O cálculo dos juros sobre o capital próprio e a conta de lucros acumulados

Por Alexandre Evaristo Pinto

12/11/2025 12:00 am

Nesta semana, trataremos dos precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acerca da inclusão ou não da conta de Lucros Acumulados no cálculo dos juros sobre o capital próprio.

O artigo 9º da Lei nº 9.249/95 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto dos juros sobre o capital próprio, pelo qual as pessoas jurídicas podem deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

Tendo em vista que o cálculo dos juros sobre o capital próprio pressupõe a aplicação da TJLP sobre as contas do patrimônio líquido, surgiram dúvidas acerca do alcance das contas do patrimônio líquido sobre o qual seriam calculados os juros.

Nessa linha, o artigo 178, §2º, III, da Lei nº 6.404/76 dispõe que o patrimônio líquido é dividido nas seguintes contas: capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados.

Até a edição da Lei nº 11.638/07, o patrimônio líquido era dividido nas seguintes contas: capital social, reservas de capital, reservas de reavaliação, reservas de lucros e lucros ou prejuízos acumulados.

Como se observa, deixa de haver previsão legal para as reservas de reavaliação, assim como não há mais menção para a conta de lucros acumulados. Por outro lado, passam a ser previstas as contas ajustes de avaliação patrimonial e ações em tesouraria.

Na redação original do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, havia previsão no §8º no sentido de que o valor da reserva de reavaliação de bens ou direitos não seria incluído no cálculo dos juros sobre o capital próprio, salvo e esta for adicionada na determinação da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido.

Ainda que somente houvesse previsão de exclusão da conta de reserva de reavaliação do patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio, surgiam dúvidas acerca da inclusão de contas de reservas de capital relacionadas à correção monetária de balanço ou a incentivos fiscais.

Com a edição da Lei nº 12.973/14, há alteração total na redação do §8º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, que passa a dispor quais são as contas do patrimônio líquido que integrarão o cálculo dos juros sobre o capital próprio, a bem saber: capital social integralizado; reservas de capital; reservas de lucros; ações em tesouraria; e prejuízos acumulados.

A determinação explícita das contas que serão consideradas no cálculo dos juros trouxe uma maior segurança jurídica, de modo que o legislador deliberadamente não desejou incluir no referido cálculo as contas de ajustes de avaliação patrimonial (resultados abrangentes). Todavia, cumpre notar que não havia menção aos Lucros Acumulados, enquanto conta passível de ser incluída na base dos juros sobre o capital próprio.

Ao comentarem sobre a conta de Lucros Acumulados, Ariovaldo dos Santos, Sergio de Iudicibus, Eliseu Martins e Ernesto Gelbcke ponderam que tal conta representa a interligação entre Balanço Patrimonial e Demonstração do Resultado do Exercício, sendo que ainda que não haja mais menção a ela como uma conta do Patrimônio Líquido para fins de evidenciação, ela não deveria ser eliminada dos planos de contas e continuaria sendo utilizada pelas companhias para receber o resultado positivo do período [1].

A ideia por trás da não apresentação da conta de Lucros Acumulados no Balanço Patrimonial de uma sociedade por ações é que o resultado do exercício deverá ser distribuído aos acionistas como dividendo ou será retido em reserva de lucros devidamente deliberada e aprovada pelos acionistas. Em ambas as situações, os acionistas estão sendo chamados a deliberar sobre a política de distribuição ou retenção de resultados, o que gera uma maior governança do que a mera manutenção em uma conta de Lucros Acumulados, sem que tenha havido qualquer deliberação por parte dos acionistas.

Diante da inexistência de menção aos Lucros Acumulados enquanto conta contábil do patrimônio líquido a partir da Lei nº 11.638/07, surgiu a dúvida se tal conta permaneceria existindo nos Balanços Patrimoniais de sociedades que tivessem adotado outro tipo societário.

Em 2009, o Conselho Federal de Contabilidade publicou a Resolução CFC nº 1.157/09, na qual consta expressamente que a obrigação de destinação dos Lucros Acumulados se aplica tão somente às sociedades anônimas, nos seguintes termos:

“Lucros Acumulados

A obrigação de essa conta não conter saldo positivo aplica-se unicamente às sociedades por ações, e não às demais, e para os balanços do exercício social terminado a partir de 31 de dezembro de 2008. Assim, saldos nessa conta precisam ser totalmente destinados por proposta da administração da companhia no pressuposto de sua aprovação pela assembléia geral ordinária.

