Compensação de créditos do exterior quando há prejuízo

Por Sergio André Rocha

30/09/2025 12:00 am

Um dos temas mais insuficientemente regulamentados no Direito Tributário é a compensação, por pessoas jurídicas residentes no Brasil, de créditos decorrentes de impostos pagos no exterior. São inúmeras as controvérsias entre as autoridades fiscais e os contribuintes, muitas das quais decorrentes das omissões, contradições e complexidades criadas pela legislação sobre a matéria.

Uma das questões mais debatidas neste campo é a compensação de créditos quando a pessoa jurídica localizada no Brasil tem prejuízo ou lucro real inferior aos rendimentos, ganhos de capital ou lucros no exterior.

Neste breve artigo vamos apresentar nossas considerações sobre alguns dos aspectos mais controvertidos sobre esta matéria, desde a natureza de tais créditos até os requisitos e condições para a sua utilização.

Princípio da não dupla tributação
O Direito Internacional Tributário surgiu no século 19, quando os países adotaram um novo tipo de tributo criado na Inglaterra no fim do século 18: o Imposto de Renda. Com a difusão da tributação da renda foram aparecendo situações em que um mesmo fato econômico era tributado em mais de um lugar, gerando a chamada bitributação internacional da renda.

Desde o início, reconheceu-se que a bitributação internacional era um fenômeno que gerava externalidades negativas indesejadas, devendo, portanto, ser controlada.

Inicialmente, o combate à dupla tributação da renda se deu, majoritariamente, pela assinatura de tratados internacionais bilaterais. Contudo, com a passagem do tempo, tornou-se cada vez mais comum a adoção de medidas unilaterais, previstas na legislação doméstica de cada país, com a finalidade de se evitar as situações de bitributação.

É neste contexto que é possível falar em um princípio da não bitributação, que é norma finalística que orienta os países a buscar medidas que evitem a bitributação da renda. Esse princípio serve igualmente como pauta hermenêutica para a interpretação das convenções internacionais tributárias e da legislação doméstica.

Não dupla tributação na legislação doméstica
Desde a introdução das regras de tributação de lucros, rendimentos e ganhos de capital de pessoas jurídicas em bases universais, a legislação pátria estabeleceu dispositivos sobre o aproveitamento de crédito decorrente do imposto sobre a renda pago no exterior. Inicialmente essas regras estavam previstas no artigo 26 da Lei nº 9.249/1995 (Lei 9.249) e na Instrução Normativa nº 213/2002 (IN 213).

Posteriormente, o aproveitamento — pelas controladoras — do imposto pago no exterior por suas controladas diretas e indiretas passou a ser disciplinado no artigo 87 da Lei nº 12.973/2014 (Lei 12.973). Os créditos passíveis de aproveitamento, no caso de entidades coligadas no exterior, estão previstos no artigo 88 da mesma lei.

Já o artigo 89 da Lei 12.973 trata especificamente do aproveitamento do imposto de renda retido na fonte (IRRF) no Brasil ou pago no exterior, sobre os rendimentos recebidos por filiais, sucursais ou controladas domiciliadas no exterior, sendo ambos considerados como imposto pago no exterior para fins da dedução prevista no artigo 87. A regulamentação destes dispositivos foi feita nos artigos 25 a 31 da Instrução Normativa nº 1.520/2014 (IN 1.520).

Matéria que deveria ter sido disciplinada por lei
Nem sempre a empresa brasileira que tem rendimentos, lucros e ganhos de capital no exterior é lucrativa. Não raro, ela tem prejuízos correntes. Nesses casos, quando o rendimento, lucro ou ganho de capital do exterior é adicionado à apuração do IRPJ e da CSLL, duas situações podem ocorrer: ou eles serão integralmente absorvidos pelos prejuízos correntes da entidade brasileira, ou eles serão parcialmente absorvidos por tais prejuízos, e a empresa apresentará lucro real após a adição dos rendimentos, lucros ou ganhos de capital no exterior.

Ora, nessas situações, em que o prejuízo gerado pela atividade empresarial desenvolvida no Brasil consome o rendimento, lucro ou ganho de capital gerado no exterior, há que se reconhecer que tais resultados estrangeiros integram a apuração do IRPJ e da CSLL. Consequentemente, o imposto de renda pago no exterior seria compensável no Brasil.

Com efeito, não fosse a adição do rendimento, lucro ou ganho de capital do exterior, os prejuízos gerados no Brasil seriam integralmente utilizáveis, em períodos seguintes, para compensar o IRPJ e a CSLL devidos.

Não é por outra razão que a IN 213 disciplinou explicitamente, nos §§ 15 a 20 do artigo 14, os procedimentos para a apropriação de créditos decorrentes de impostos pagos no exterior, nos casos em que (a) a pessoa jurídica brasileira tenha prejuízo e siga com prejuízo após a adição dos lucros do exterior; ou (b) compense todo o prejuízo com a adição dos lucros do exterior, e tenha resultado positivo. De uma maneira geral, estes dispositivos foram posteriormente replicados nos §§ 14 a 19 do artigo 30 da IN 1.520, que atualmente disciplinam o assunto em relação aos lucros de controladas no exterior.

