União passará a listar disputas arbitrais nos anexos de riscos fiscais

Com as despesas com precatórios em alta e futuras perdas prováveis no Poder Judiciário chegando a R$ 575 bilhões, o governo federal vai passar a mapear nos anexos de riscos fiscais perdas da União em litígios resolvidos em câmaras arbitrais. Hoje, esse risco, ligado a questões como contratos de concessão ou reequilíbrios contratuais envolvendo grandes projetos de infraestrutura, não é monitorado.

A novidade constará nos documentos oficiais do governo federal a partir do próximo ano. O Executivo identificou que muitos precatórios expedidos contra a União são oriundos de derrotas não somente no Judiciário, mas justamente em processos discutidos nas câmaras de arbitragem. Precatórios são dívidas públicas para as quais não cabe mais recurso judicial.

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Em 2026, a previsão oficial é que o governo desembolse montante recorde com sentenças judiciais: R$ 121,3 bilhões, ante R$ 114,3 bilhões previstos para este ano. Em 2029, segundo dados da equipe econômica, esse gasto chegará a R$ 150 bilhões.

Hoje, os anexos de riscos fiscais apontam somente para futuras perdas no Judiciário. No mais recente documento enviado ao Congresso no fim de setembro, por exemplo, a União mostrou aumento nas perdas prováveis no Judiciário. Esse estoque agora está em R$ 575 bilhões, ante R$ 541 bilhões em abril, segundo o anexo que acompanhou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026. Esses números são formados por Procuradoria-Geral Federal (PGF), Procuradoria-Geral da União (PGU) e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A maior alta ocorreu nos processos administrados pela PGU, que agora totaliza R$ 345 bilhões – ante R$ 313 bilhões no fim de abril. A PGU é responsável pela atuação nos principais casos não tributários.

Já nas ações da Procuradoria-Geral Federal (PGF) também houve leve aumento, variando positivamente de R$ 2,5 bilhões para R$ 5,2 bilhões em prováveis perdas entre abril e o fim de setembro. Nos casos tributários, que ficam sob a administração da PGFN, houve breve recuo: o valor de prováveis perdas variou de R$ 226 bilhões no fim de abril para R$ 224 bilhões em outubro.

O recuo também foi observado nas ações contra empresas estatais, enquanto em sentido oposto foi identificado um breve aumento no risco das ações judiciais de entes subnacionais contra a União.

No curto prazo, a equipe econômica já conseguiu endereçar o problema dos precatórios do ponto de vista fiscal e orçamentário. Em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada em setembro pelo Congresso, que tratava dos precatórios referentes aos entes federativos, o Ministério do Planejamento e Orçamento conseguiu retirar os gastos com precatórios da União do limite de despesas do arcabouço. Além disso, conseguiu a incorporação, para fins de cálculo da meta fiscal, de um mínimo de 10% de todo o gasto com essa despesa ano a ano.

Mas em prazos mais longos os precatórios contra a União continuam preocupando, já que os documentos oficiais apontam para alta em possíveis futuras condenações no Judiciário, principalmente nos casos de maior risco – considerados de perda provável. Possíveis perdas nas ações arbitrais, no entanto, não são mapeadas, podendo aumentar ainda mais futuros gastos da União.

Resta saber se a União permanecerá a ter predileção pela arbitragem”
— Gabriel de B. Silva
Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a decisão de incluir as arbitragens visa dar mais previsibilidade, em um momento em que o Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento e Orçamento e a Advocacia-Geral da União (AGU) tentam evitar a expedição de precatórios contra o governo. Os números estão sendo consolidados pelas equipes técnicas e serão usados por um comitê que envolve as três pastas e foi criado no começo do governo para monitorar precatórios e riscos fiscais.

O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, aponta que os riscos continuam subindo e são um sintoma do excesso de judicialização da política fiscal. “Além do problema fiscal ligado a escolhas e decisões de ‘policy’ [políticas públicas], que pioram a percepção de risco e dinâmica das contas públicas, há ainda riscos fiscais contingentes que se somam aos anteriores e agudizam a percepção de deterioração do balanço do setor público”, diz.

Barros avalia que, quanto antes o governo conseguir identificar os riscos fiscais em potencial, melhor. Nesse sentido, ele considera que a inclusão na lista de riscos fiscais das possíveis perdas da União em litígios solucionados por câmaras arbitrais representa um avanço importante em direção a uma gestão mais diligente e transparente das contas públicas.

“Existe uma intersecção entre direito e economia que precisa ser explorada pela equipe econômica, de todos os governos. Historicamente isso tem sido negligenciado e explica em grande medida o gigantismo dos riscos fiscais mapeados e não mapeados”, afirma o especialista.

Na avaliação de Gabriel de Britto Silva, advogado, árbitro e participante da comissão de arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), a União passou a participar de litígios arbitrais principalmente após 2015, depois de identificar que resoluções arbitrais são mais rápidas.

Como o governo agora entende que tem perdido casos, o advogado alerta que é preciso observar se o Executivo continuará buscando os processos arbitrais. “Resta saber se, fruto das perdas, devidamente fundamentadas fática e juridicamente, a União permanecerá a ter predileção pela arbitragem em detrimento da solução de litígios junto ao Poder Judiciário”, diz.

Por Valor

20/10/2025 00:00:00

MP Editora: Lançamentos

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