário, passam a ser rechaçadas de forma definitiva pelo controle constitucional.
VII – CONCLUSÃO
A decisão do STF no RE 640.452/RO representa marco importante na consolidação do princípio da proporcionalidade no Direito Tributário brasileiro.
Ao fixar o teto de 60% para multas isoladas por infrações a obrigações acessórias, a Corte reafirma o papel da Constituição como limite ao poder punitivo do Estado e promove maior equilíbrio entre a função fiscal e a proteção aos direitos fundamentais dos contribuintes.
A medida, embora ainda permita certo espaço de discricionariedade para hipóteses agravantes, encerra um longo ciclo de insegurança e desigualdade na aplicação de penalidades tributárias, impondo um padrão objetivo e vinculante para toda a Administração Tributária nacional.
Resta aos operadores do direito e os contadores verificar nos autos de infração lavrados contra os contribuintes, seus clientes, se as multas aplicadas superaram os 60% definidos pelo Plenário do STF e tomar as providências cabíveis visando proteger o patrimônio das vítimas do confisco ilegal praticado pelo fisco.
A redução do percentual das multas atinge também os débitos em fase de Execução Fiscal, e poderá ser objeto de Exceção de Pré-Executividade, uma vez que a LEF prescreve que o Ente Público Executante poderá substituir as respectivas CDA’s visando corrigir falhas em seus valores.
NOTAS:
– Constituição Federal, art. 150, IV; art. 5º, LIV.
– Código Tributário Nacional, arts. 106, II, “c”; 112; 113, § 2º.
– STF, RE 640.452/RO, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 10.11.2025 (Tema 863 da repercussão geral).
– STF, RE 582.461/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 2019.
– STF, ADI 551/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 2019.
– STJ, AgInt no REsp 1.757.955/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 24.02.2021.
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Pablo Juan Estevam Morais
Advogado Tributarista
Roberto Rodrigues de Morais
Especialista em Direito Tributário.
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