Quais são os mitos sobre as subvenções fiscais até 2023

Por Fernando André Kreisig

20/10/2025 12:00 am

A tática é conhecida, mas é importante sempre estar atento. Quando a primeira frase de um artigo é a tentativa de desqualificação do interlocutor, utilizando expressões como “A Receita Federal é má perdedora“, redobre seu espírito crítico para avaliar se o texto realmente contém a lógica que afirma ter. A finalidade desta publicação é contrapor a série de argumentos distorcidos apresentados em artigo do mesmo tema no último dia 8 de outubro.

Divulgação
A verdade é que a Receita Federal tem tratado as exclusões a título de subvenção para investimento individualmente, com foco no caso concreto, analisando se, naquela situação específica, o benefício fiscal proporcionou acréscimo patrimonial ao contribuinte em valor correspondente à exclusão efetuada, nos termos do ADI RFB n° 4/2024.

Nesse sentido, a instituição sempre esteve de acordo que os denominados “benefícios fiscais negativos” também se qualificam à exclusão do lucro líquido, para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, nos termos do artigo 30 da Lei n° 12.973/2014 (com a redação que vigorou até 2023), mas somente quando essas desonerações de impostos proporcionaram ganho ao contribuinte do imposto, e no exato valor desse ganho. Esse efeito é muito diferente dependendo se estamos tratando de tributos diretos ou indiretos. Colocar ambos no mesmo balaio é um erro que fatalmente compromete todo o raciocínio que se possa fazer a partir de então.

De qualquer modo, sem mais rodeios, podemos começar a tratar de cada afirmação que tem sido colocada a respeito da aplicabilidade das decisões do STJ e da legislação que regeu os efeitos dos incentivos ou benefícios fiscais nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL até 2023. É absolutamente incorreto afirmar que “a premissa de que a exclusão do benefício depende de acréscimo patrimonial foi superada no julgamento do repetitivo”, posto que o Tema 1.182 remeteu a questão ao artigo 30 da Lei n° 12.973/2014, o qual prevê “que as subvenções para investimento (…) não serão computadas na determinação do lucro real”. Assim, caso esteja se tratando de um benefício que não representou ganho para a pessoa jurídica, não há qualquer exclusão a fazer, tendo em vista que tal benefício não está contido no lucro líquido do contribuinte e, portanto, já não está computado na determinação do lucro real.

Exclusão de benefícios
Ao julgar os embargos do Tema 1.182, o STJ foi além, uma vez que o relator se valeu de voto anterior do ministro Francisco Falcão a respeito da definição do alcance da expressão “finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”, o qual afirmou que é “mister o direcionamento do resultado do benefício à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”. Como o voto do relator foi seguido por unanimidade pelos demais ministros, fica claro que o STJ entendeu que deve haver repercussão econômica decorrente do benefício e que esse resultado econômico deve ser direcionado à implantação ou expansão de empreendimentos. É ilógico imaginar que um benefício que não proporcionou acréscimo patrimonial possa ser direcionado para implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Ou seja, a exclusão dos benefícios de ICMS diversos do crédito presumido, para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, somente é passível de ser efetuada pelo contribuinte que auferiu ganho jurídico e econômico de natureza fiscal com o respectivo benefício e somente quando o efeito desse benefício no lucro líquido do contribuinte seja quantificável (sob pena de descumprimento aos itens 1 e 3 da tese fixada no Tema 1.182).

Prosseguindo com a desconstrução das falácias, a previsão de que o “o ICMS é calculado por dentro, de sorte que ‘integra a base de cálculo do imposto (…) o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle’ (Lei Complementar 87/96, artigo 13, parágrafo 1º, inciso I)” leva a conclusão diametralmente oposta à que vem sendo alegada por alguns advogados: “a dispensa total ou parcial do pagamento do imposto gera-lhe receita correspondente à diferença entre a alíquota padrão e a alíquota efetiva aplicada” (sic). Isso porque o valor de ICMS que antes compunha o valor da operação e que deixou de incidir na venda (em razão de isenção ou de redução de base de cálculo, por exemplo) também não mais compõe o valor da operação, em conformidade com a legislação mencionada, e, portanto, juridicamente não é recebido pelo vendedor da mercadoria.

Aplicado aos casos concretos, esse fato impede a obtenção de acréscimo patrimonial por quem deu a saída da mercadoria, uma vez que é impossível se extrair ganho de um valor que juridicamente não foi recebido (ICMS desonerado). Ressalte-se que essa é uma definição jurídica e que o fato de que as desonerações de ICMS em caráter geral provocam ou induzem a redução de preços é um elemento econômico que reforça a conclusão exposta, e não que a determina. Ainda assim, é possível se identificar situações em que os denominados “benefícios negativos” tragam ganho (jurídico e econômico) para o contribuinte de ICMS, como é o caso da redução do imposto na importação de produtos por pessoa que não poderia se recuperar do imposto pago, por exemplo, situação em que, até 2023, poderia ser aplicado o artigo 30 da Lei n° 12.973/2014.

