Fabricante vence na Justiça Federal disputa sobre classificação de produto e fica isento de PIS/Cofins

Por Marcela Villar — De São Paulo

Uma sentença da Justiça Federal de Minas Gerais permitiu que um produto similar ao leite condensado seja considerado “bebida láctea”, o que zera a alíquota de PIS e Cofins, normalmente de 9,25%. A decisão afasta cobrança relativa às contribuições sociais no valor de R$ 40 milhões para uma fabricante mineira, que enfrenta duas autuações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o tema. Se o entendimento da sentença prevalecer nos casos da esfera administrativa, a economia tributária total chegará a R$ 150 milhões.

A sentença, segundo especialistas, é um importante precedente para discussões sobre classificação fiscal. O tema atinge diversos setores, sobretudo o de laticínios e cosméticos, pelo fato de muitas mercadorias terem multifunções. Poucos casos foram levados ao Judiciário. A maioria ainda está no Carf, onde os conselheiros já definiram que água de colônia não é um perfume e que barra de cereal pode ser enquadrada como produto de confeitaria.

Recentemente, uma das discussões, na 1ª Turma Extraordinária da 3ª Seção, envolveu o enquadramento de drones. O contribuinte defendia ser “Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant)”, com base na regulação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Organização Mundial das Aduanas (OMA). Essa classificação o livraria do pagamento do Imposto de Importação e o faria pagar 10% de IPI.

A Receita Federal teve interpretações diferentes ao longo dos anos, ora entendendo ora como câmera fotográfica, ora helicóptero, ora brinquedo com motor elétrico. Na autuação analisada, classificou como câmera, exigindo 20% de Imposto de Importação e 20% de IPI.

Mas o Carf anulou o auto de infração, entendendo que seria um Veículo Aéreo Não Tripulado. Isso porque “a característica predominante dos drones é possibilitar o voo não tripulado, podendo capturar, ou não, imagens”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disse ao Valor, em nota, que não vai recorrer, pois não há divergência (processo nº 11065.720181/2018-93).

Com o tarifaço, muitas empresas estão se desafiando na classificação fiscal”
— Virgínia Pillekamp
Para a tributarista Virgínia Pillekamp, sócia do BMA Advogados, a decisão é inusitada. “O Carf adotou um entendimento bastante antigo de que seria um veículo aéreo não tripulado, o que opõe o que a OMA formalizou e o Brasil internalizou por meio de instrução normativa”, afirma ela, acrescentando que o órgão internacional também classifica drone como “câmera”, a depender do modelo.

No caso de Minas Gerais, apesar de na embalagem o produto ser denominado “mistura láctea”, a fabricante defende que deve ser classificada como bebida láctea para fins fiscais. Isso porque tem ao menos 51% de base láctea na composição, como prevê a Instrução Normativa nº 16/2005, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A denominação mistura láctea foi adotada por questões mercadológicas e regulatórias, segundo a empresa, e não deveria afetar a natureza jurídica.

Já Receita Federal entende ser mistura láctea, tributada pelo PIS e pela Cofins. Defende que a regulamentação atual sobre o assunto é o Decreto nº 9.013, de 2017. A norma prevê três tipos de derivados lácteos, sendo que qualquer produto que contenha ingredientes com a finalidade de substituir os constituintes do leite será classificado como mistura láctea. E que seria esse o caso dos autos.

Mas o juiz Felipe Bouzada Flores Viana, da Vara Federal de Ituiutaba (MG), não acatou a argumentação da Receita. Ele levou em conta o laudo pericial e análise feita por três peritos – um deles do próprio órgão. Todos concordaram que o produto deve ser classificado como bebida láctea (processo nº 1002462-81.2021.4.01.3824).

“O que diferencia a mistura láctea dos demais tipos de derivados lácteos é que nela ocorre a ‘substituição dos constituintes do leite’, tendo a União afirmado que a adição de amido, por ser um substituto dos constituintes do leite, implicaria a impossibilidade de se classificar o produto como bebida láctea”, diz o juiz, acrescentando que “não é esta, porém, a conclusão a que se chega pela análise da prova técnica produzida”.

Na visão dele, as provas dos autos indicam “que o produto ‘mistura láctea de leite e soro de leite’ pode ser considerado, legalmente, uma bebida láctea à cuja receita bruta de venda deve ser aplicada alíquota zero de PIS/Pasep e Cofins”.

Em nota, a PGFN afirma que já recorreu, pois a decisão “não considerou aspectos jurídicos e fáticos cruciais”, como a manifestação do Mapa. Segundo o órgão, o documento “atesta que o produto não atende aos requisitos para ser classificado como bebida láctea”.

“A própria empresa em questão comercializa o produto como ‘mistura láctea'”, diz o órgão. “Conceder a alíquota zero a esse ‘subproduto’ cria uma situação injusta e estimula o consumo de um item de menor qualidade, enquanto o leite condensado, considerado um produto mais nobre, continua sendo tributado normalmente”, adiciona.

A empresa mineira responde ainda a dois processos no Carf referente aos anos de 2015 a 2019. Para os anos seguintes, a partir de 2021, preferiu discutir pela via judicial e depositar em juízo os valores cobrados – mensalmente, cerca de R$ 1 milhão. “Fizemos o depósito para trazer segurança para a empresa, para ela não ser autuada com multa de 75% e juros, que é padrão da Receita Federal”, afirma o advogado da companhia, Maxwell Ladir, sócio do Ladir Franco Ribeiro Advogados.

Segundo ele, o contribuinte criou esse produto similar ao leite condensado em 2015 por conta do crescimento lento no consumo de lácteos devido ao alto custo. “Dentro do que é permitido pela vigilância sanitária e pelo Mapa, as empresas passaram a desenvolver novos produtos”, diz. “É um substitutivo ao leite condensado, que é só leite e açúcar. Mas, nesse caso, tinham outros ingredientes que são permitidos por lei. Foi o que defendemos e o perito concordou.”

Ladir afirma que a mistura láctea é hoje o carro-chefe de vendas da fabricante de laticínios, que quintuplicou o faturamento nos últimos 10 anos. E que a sentença reforça que a análise da natureza jurídica de um produto lácteo se dá por ingredientes e características sensoriais, e não pela aparência.

Virgínia Pillekamp, do BMA, diz que as classificações fiscais fazem parte do planejamento tributário das empresas. “É possível fazer um exercício interpretativo, mas existe uma base técnica para descrever cada produto. Com o tarifaço [tarifas dos Estados Unidos impostas ao Brasil], por exemplo, muitas empresas estão se desafiando na classificação fiscal para, de alguma forma, cair na lista de exceção”, afirma.

É preciso, no entanto, respeitar os limites estabelecidos pelos órgãos reguladores. “O Mapa, assim como a Anac e a Anvisa vão prever a caracterização do produto, que é a base para a classificação fiscal. A Receita sempre diz que é competente, mas tem que caracterizar o produto com base no órgão regulador, se não, a premissa sai errada.”

Por Valor

26/09/2025 00:00:00

MP Editora

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