Essa conta continuará nos planos de contas, e seu uso continuará a ser feito para receber o resultado do exercício, as reversões de determinadas reservas, os ajustes de exercícios anteriores, para distribuir os resultados nas suas várias formas e destinar valores para reservas de lucros.”

Desse modo, para fins contábeis e societários, a conta de Lucros Acumulados seguiu sendo fortemente utilizada em tipos societários distintos de sociedades por ações com amparo na legislação contábil.

Retomando a ótica tributária relativa aos juros sobre o capital próprio, somente com a edição da Lei nº 14.789/23, é que surge uma menção expressa às contas de “lucros ou prejuízos acumulados” como contas que farão parte do cálculo dos juros. Ademais, surge disposição que a reserva de incentivo fiscal de que trata o artigo 195-A da Lei nº 6.404/76 não está entre as reservas de lucros que integrarão a base dos juros sobre o capital próprio.

Precedentes do Carf
Feitas as principais considerações sobre as normas societárias e tributárias sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 1302-007.153 (12/06/2024) [2], a turma decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao recurso voluntário excluindo o saldo da conta de Lucros Acumulados do patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio.

O relator assinalou que o § 8º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 elenca taxativamente quais contas do patrimônio líquido integrarão a base de cálculo dos juros, não incluindo a conta de Lucros Acumulados.

Ademais, o relator manifesta o entendimento de que esta conta não poderia conter saldo (credor) no caso de sociedades por ações e sociedades de grande porte a partir da Lei nº 11.638/07, de forma que havendo saldo em tal conta, tal prática teria sido feita indevidamente e, portanto, não deveria integrar a base dos juros sobre o capital próprio.

No Acórdão 1202-001.666 (29/7/2025) [3], a turma decidiu, de forma unânime, dar provimento ao recurso voluntário, reconhecendo a possibilidade da conta de Lucros Acumulados integrar a base de cálculo dos juros sobre o capital próprio em uma sociedade limitada.

A fiscalização manifestou o entendimento que a conta de Lucros Acumulados deveria ter uma natureza transitória, devendo ser zerada ao final do exercício com a destinação do resultado, sendo este o motivo pelo qual ela não consta na lista taxativa das contas que integram o patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros.

Por outro lado, o contribuinte aponta que a disposição contida na Lei nº 6.404/76 a partir da Lei nº 11.638/07 atingiria exclusivamente as sociedades anônimas.

O conselheiro relator pondera que a retirada da conta “Lucros Acumulados” do patrimônio líquido trazida pela Lei nº 11.638/07 teve como escopo impedir a retenção indevida e injustificada de lucros por acionistas controladores de uma sociedade por ações em detrimento dos acionistas minoritários, o que poderia ocorrer caso um resultado positivo dessa conta ao final do exercício não fosse distribuído ou transferido para reserva de lucros.

Ademais, menciona que havia legislação contábil dispondo que a conta de Lucros Acumulados seguia existindo nas sociedades limitadas, assim como a alteração superveniente do §8º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 pela Lei nº 14.789/23 trouxe a menção de que tal conta deve ser incluída no cálculo dos juros sobre o capital próprio.

Conclusões
Diante do exposto, verifica-se que há decisões em diferentes sentidos no que tange à inclusão ou não da conta de Lucros Acumulados no patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio no período entre a edição de Lei nº 12.973/14 e a edição da Lei nº 14.789/23. Com a devida vênia ao entendimento contrário, não há como não considerar o saldo de tal conta no cálculo dos juros, uma vez que se trata de conta que reflete em sua essência econômica uma reserva de lucros não devidamente formalizada.

[1] SANTOS, Ariovaldo dos; IUDICIBUS, Sergio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de Contabilidade Societária. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2022.

[2] Conselheiro relator Marcelo Oliveira.

[3] Conselheiro relator Leonardo de Andrade Couto.

Fonte: Conjur

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é professor concursado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV), conselheiro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), diretor financeiro da Fundação de Apoio aos Comitês de Pronunciamentos Contábeis e de Sustentabilidade (FACPCS), vice-presidente executivo da Apet, ex-conselheiro do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e ex-presidente da Aconcarf.

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