Carf reconhece liminar do Itaú e determina restituição de Cofins

Por Marcela Villar — De São Paulo

Uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permitiu ao Itaú Unibanco recuperar pagamento indevido de Cofins, levando em consideração liminar que suspende a exigibilidade do tributo. O acórdão é contra a tese da Receita Federal de que seria preciso aguardar o trânsito em julgado do processo – quando não cabem mais recursos – para reaver o valor.

É o primeiro entendimento favorável do tribunal administrativo em caso de pagamento a maior de tributo suspenso por decisão favorável, segundo advogados tributaristas. O julgamento da 2ª Turma Extraordinária da 3ª Seção foi unânime, acatando o voto da relatora, conselheira Gisela Pimenta Gadelha Dantas. A decisão permite à instituição financeira reaver R$ 1,4 milhão de Cofins.

O caso chegou ao Carf porque a fiscalização não entendeu como válido crédito tributário apresentado em uma compensação. O crédito é justamente do valor pago a mais de Cofins, em 2009, quando a empresa poderia ter desembolsado menos por força da decisão judicial que suspendeu a exigibilidade do imposto.

O banco alegou que não homologar a compensação tributária pleiteada e desconsiderar a decisão judicial que tornou parte da Cofins suspensa o prejudicaria duplamente. Isso porque, além de reduzir o crédito no encontro de contas, o obriga a pagar o tributo que deixou de ser exigível (processo nº 16327.903137/2019-93).

A decisão da primeira instância administrativa foi desfavorável ao Itaú. A Delegacia de Julgamento (DRJ) entendeu que deveria ser aplicado o artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN), que veda “a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.

Em seu voto, a conselheira afasta a incidência desse dispositivo. Para ela, “apesar de sutil, há uma relevante diferenciação a ser feita no presente caso”. “O recorrente obteve decisão judicial que suspendeu a exigibilidade do crédito tributário antes da ocorrência do fato gerador do débito que ora se analisa”, diz.

Ela chama atenção que o débito apurado foi de R$ 624,3 mil, dos quais R$ 119,7 mil estavam suspensos. Ou seja, deveria ter sido pago R$ 504 mil à Receita. Como o Itaú recolheu R$ 1,9 milhão, afirma ela, houve pagamento a maior, “de R$ 1.400.795,44”, valor este que deve ser devolvido.

Segundo a conselheira, o Fisco errou na análise e descumpriu a legislação tributária, “pois inclui como se devido fosse, valores que se encontravam, no momento da apuração, com a sua exigibilidade suspensa”. Ela afirma que o contribuinte não queria compensar o crédito por uma decisão provisória, mas reaver um tributo pago a mais por conta de uma liminar que afastava a cobrança do imposto.

Decisão obtida pelo Itaú é coerente e deve influenciar outros casos”
— Maria A. dos Santos
“Mantida a decisão recorrida, estar-se-ia negando vigência à decisão judicial que suspendeu a exigibilidade do crédito tributário, pois estaria a fiscalização exigindo o pagamento de tributo suspenso por decisão do Poder Judiciário”, conclui a relatora.

O tributarista Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados, diz que a decisão é benéfica, principalmente para mandados de segurança preventivos. “Tendo a decisão antes do vencimento do tributo, fica suspensa a exigibilidade do imposto. Então o contribuinte fica desobrigado de recolher”, afirma.

Segundo ele, o caso é diferente do que dispõe o artigo 170 do CTN. “Uma coisa é o contribuinte recolher e depois buscar em juízo a recuperação. Para recuperar esse tributo, o contribuinte precisa aguardar o trânsito em julgado. Outra coisa é ele ter uma decisão favorável antes do período de vencimento”, diz.

Mas a Receita não costuma fazer essa diferenciação, o que gera as autuações fiscais. “A Receita coloca tudo na mesma cesta”, afirma. “Esse acórdão serve para que o órgão compreenda a diferença entre situações de recolhimento no bojo de causa suspensiva e anterior à causa suspensiva. Uma vez esclarecido, ele tende a aceitar a devolução do tributo recolhido indevidamente.”

A tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia-fundadora do escritório Sanmahe Advogados, diz que o tema tem relação com outra controvérsia que os contribuintes discutiram muito no Carf, que é a extinção de estimativas fiscais por compensação – vedada desde 2018 pela Lei nº 13.670. Se fosse apurado a mais que a estimativa de lucro tributário no final do ano, diz, gerava um crédito e esse crédito poderia ser compensado, o que suspendia a exigibilidade da parcela de determinado tributo.

“Defendemos que se a compensação não fosse homologada, o contribuinte seria prejudicado duas vezes, porque teria de pagar a compensação indeferida e não iria poder usar o resultado na operação do ano”, afirma. “É o mesmo raciocínio, porque também é sobre suspensão de exigibilidade. E se o contribuinte não puder usá-la naquela competência, vai ser duplamente prejudicado”, completa.

Na visão dela, a decisão no processo do Itaú é coerente e deve influenciar outros casos, pois reconhece que tributo suspenso tem que ser considerado na apuração. “Em toda e qualquer discussão de tributo federal que houver suspensão de exigibilidade antes da ocorrência da materialização do fato gerador, esse precedente seria aplicável”, diz.

Se, eventualmente, a liminar favorável cair, o contribuinte deve pagar a dívida de maneira autônoma, explica a advogada. “Ele vai ter que pagar em 30 dias o valor do débito suspenso. Nesse período, pode pagar sem multa, só com Selic. Se pagar após os 30 dias, paga com multa e juros Selic, sob pena de ser cobrado judicialmente”, afirma.

Procurados pelo Valor, o Itaú Unibanco e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deram retorno.

Por Valor

30/09/2025 00:00:00

MP Editora

Continue lendo