União tenta no STF validar inclusão de tributos no cálculo do PIS/Cofins

Por Luiza Calegari — De São Paulo

O governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), adotou uma estratégia jurídica que surpreendeu os contribuintes: protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar validar a inclusão de tributo na base de cálculo de outro tributo. A medida, se aceita, resolveria, de uma tacada só, três teses sobre PIS e Cofins. Em ao menos duas delas, há chance de vitória para as empresas, segundo tributaristas ouvidos pelo Valor.

Em Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 98), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representado pela AGU, pede que o Supremo reconheça que o conceito de receita ou faturamento das empresas, para fins de cálculo da incidência do PIS e Cofins, deve incluir despesas tributárias.

A petição inicial, distribuída para relatoria da ministra Cármen Lúcia, cita especialmente três temas que já tiveram a repercussão geral reconhecida pelo STF: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e Cofins (Tema 118), a inclusão do crédito presumido de ICMS decorrente de incentivos fiscais (Tema 843) e a inclusão do PIS e Cofins nas próprias bases (Tema 1067).

Nos dois primeiros temas, os contribuintes têm expectativas altas de obter entendimentos favoráveis. No Tema 118, com impacto estimado de R$ 35,4 bilhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, o placar está em quatro votos a dois contra a União – se considerados os votos dados anteriormente no Plenário Virtual, já há maioria para as empresas.

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Três dos votos pró-contribuintes são de ministros aposentados: Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Assim, não votam Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

No Tema 843, sobre o crédito presumido de ICMS, o impacto esperado é de R$ 16,5 bilhões. O julgamento foi iniciado no Plenário Virtual do STF em março de 2021, e houve maioria a favor dos contribuintes. Porém, antes do encerramento da sessão, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, o que transfere o caso para sessão presencial e zera o placar. Ainda não há previsão de julgamento.

O maior impacto é o do Tema 1067, de R$ 65,7 bilhões. Trata da exclusão do PIS e da Cofins duas suas próprias bases de cálculo. Esse também seria o caso de maior incerteza, pois ainda não houve discussão no processo, que teve a repercussão geral reconhecida em 2019.

Na ADC 98, o presidente justifica a necessidade de análise da questão com base no argumento de que a Corte não estabeleceu, no julgamento da tese do século (Tema 69), a inconstitucionalidade da incidência de um tributo sobre outro, só analisando as peculiaridades de reconhecimento do ICMS.

O que a ação pede é que seja afirmada a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002, do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003 e do artigo 2º da Lei nº 9.718/1998, que determinam que o PIS e a Cofins incidem sobre o total das receitas mensais das empresas, tanto no regime cumulativo quanto no não cumulativo. Em nota ao Valor, a AGU afirma que o julgamento vai “pacificar o ambiente de negócios” a partir de uma manifestação definitiva do STF, que poria “fim às discussões sobre o tema”.

A petição da AGU ressalta que a nova ação não abrange a discussão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, destacando que, em 2023, a decisão do Supremo sobre o assunto foi incorporada à legislação por meio da Lei nº 14.592.

De acordo com tributaristas, a interposição da ADC é uma tentativa de passar por cima da jurisprudência que vinha se formando a favor do contribuinte. Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, diz que o governo manobra para driblar o quórum julgador. “Além de ser um desrespeito para com o Supremo, é um ato que propala insegurança jurídica. Já passa de hora de se respeitar os precedentes judiciais”, afirma o advogado.

Ele lembra que a mesma estratégia já foi usada pela AGU quando foi discutida a “tese do século”, com a proposição da ADC 18. Na ocasião, como o Supremo priorizava ações de controle de constitucionalidade (como as ADCs) sobre outros tipos de processos, a tramitação da ADC travou o julgamento dos recursos originais por cerca de oito anos.

O tributarista Marcus Lívio, sócio do Salomão Advogados, afirma que o governo está tentando trazer a discussão para o campo da constitucionalidade para que ministros diferentes possam se manifestar. “Não se trata de discutir a tese em si, é uma estratégia para tirar a discussão do âmbito do repetitivo para analisar a legislação pelo ângulo constitucional. Tira da repercussão geral para levar para uma discussão em abstrato”, afirma.

Mas mesmo que essa seja a intenção, o Supremo não deveria sequer conhecer o pedido, segundo Marco Behrndt, sócio tributarista do Machado Meyer. O especialista afirma que os dispositivos apontados pela AGU como fonte da controvérsia sobre o conceito de faturamento, na verdade, remetem ao conceito que está na Constituição, no artigo 195, inciso I, alínea “b”, que afirma que as contribuições sociais devidas pelas empresas incidem sobre a receita ou o faturamento.

“Quando julgou o Tema 69 [tese do século], o Supremo já disse que estava definindo o conceito de receita e faturamento ‘à luz da Constituição’. O conceito não está nas leis apontadas, está na própria Constituição. Como a análise constitucional já foi feita, a meu ver, não caberia essa análise proposta”, diz.

Parte da argumentação do governo é consequencialista, e, por isso, não deve prosperar, afirma Rafael Nichele, do escritório Rafael Nichele Advogados Associados. De acordo com o tributarista, o impacto orçamentário não pode se sobrepor ao argumento jurídico.

“Esse tipo de argumentação já foi usado no julgamento do Tema 69, que foi batizado de tese do século até com base no impacto bilionário para os cofres da Fazenda. E esse argumento está sendo trazido para tentar reabrir o que o STF já decidiu sobre o conceito de receita”, diz.

A AGU, por sua vez, na nota ao Valor, argumenta que os recursos partem da mesma lógica, e que “submeter tema de tamanha relevância para o tribunal, a fim de que possa decidir de forma conjunta e uniforme, é postura legítima, que respeita as regras vigentes, a dinâmica de julgamentos da Corte e o sistema de precedentes judiciais”.

Também por nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que defende a União nos recursos extraordinários questionados, afirma que o assunto está sendo conduzido pela AGU.

Por Valor Econômico

23/09/2025 00:00:00

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