Desonerações de ICMS
Ainda em relação à incorreta conclusão de que as desonerações de ICMS tratadas no Tema 1.182 “dispensam o contribuinte do pagamento do imposto e lhe proporcionam uma receita correspondente à diferença entre a alíquota padrão e a alíquota efetiva”. A verdade é que as isenções e reduções de alíquota ou de base de cálculo de ICMS, antes de dispensarem o vendedor do pagamento do imposto, dispensam-no de cobrar o imposto do adquirente. Ou seja, o contribuinte que deu saída a uma mercadoria isenta somente não irá recolher o ICMS porque esse imposto não compõe o valor da operação. É situação completamente diferente do crédito presumido de ICMS, que efetivamente dispensa o contribuinte de efetuar o pagamento do imposto que havia sido cobrado por ele (compôs o valor da operação) e que, portanto, gera-lhe uma receita.

Para não dizerem que só falei dos erros dos outros, é correto afirmar que “não compete ao Fisco adentrar a lógica econômica de precificação adotada pelo particular, tampouco supor o valor que teria sido cobrado se a incidência do ICMS se desse de forma integral”. O quanto a pessoa jurídica reduziu o seu preço em uma isenção objetiva de ICMS sobre a venda de determinado produto, ou se essa redução se deu em valor equivalente ao do tributo desonerado é algo que virtualmente não pode ser comprovado, dado que os preços de mercado dos bens flutuam diariamente, em função dos mais diversos fatores econômicos e de condições pessoais dos vendedores e compradores. A questão é que essa quantificação se mostra absolutamente irrelevante, uma vez que, se o vendedor não reduziu o preço praticado, porque assim lhe possibilitou o mercado, (em razão de um maior aquecimento do setor, por exemplo), ela não está tendo um ganho fiscal decorrente da redução do ICMS, que poderia motivar uma eventual exclusão baseada no artigo 30 da Lei n° 12.973/2014, mas sim um ganho de natureza comercial. Trata-se de uma definição que se dá eminentemente no plano jurídico.

Para que se tenha claro, quando se trata de desonerações do ICMS (tributo indireto, plurifásico, não cumulativo e cujo ônus jurídico e econômico recai sobre o contribuinte de fato), o que se verifica, na grande maioria das situações, é a ausência total de repercussão econômica patrimonial com a natureza de benefício fiscal. Em outras palavras, não há obtenção de vantagem econômica de natureza fiscal por parte do contribuinte de direito do ICMS, inexistindo, portanto, qualquer tipo de efetiva subvenção governamental que lhe beneficie.

Conclusão da Receita Federal
Toda a conclusão da Receita Federal nos casos concretos vai ao encontro do entendimento do STF no Tema 69 “o ICMS é receita pública que apenas passa pelas mãos do comerciante”. Se o ICMS, quando incidente na operação, apenas transita contábil ou financeiramente pelo vendedor, o efeito da isenção para esse comerciante é tão somente o de o ICMS deixar de transitar por ele. Obviamente, nenhum ganho é proporcionado ao contribuinte quando um valor deixa de transitar por suas contas. Em outras palavras, deixar de cobrar tributo de terceiro, para repassar ao Estado, não traz nenhum benefício para quem deixou de cobrá-lo. Essa é a consequência inafastável do que foi definido pelo STF, ao contrário da interpretação distorcida de quem afirma que “se é assim, a dispensa do seu repasse ao Estado só pode ser entendida como geradora de riqueza nova a ser apropriada por aquele” (sic). As isenções e reduções de alíquota ou de base de cálculo em caráter geral e objetivo não têm o efeito de “dispensar o repasse do ICMS ao Estado” simplesmente porque nas operações desoneradas não há ICMS a ser repassado ao Estado. Os benefícios fiscais que efetivamente “dispensam o repasse do ICMS ao Estado” são os créditos presumidos, os estornos de débitos, os descontos pela antecipação do ICMS a pagar e a anistia, por exemplo, que não foram tratados no Tema 1.182. Nessas espécies de benefício, sem dúvida, há “riqueza nova a ser apropriada pelo comerciante”, tendo em vista que o contribuinte cobrou o imposto na operação, mas não teve que recolhê-lo ao Estado.

O CPC 00 também subsidia o entendimento aplicado pela Receita Federal nos casos concretos quando estabelece que “receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, (…) que resultam em aumentos do patrimônio líquido”. Ou seja, somente há receitas relacionadas às denominadas “subvenções negativas” quando estas geram acréscimo patrimonial e é a ausência desse acréscimo patrimonial, pelos fundamentos anteriormente expostos neste artigo, dentre outros, eventualmente (e não nas falácias expostas em outros artigos), que pode motivar a glosa das exclusões efetuadas para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL nos casos específicos que podem ser fiscalizados pela Receita Federal.