Entendemos que esta matéria deveria ter sido regulada por lei, e não por instruções normativas. Principalmente se considerarmos a IN 1.520, parece-nos injustificável que ela já não tenha incluído essas regras. De toda forma, há que se compreender que tanto a IN 213 quanto a IN 1.520 nada mais fizeram do que disciplinar a Lei 9.249 e a Lei 12.973, considerando seus objetivos de afastamento da bitributação, em linha com o princípio da não dupla tributação que comentamos anteriormente.

Qual a natureza dos créditos nesses casos?
Uma das confusões que dificultam a compreensão desses créditos é a determinação de sua natureza. Temos sustentado que eles têm uma natureza própria. Embora sua origem sejam os tributos pagos no exterior, uma vez que a compensação no Brasil se deu integralmente contra o prejuízo da pessoa jurídica residente, esses créditos passam a ter uma natureza híbrida, isto é, têm origem no exterior, mas são controlados na Parte B do Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur) em razão da absorção de prejuízos domésticos contra rendimentos, lucros e ganhos de capital no exterior.

Este é um aspecto importante porque a compensação do imposto pago no exterior, neste caso, está apoiada em três pilares: o pagamento do imposto de renda no exterior; sua adição na apuração do IRPJ e da CSLL; e a compensação do prejuízo doméstico com os rendimentos, lucros e ganhos de capital do exterior.

Créditos que podem ser utilizados em períodos posteriores
Estes créditos podem, por disposição explícita das aludidas instruções normativas, ser compensados com débitos em anos-calendário posteriores, razão pela qual são controlados na Parte B do Lalur. Veja-se a redação dos §§ 15 e 16 do artigo 14 da IN 213, que se repete nos §§ 14 e 15 do artigo 30 da IN 1.520:

IN 213
“§ 15. O tributo pago sobre lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior, que não puder ser compensado em virtude de a pessoa jurídica, no Brasil, no respectivo ano-calendário, não ter apurado lucro real positivo, poderá ser compensado com o que for devido nos anos-calendário subsequentes.
16. Para efeito do disposto no § 15, a pessoa jurídica deverá calcular o montante do imposto a compensar em anos-calendário subsequentes e controlar o seu valor na Parte B do Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur).”

Note-se, portanto, que há uma autorização expressa para que estes créditos sejam utilizados em anos-calendário posteriores, o que se deve à sua natureza híbrida. Não é por serem créditos do exterior que as instruções normativas trazem esta autorização. É por serem eles uma consequência dos rendimentos, lucros ou ganhos de capital no exterior terem sido compensados com os prejuízos correntes da pessoa jurídica brasileira. É a sua dimensão doméstica que autoriza a compensação em ano-calendário posterior.

Com que débitos estes créditos podem ser compensados ?
Um argumento que surge nos debates sobre a compensação dos créditos em questão é que eles somente poderiam ser compensados em anos-calendário posteriores com o IRPJ e a CSLL devidos sobre novos rendimentos, lucros e ganhos de capital do exterior.

Esta posição nos parece completamente descasada do disposto na IN 213 e na IN 1.520 e da própria natureza dos créditos que estamos examinando.

Com efeito, a utilização do crédito apurado quando a empresa brasileira tem prejuízo se distingue do uso do crédito quando a entidade tem lucro real superior ao rendimento, lucro ou ganho de capital no exterior. Neste último caso, a compensação do crédito se dá com o IRPJ e a CSLL devidos sobre o lucro no exterior.

No primeiro caso, como o prejuízo brasileiro — que seria utilizado para compensar o IRPJ e a CSLL sobre lucros gerados no país — acaba anulando o rendimento, lucro ou ganho do exterior, o crédito passa a ser compensável com os tributos brasileiros apurados em exercícios posteriores.

Qual o limite dos créditos compensáveis?
Outra confusão comum em relação a estes créditos é a tentativa de se aplicar a eles as regras sobre cálculo do limite dos créditos compensáveis previstas nos §§ 9º e 10 da IN 213 e nos §§ 8º e 9º do artigo 30 da IN 1.520.

Esses limites, contudo, somente são aplicáveis quando a empresa brasileira tem lucro real positivo antes da adição dos rendimentos, lucros e ganhos de capital no exterior.

Com efeito, como o crédito não pode ser superior ao valor do lucro auferido no exterior efetivamente incluído no lucro real, nos casos em que a pessoa jurídica brasileira tenha lucro real positivo, a quantificação do crédito deve observar (a) o montante pago pela pessoa vinculada domiciliada no exterior; e (b) e a diferença entre o IRPJ e a CSLL calculados com a inclusão do rendimento, do lucro e ganho de capital no exterior, e sem essa inclusão.

Contudo, nas situações em que existe prejuízo corrente, este cálculo torna-se inaplicável, e o limite da compensação segue as regras previstas na IN 213 e na IN 1.520.

Por essa razão, a própria Secretaria da Receita Federal, tanto na IN 213 quanto na IN 1.520, adotou um cálculo distinto para a determinação do limite compensável: ele será equivalente à alíquota multiplicada pelo lucro no exterior.

