STF forma maioria para livrar bancos de dívidas de IPVA
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para livrar os bancos do pagamento de dívidas de IPVA de veículos financiados por meio de alienação fiduciária. O julgamento foi retomado no Plenário Virtual, com ajuste no voto do relator, e está previsto para terminar na próxima sexta-feira.
Nessa modalidade, o financiador, que normalmente é um banco ou instituição financeira, tem a posse do bem financiado, já que o próprio bem é a garantia do empréstimo, mas o comprador tem seu usufruto. Se o comprador não quitar o que deve, o banco pode tomar o automóvel.
O caso levado ao Supremo, que envolve o Banco Pan, questiona a constitucionalidade da Lei nº 14.937, de 2003, do Estado de Minas Gerais (RE 1355870). A norma prevê que o credor fiduciante (a instituição financiadora) é contribuinte do IPVA. O comprador do automóvel é considerado apenas responsável solidário.
O processo começou a ser analisado em março e foi suspenso por pedido de vista de Cristiano Zanin. Na ocasião, o relator, Luiz Fux, tinha defendido que o credor (a instituição financeira) não é contribuinte de IPVA no contrato de alienação fiduciária. Porém, poderia ser considerado sujeito passivo da cobrança se houvesse previsão em lei estadual. Ele foi acompanhado por Cármen Lúcia.
Quando o julgamento foi retomado, em agosto, Zanin divergiu do relator em relação ao segundo ponto, destacando que o próprio Supremo já tinha declarado a inconstitucionalidade de lei estadual que instituísse responsabilidade de terceiros por infrações fiscais de forma diferente do que está estabelecido pelo Código Tributário Nacional (ADI 4845).
“Diante desse quadro, na minha compreensão, não há como validar lei estadual que atribua ao credor fiduciário a responsabilidade tributária subsidiária em virtude do simples inadimplemento do IPVA pelo devedor fiduciante”, afirmou o ministro em seu voto.
Zanin foi acompanhado por outros quatro ministros – Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e André Mendonça. Fux decidiu, então, pedir destaque, o que retiraria o processo do ambiente virtual e o faria recomeçar presencialmente. O pedido, porém, foi posteriormente cancelado e o caso voltou ao Plenário Virtual.
Na retomada do julgamento, na sexta-feira, o relator decidiu ajustar seu voto para concordar com os apontamentos de Zanin. Passou a “assentar a inconstitucionalidade do estabelecimento, pelo legislador estadual ou distrital, da responsabilidade tributária do credor fiduciário pelo IPVA incidente sobre o veículo objeto de alienação fiduciária, quando não tenha havido a consolidação da propriedade plena daquele sobre o citado bem”.
Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, que defende o Banco Pan, diz que, se confirmada, a decisão do Supremo vai evitar a responsabilização tributária de quem não tem nada a ver com a operação que gera o tributo. “Tende a ser uma decisão muito precisa do STF, que acaba com a insegurança criada por alguns Estados e poderia inviabilizar o próprio modelo de negócio do financiamento de veículos”, afirma.
A inclusão dos bancos como devedores do imposto teria um impacto significativo nos juros do financiamento. Segundo estudo encomendado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que é parte interessada no processo, o spread das operações poderia aumentar em até 17,7 pontos percentuais se as dívidas de IPVA fossem incorporadas ao cálculo de juros.
“Isto significa que a taxa de juros média sobre os financiamentos para a aquisição de veículos, que era de 27% ao ano em setembro de 2022, passaria para 44,7% ao ano”, diz o levantamento, conduzido por Bernard Appy e Bráulio de Lima Borges.
Ao ajustar seu voto, no entanto, Fux também simplificou a proposta de modulação dos efeitos, o que tornou as hipóteses de cobrança menos seguras, aponta Fabrício Parzanese dos Reis, sócio do Velloza Advogados. Na primeira versão, o ministro especificava as situações em que a cobrança não seria devida. Agora, apenas aponta que a decisão passa a valer a partir da publicação da ata de julgamento, exceto se houver ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão.
“Os Estados poderão prosseguir na cobrança de créditos que já estejam inscritos na dívida ativa, mas sem a execução ajuizada?”, questiona. “Isso está gerando dúvidas no mercado quanto ao alcance da modulação. O caminho mais seguro é judicializar a questão o quanto antes, para garantir que haja discussão judicial, sem deixar lacunas.”
Procurada pelo Valor, a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, que defende o Estado na ação, informou que se “pronunciará nos autos do processo”.