Contribuinte perde no STJ disputa sobre restituição de tributo

Por Luiza Calegari — De São Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a apresentação de consulta administrativa aos órgãos fiscais não suspende nem interrompe o prazo de prescrição a que tem direito o contribuinte que busca restituição de tributo ou compensação tributária. O entendimento, da 1ª Turma, derruba, na prática, tese apresentada para recuperar mais de cinco anos de recolhimentos indevidos.

É a primeira decisão do STJ sobre o assunto, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. O precedente, porém, afirmam, preocupa pelo fato de o contribuinte ter que arcar com as consequências da demora do próprio Estado em responder a um questionamento legítimo. Embora a Lei nº 11.457, de 2007, estabeleça o prazo máximo de 360 dias para a autoridade fiscal responder a consulta, acrescentam, não é raro esse limite ser descumprido – como no caso julgado pelo STJ.

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O caso analisado é de uma indústria de alimentos. Ela apresentou consulta formal à Receita Federal em 2014. Perguntou se o ICMS pago por substituição tributária (ICMS-ST) deveria ser incluído no cálculo do PIS e da Cofins. O órgão respondeu apenas em 2017 que o ICMS-ST não integrava a base das contribuições sociais – no fim de 2023, a questão foi definida por meio de recurso repetitivo (Tema 1125). “O que significava que, durante anos, a empresa pagou o imposto indevidamente”, conforme explica Leonardo da Fonte, do escritório Erick Macedo Advocacia, que defende o contribuinte.

Após a consulta, a Receita Federal e a empresa passaram a divergir em relação ao prazo de prescrição do indébito tributário. O órgão defendeu que o contribuinte teria o direito de recuperar apenas o que foi pago nos cinco anos anteriores à resposta dada na consulta, ou seja, entre 2012 e 2017. A indústria, porém, entendia que a consulta interrompeu o prazo e que poderia reaver o que foi recolhido desde 2009 – ou seja, por oito anos.

Enquanto a primeira instância deu razão à autoridade fiscal, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) acatou a tese do contribuinte. Os desembargadores entenderam que deveria ser aplicado ao caso o artigo 4º do Decreto nº 20.910, de 1932, que prevê a suspensão do prazo prescricional durante o reconhecimento de dívida pela administração.

No STJ, no entanto, os ministros deram razão à Fazenda Nacional, por unanimidade. Acompanhando o relator, Gurgel de Faria, o colegiado destacou que, conforme a Constituição Federal, a prescrição tributária é matéria de lei complementar (artigo 146, inciso III, alínea b). Em vez do Decreto nº 20.910, portanto, aplica-se o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966), que prevê que o direito de pedir restituição prescreve a partir da extinção do crédito tributário.

Segundo a 1ª Turma, o pedido de restituição do imposto pago indevidamente não estava condicionado à manifestação prévia da autoridade fiscal. “Em outras palavras, o decurso do prazo prescricional conta-se do pagamento indevido até a data do efetivo pleito de restituição. O procedimento de consulta é absolutamente desvinculado desse pedido”, afirma em seu voto o ministro Gurgel de Faria (REsp 2032281).

Para Leonardo da Fonte, a decisão do STJ atribuiu ao contribuinte o ônus da demora estatal, o que desestimula a procura pela via administrativa. “O ideal seria que o sistema tributário valorizasse comportamentos pautados pela transparência e pela prudência, evitando que a ineficiência administrativa se transforme em vantagem arrecadatória.”

Contribuintes, como alternativa, podem recorrrer ao protesto judicial”
— Carolina Rigon
O colegiado também negou o pedido do contribuinte para aplicar ao caso o entendimento de um recurso anterior, de 2017, em que a 2ª Turma aplicou a suspensão do prazo prescricional prevista no Decreto nº 20.910 (REsp 1646725). Para os ministros, a compensação no outro recurso era derivada de uma sentença judicial transitada em julgado e dependeria de uma prévia manifestação da Receita Federal, o que não ocorreu no caso atual.

“Esse entendimento não nos parece o mais adequado, tendo em vista a similitude fática entre os casos e, sobretudo, a vasta jurisprudência que acolhe e aplica reiteradamente o Decreto 20.910/1932 em matéria tributária”, afirma Leonardo da Fonte. O advogado acrescenta que a defesa está analisando a possibilidade de apresentar recurso.

A decisão do STJ também cita que o artigo 161, parágrafo 2º, do CTN afasta a incidência de juros de mora pelo crédito tributário não pago enquanto a consulta não tiver sido resolvida, mas que isso não equivale à suspensão do prazo da prescrição.

Segundo a tributarista Carolina Rigon, sócia do ALS Advogados, no entanto, o mesmo racional desse dispositivo deveria ser aplicado à hipótese em que o contribuinte está esperando a resposta do Fisco em termos de prescrição. “É contraditório reconhecer que o contribuinte não pode ser penalizado por aguardar manifestação da Receita Federal e determinar que ele precisa ajuizar ação para preservar o prazo para restituição”, diz.

Ela sugere que, como alternativa, os contribuintes recorram ao protesto judicial, já que, nos termos do artigo 174, parágrafo único, do CTN, esse tipo de procedimento tem o condão de suspender o prazo prescricional. “O contribuinte poderia fazer as duas coisas: apresentar a consulta e não ter que ajuizar ação.”

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o STJ seguiu “rigorosamente” as regras do sistema tributário nacional. “Não há previsão legal de suspensão da prescrição para a repetição do indébito na hipótese de formulação de consulta fiscal e tampouco uma razão que a justifique”, diz o órgão. “Durante a pendência da consulta fiscal, o contribuinte não fica impedido de solicitar a restituição do tributo pago a maior, administrativa ou judicialmente.”

Por Valor

29/09/2025 00:00:00

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