STJ impede Fisco de alterar documento de cobrança de tributo

Por Marcela Villar — De São Paulo

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Fazenda Pública não pode substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário. A vitória dos contribuintes é relevante para casos de erro na cobrança do tributo. Com a decisão, o Fisco é obrigado a refazer a CDA, o que pode dificultar novo lançamento tributário, pois ele precisa ser feito dentro do prazo de decadência, de cinco anos.

Nos processos analisados, contribuintes questionavam cobranças de IPTU feitas de forma genérica ou sem o fundamento legal correto. Em um deles, por exemplo, a CDA indicava ISS mas usou o fundamento legal de IPTU. Em todos os casos, o prazo para ajuizar nova cobrança decaiu. Na prática, a dívida será extinta, pois a certidão da dívida ativa será anulada. Os municípios, contudo, ainda podem recorrer da decisão do STJ.

O entendimento dos ministros foi unânime e em recurso repetitivo, assim, vincula todos os casos do Judiciário. Ele é aplicado para todas as cobranças de dívida ativa – da União, Estados e municípios. Porém, segundo especialistas, deve afetar mais os municípios menores, sem tanta estrutura para a cobrança da dívida ativa de forma automatizada.

O STJ analisou três recursos de municípios de Santa Catarina (Jaguaruna, Itapoá e Garopaba). Os contribuintes recorriam de decisões do Tribunal de Justiça do Estado (TJSC) que permitiram alterações em CDAs, com base em tese local aprovada em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – Tema nº 24.

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Para o relator, o ministro Gurgel de Faria, a inscrição em dívida ativa, prevista no artigo 2º, parágrafo 3º, da Lei nº 6.830 de 1980, é, por sua natureza, um “ato de controle” da legalidade do crédito, produzida unilateralmente pelo credor. Por isso, deve conter todos os elementos exigidos pela lei “sob pena de impossibilitar-se a apuração da certeza e da liquidez da dívida”.

“É o único documento que instrumentalizará a inicial da execução fiscal”, disse o ministro, na sessão de julgamento de ontem. “A deficiência na indicação do fundamento legal da exação no bojo da CDA, que é título executivo extrajudicial e que goza de certeza, liquidez e exigibilidade, espelha deficiência no próprio ato de inscrição de dívida ou do lançamento que lhe deu origem, não se configurando como simples erro formal sujeito a correção por mera substituição do título executivo”, completou.

O ministro Gurgel de Faria fixou a seguinte tese: “Não é possível a Fazenda Pública, ainda que antes da prolação da sentença de embargos, substituir ou emendar a CDA para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário” (REsp 2194706, REsp 2194708 e REsp 2194734).

Segundo a tributarista Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Cukier, o entendimento do STJ afeta apenas mudança em relação ao fundamento legal, pois, de acordo com o parágrafo 8º do artigo 2º da Lei nº 6830, de 1980, a CDA pode ser emendada ou substituída até a decisão em primeira instância. “Essa alteração somente pode versar sobre questões formais que não impactam a apuração do crédito tributário”, diz a advogada, citando que não pode se alterar a base de cálculo, alíquota, indicação do tributo, a fundamentação legal e dados do sujeito passivo.

A decisão é uma grande vitória para os contribuintes”
— Maíra Vosgerau
Erros formais e materiais, como pequenos equívocos de inscrição, de ortografia e de cálculo ainda permitem ao Fisco emendar ou substituir a CDA, desde que antes da sentença nos embargos à execução, lembra a advogada Maíra Karoline Iurck Vosgerau, do Castro Jr. Sociedade de Advogados, que atua em um dos casos julgados. Ela se refere à permissão dada pela Súmula 392 do STJ.

Para Maíra, a decisão é uma “grande vitória para os contribuintes”. “Os contribuintes, há largo período, passam por dificuldades ao apresentar defesas com base em certidões de dívida ativa nulas, com informações equivocadas, o que compromete a defesa, em ofensa aos princípios da ampla defesa, contraditório, da legalidade e da própria segurança jurídica”, afirma.

O advogado Carlos Giacomo Jacomozzi, sócio do Jacomozzi & Marchetti Filla Advogados Associados, que defende o contribuinte em outro caso da Corte, diz que a decisão do STJ unifica o entendimento de que o fundamento legal da CDA não pode ser alterado durante a execução fiscal. “O caso é de nulidade da CDA e outra deverá ser expedida se não decorrido o prazo prescricional. A decisão veio em boa hora e valerá para todo o Brasil”.

No caso de Jaguaruna, a cobrança foi questionada porque a CDA fazia referência apenas ao Código Tributário Municipal, de forma genérica, sem indicar o dispositivo legal específico que fundamentava o débito. O TJSC reconheceu o erro, mas autorizou a substituição da certidão. A decisão foi derrubada com o julgamento de ontem do STJ.

Para Matheus Scremin Santos, sócio do Matheus Santos Advogados, que atua no caso, o entendimento dos ministros traz segurança jurídica e torna o ambiente tributário brasileiro mais transparente e previsível. “A CDA é, em essência, a linguagem oficial do Estado na cobrança de tributos, e, portanto, deve refletir com exatidão o que está sendo exigido”, afirma Santos. Também atuou na ação o advogado Luan Carlos Silvério de Jesus.

Procurados pelo Valor, os municípios de Jaguaruna, Itapoá e Garopaba não deram retorno até o fechamento da edição.

Por Valor

09/10/2025 00:00:00

MP Editora

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