É importante observar que o cálculo do limite passível de compensação, sempre e em qualquer caso, é realizado no ano em que o crédito é calculado e não no ano da compensação. Ou seja, uma vez calculado o crédito e registrado na parte B do Lalur, não existe cálculo futuro do limite de compensação.

Percentual do crédito e a CSLL
Há uma omissão nos §§ 15 a 19 do artigo 14 da IN 213 e nos §§ 14 a 19 do artigo 30 da IN 1.520. O § 17 do artigo 14 e o § 16 do artigo 30 estabelecem que o cálculo do crédito compensável será determinado pela multiplicação do percentual de 25% – ou 15%. Não há, portanto, uma referência explícita aos 9% da CSLL.

Não nos parece haver razão para que não seja apropriado um crédito correspondente à CSLL, uma vez que, como estabelece o artigo 15 da IN 213, “o saldo do tributo pago no exterior, que exceder o valor compensável com o imposto de renda e adicional devidos no Brasil, poderá ser compensado com a CSLL devida em virtude da adição, à sua base de cálculo, dos lucros, rendimentos e ganhos de capital oriundos do exterior, até o valor devido em decorrência dessa adição”. Temos a mesma regra no § 13 do artigo 30 da IN 1.520.

Ora, se o crédito do exterior é compensável contra a CSLL, e o rendimento, lucro ou ganho do exterior, absorvido por prejuízos da entidade brasileira, o fundamento jurídico para que se possa calcular um crédito, considerando a alíquota de 9%, é o mesmo: o não aproveitamento deste crédito geraria uma situação de dupla tributação.

A tributação em bases universais pela CSLL só foi estabelecida em 1999 pela Medida Provisória nº 1.858. O artigo 19 desta medida provisória estabelecia que seriam aplicáveis à CSLL as regras previstas nos artigos 25 a 27 da Lei 9.249. Portanto, a base legal para o aproveitamento de créditos no caso da CSLL era a mesma aplicável ao caso do IRPJ.

O artigo 26 da Lei 9.249, contudo, somente se referia ao cálculo do lucro real, uma vez que em sua redação original seria aplicável apenas ao IRPJ.

Cremos que seja esta a origem histórica de toda a confusão legislativa. Elaborou-se a IN 213 considerando a redação do artigo 26 da Lei 9.249, sem levar em conta a CSLL, e redigiu-se a IN 1.520 copiando o texto da instrução normativa anterior. Contudo, se não foi o Poder Executivo que “criou” um crédito, se ele tem base legal, não parece haver qualquer fundamento para que se negue o direito ao crédito referente à CSLL.

Créditos podem ser compensados com débitos de estimativa de IRPJ e CSLL?
Uma vez que esses créditos podem ser compensados com o IRPJ e a CSLL devidos em períodos posteriores, mesmo que calculados sobre lucros domésticos, questiona-se se tais créditos podem ser utilizados para quitar estimativas mensais de pessoas jurídicas que apurem esses tributos pelo regime do lucro real anual, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.430/1996 (Lei 9.430).

Sabe-se que a regra geral prevista no artigo 1º da Lei 9.430 é que o IRPJ e a CSLL sejam apurados pelo lucro real trimestral. O lucro real anual é uma opção do contribuinte e, quando utilizado, torna-se obrigatória a realização de pagamentos mensais que são calculados de forma presumida.

É importante destacar que tanto o caput do artigo 2º quanto o seu § 1º fazem referência ao “pagamento do imposto”, de modo que as estimativas mensais nada mais são do que imposto pago. Diante da dicção clara da lei, é no mínimo curioso que haja quem argumente que tais estimativas não teriam a natureza de tributo, interpretação esta que contraria a redação expressa da Lei 9.430.

Ora, não há nenhum dispositivo na legislação tributária que proíba a utilização do crédito controlado na Parte B do Lalur para o pagamento das estimativas mensais de IRPJ e CSLL. Pelo contrário, está previsto na IN 213 (§ 15 do artigo 14) e na IN 1.520 (§ 14 do artigo 30) que tal crédito será utilizado para a compensação desses tributos em períodos posteriores.

Consequência lógica deste raciocínio é que as estimativas pagas com os créditos do exterior serão deduzidas do saldo a pagar no fim do ano-calendário, como prevê explicitamente o § 4º, IV, do artigo 2º, da Lei 9.430.

Conclusão
Não é fácil escrever sobre um tema tão complexo, nos limites desta coluna. Como apontamos logo no início, estamos diante de uma matéria que deveria ser mais bem disciplinada, tanto pelo legislador quanto pela Secretaria da Receita Federal. É estranho que, em uma área na qual a instrução normativa tem um papel tão relevante, sigamos enfrentando controvérsias que decorrem diretamente da sua interpretação, as quais deveriam, há muito, ter sido esclarecidas na redação da IN 213 e da IN 1.520.

Mini Curriculum

é professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Uerj, livre-docente em Direito Tributário pela USP, diretor vice-presidente da ABDF, advogado e parecerista.

Continue lendo