Subvenções governamentais
Quanto ao CPC 07, “específico para as subvenções governamentais”, cabe observar que sua aplicação é expressamente afastada em isenções e reduções de alíquota ou de base de cálculo em caráter geral, tanto em seu item 2.b quanto em seu item 3. Somente podem ser consideradas “assistências governamentais” benefícios concedidos a uma entidade ou grupo de entidades que atendam a critérios estabelecidos. São benefícios subjetivos. Ou seja, benefícios concedidos indistintamente a todos os contribuintes, em caráter geral, de modo objetivo, tais como desonerações de ICMS relacionadas unicamente ao produto vendido, não são considerados assistências governamentais e, por consequência, não são subvenções governamentais. Ademais, quando em seus itens 38D e 38E o CPC 07 apresenta um exemplo de lançamento entre contas de resultado para contabilização de subvenções, não por acaso ele o faz para redução de um tributo sobre a renda (também poderia ser para um tributo sobre o patrimônio). Trata-se de um tributo direto cujo ônus é suportado pela própria pessoa jurídica que apurou o lucro, situação completamente distinta da redução de um tributo indireto que incidiria sobre uma venda da empresa.

Nesse ponto, aproveito para relatar uma curiosa conversa que testemunhei em um webinar do CRC-RS que tratava da tributação das subvenções. Em determinado momento, alguns contadores disseram que estavam sendo impelidos por advogados a contabilizarem o valor imaginário do ICMS isento de determinadas operações a débito de conta de resultado com contrapartida a crédito de outra conta de resultado e indagaram se essa contabilização estava correta e se eles deveriam fazer o mesmo para o PIS, a Cofins e o IPI de produtos vendidos com alíquota zero desses tributos. De fato, nas centenas de escriturações contábeis que já auditei jamais vi uma contabilização desse tipo para qualquer outro tributo indireto além do ICMS (e mesmo para esse tributo, “curiosamente” somente vi contabilização nos casos em que a pessoa jurídica excluiu o mesmo valor no LALUR). Esse fato é revelador de o quanto sequer quem afirma (incorretamente) que o CPC 07 determina a contabilização entre contas de resultado do valor supostamente correspondente ao ICMS desonerado em caráter geral acredita nessa afirmação.

Tributo indireto
Para um tributo indireto, plurifásico e não cumulativo, como o ICMS, imaginar que cada contribuinte que deu saída a um produto isento teve uma receita correspondente ao valor do imposto que deixou de incidir na operação significaria admitir que, ao final da cadeia do produto, a soma dos ganhos dos participantes dessa cadeia é imensamente maior do que o tributo que deixou de ser recolhido ao Estado. Se a PJ produtora rural vendeu seu produto por R$ 300 à agroindústria, a qual revendeu por R$ 700 ao atacadista, o qual revendeu por R$ 900 ao varejista, que vendeu por R$ 1.000 ao consumidor final, admitir que cada um deles teve um ganho de 18% de seu valor de venda, implicaria afirmar que o ganho total dos contribuintes com a desoneração desse produto foi de R$ 522 (= (R$ 300 x 0,18) + (R$ 700 x 0,18) + (R$ 900 x 0,18) + (R$ 1000 x 0,18)), em vez dos R$ 180 que realmente foram desonerados na cadeia de circulação dessa mercadoria. Se a conclusão chegou nesse ponto, sem dúvida é hora de voltar ao início do raciocínio, uma vez que ele partiu de premissas completamente equivocadas.

Por fim, aproveitando a “conhecida história de Aliomar Baleeiro” a respeito da redução do preço de venda do peixe no final da feira, é interessante observar que também ela reflete a noção de que o ICMS é tributo indireto que onera o consumidor final da mercadoria. É fundamental não se perder de vista essa verdade quando se analisa quem foi desonerado pelas isenções e reduções do imposto, bem como a finalidade dessa desoneração. Isso fica evidente em casos concretos em que as desonerações de ICMS foram estabelecidas em caráter geral para produtos essenciais. Conforme artigo 155, § 2°, inciso III, da Constituição, o ICMS poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Assim, por definição constitucional, não se aplica uma maior ou menor incidência de ICMS para prejudicar ou para beneficiar quem vende o produto ou serviço mais supérfluo ou mais essencial. Pelo contrário, o dispositivo constitucional mencionado necessariamente traz consigo a conclusão de que, ao desonerar determinada mercadoria, o Estado está favorecendo o consumo daquele bem, ou seja, beneficiando o consumidor. Ademais, se no passado a conclusão da história do jurista foi de que “o ICMS, onde devido, está sempre embutido no preço”, por que motivo agora se concluiria que “o ICMS, mesmo que não devido, está embutido no preço”? É irônico pensar que para alguns, até mesmo produtos isentos estão recheados de ICMS e que o comerciante está se locupletando com esse recheio imaginário.

Mini Curriculum

é contador e auditor-fiscal da Receita Federal.

Continue lendo