STJ julga direito de comerciantes a créditos sobre IPI

Por Luiza Calegari — De São Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar nesta semana se o IPI, que incide sobre a compra de mercadoria para revenda, deve integrar a base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins de comerciantes. Até agora, votou apenas a relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, contra o contribuinte. Após o voto, a sessão foi interrompida por pedido de vista

O colegiado está analisando dois recursos de comerciantes do Rio Grande do Sul e do Ceará sob o rito dos recursos repetitivos. Isso significa que o entendimento firmado deve ser aplicado por todas as instâncias inferiores do Judiciário (Tema 1373). Os contribuintes buscam o direito de apurar créditos de PIS e Cofins, no regime não cumulativo, sobre os valores correspondentes ao IPI destacado nas notas fiscais de compra de bens para revenda.

Na cadeia tributária, o IPI é pago pelo fabricante ou importadora de bens, que vende seus produtos para comerciantes. Nessa operação, a mercadoria entregue já vem com o IPI embutido no preço. Como os comerciantes não são contribuintes do imposto, esse valor não pode ser compensado posteriormente, o que o torna não recuperável.

Segundo as empresas, para que o regime de não cumulatividade seja efetivo, é preciso permitir que o valor do IPI seja considerado custo de aquisição, o que geraria créditos de PIS e Cofins. Para a Fazenda, por outro lado, os contribuintes não têm direito de creditar todas as despesas de sua atividade econômica no PIS e na Cofins. Além disso, a legislação prevê que valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos às contribuições não pode ser creditado.

No cerne da discussão estão duas instruções normativas da Receita Federal – nº 2.121, de 2022, que foi posteriormente substituída pela nº 2.152, de 2023. Foi com essas normas que o órgão mudou entendimento que vigia desde 2002, de que o IPI nessas operações deveria integrar a base para os créditos de PIS e Cofins.

Segundo os contribuintes, a Receita não tem autoridade para criar direitos ou obrigações não previstos em lei por meio de suas normas infralegais. A advogada Amanda Costabeber Guerino, que defende uma das empresas, destacou que, “por pelo menos 23 anos, a interpretação da Receita foi de que o contribuinte tem direito ao desconto de crédito de PIS e Cofins sobre o valor de IPI irrecuperável, garantindo assim segurança jurídica” (REsp 2191364).

Ela sustentou, em sua manifestação no julgamento, que não houve qualquer alteração na legislação do PIS e da Cofins que justificasse a mudança de entendimento da Receita. As Leis nº 10.637, de 2002, e nº 10.833, de 2003, que regem a não cumulatividade das contribuições, determinam que devem ser incluídos no cálculo do valor do crédito o custo de aquisição da mercadoria. Isso englobaria, na visão dos contribuintes, o IPI não recuperável.

O advogado Carlos Cesar Sousa Cintra, que defende a outra empresa (REsp 2198235), afirmou, no julgamento, que a legislação não desmembra os componentes do custo da mercadoria e, dessa forma, o valor total da compra dos produtos deve ser considerado na base de cálculo dos créditos. “O IPI não recuperável, precisamente por não ser possível ser utilizado para abatimento de operações subsequentes, aparece como verdadeiro custo, daí porque descabe não levá-lo em consideração para fins de apuração dos créditos de PIS e Cofins”, disse.

Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), no entanto, embora o IPI irrecuperável seja uma despesa, os contribuintes não têm direito de creditar no PIS e na Cofins todos os gastos referentes à sua atividade econômica. Em sustentação oral no julgamento, o procurador Thiago Couto destacou que o parágrafo 2º do artigo 3º das mesmas leis citadas pelos contribuintes prevê que o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos à contribuição não pode ser creditado.

Em seu voto, a ministra Maria Thereza de Assis Moura concordou com os argumentos da Fazenda. Destacou o mesmo dispositivo legal para defender a mudança de entendimento da Receita nas instruções normativas questionadas. Segundo ela, as normas “não padecem de ilegalidade”, pois só explicitaram e consolidaram entendimento “que já decorre diretamente da interpretação sistemática das leis de regência”.

O ministro Paulo Sérgio Domingues pediu vista para se inteirar a respeito do assunto. Ele integra a 1ª Turma do STJ, que ainda não tem nenhum precedente sobre o tema.

Na 2ª Turma, por sua vez, o precedente é favorável à Fazenda. Em julgamento de maio, o colegiado entendeu que “atos normativos secundários que visam fiel execução da lei não extrapolam sua função regulamentar quando apenas detalham comandos já existentes no diploma legal hierarquicamente superior” (REsp 2188258).

Em nota, a PGFN diz esperar que o entendimento da turma seja mantido pela Seção, o que daria coerência entre o novo julgado e o entendimento do Tema 1231 dos recursos repetitivos. Na fundamentação do tema, os ministros entenderam que “como o princípio da não cumulatividade preconiza que o valor do tributo incidente sobre o bem na saída do vendedor é que irá gerar o valor do crédito na entrada do bem para o adquirente, se não houver tributação na saída do vendedor, não haverá creditamento na entrada para o adquirente”. Assim, “qualquer crédito concedido nessa situação ou para além do valor do tributo pago na etapa anterior é crédito presumido ou fictício, carecedor de lei específica”.

De acordo com o advogado Rafael Nichele, do escritório Rafael Nichele Advogados Associados, o precedente não se aplica à discussão atual. Isso porque, no Tema 1231 o fornecedor é depositário do imposto, enquanto no caso do IPI o contribuinte paga o tributo, que se incorpora de forma irrecuperável ao custo de aquisição da mercadoria.

“O que gera crédito de PIS e Cofins na aquisição é a própria incidência dessas contribuições na operação anterior, ainda que o imposto não integre a base de cálculo das contribuições”, sustenta.

Para Aurélio Longo Guerzoni, sócio do Guerzoni Advogados, a controvérsia não deve ser resolvida com base na regra que impede o creditamento de bens não sujeitos ao pagamento da contribuição, porque a operação que gerou crédito foi tributada pelo fornecedor. “Deve prevalecer a regra legal segundo a qual os créditos escriturais devem ser apurados com base no preço de aquisição dos bens, incluído o IPI não recuperável, por integrar o respectivo custo de aquisição.”

Por Valor

13/10/2025 00:00:00

MP Editora

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