Supremo julga validade de lei que autoriza divulgação de nome de devedor contumaz
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no Plenário Virtual, a validade de norma gaúcha que autoriza a divulgação de nomes de devedores contumazes de ICMS. A Lei nº 13.711, de 2011, instituiu o Regime Especial de Fiscalização (REF), que prevê a publicação de nomes de inadimplentes na página da Secretaria da Fazenda do Estado e de informações sobre a condição de devedor nas notas fiscais emitidas pelas empresas.
Por enquanto, apenas o relator, ministro Nunes Marques, e o ministro Alexandre de Moraes votaram, pela validade da norma. Os demais ministros têm até sexta-feira para votar ou suspender o julgamento. O tema foi levada ao Supremo por meio de ação (ADI 4854) proposta pelo Partido Social Liberal (PSL).
No pedido, o partido alega que o Regime Especial de Fiscalização para contribuintes considerados devedores contumazes, instituído pela Lei nº 13.711, de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 48.494, de 2011, viola os princípios constitucionais da liberdade de trabalho e comércio.
Há, segundo o PSL, medidas que implicam exposição pública negativa do nome da empresa no mercado, como a divulgação da lista dos contribuintes submetidos ao REF no portal da Secretaria da Fazenda do Estado, no Diário Oficial e a inclusão deles em cadastro de restrição de crédito.
Existem ainda restrições operacionais e financeiras, como a perda de regimes especiais de pagamento do ICMS, a exigência de pagamento do imposto no momento da ocorrência do fato gerador, a suspensão do diferimento do imposto e a exigência de informações econômicas periódicas. As medidas, segundo o PSL, seriam desproporcionais.
A norma estabelece ainda que as notas fiscais emitidas contenham a frase “contribuinte submetido a REF (Regime Especial de Fiscalização) com vencimento do ICMS no fato gerador”. Além disso, só permite crédito fiscal mediante comprovante de arrecadação.
Ainda segundo a ação, o Estado do Rio Grande do Sul tem realizado o envio de mensagens eletrônicas e feito ligações telefônicas para fornecedores e clientes das empresas informando sobre a situação de inadimplência.
Na ação, o Estado alegou que os contribuintes incluídos no REF representam 0,5% dos contribuintes devedores, o que evidencia a excepcionalidade da medida, reservada aos casos graves e crônicos de inadimplência, quando todas as formas ordinárias e amigáveis de regularização já foram tentadas sem sucesso.
O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) foi admitido como parte interessada (amicus curiae), assim como os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul, Piauí, Pernambuco, Mato Grosso, Rondônia, Sergipe, Maranhão, Pará, Amazonas e Minas Gerais.
Em seu voto, o ministro Nunes Marques se manifestou pela validade da lei. “Se por um lado o excesso de exação pode inviabilizar ou dificultar a atividade econômica, por outro a inadimplência contumaz desequilibra artificial e ilicitamente as condições de livre concorrência, porquanto a tributação constitui custo de qualquer negócio”, afirma o relator.
Regime especial deve ser precedido de um processo administrativo”
— Patricia Fudo
Ainda de acordo com o relator, segundo a jurisprudência do Supremo, não constitui sanção política a submissão de contribuinte a regime fiscal diferenciado em virtude de inadimplemento reiterado. Além disso, para Nunes Marques, não se constatam as hipóteses de cobrança de tributos por meios indiretos e coercitivos, vedadas pelo STF em súmulas (nº 70, nº 323 e nº 547), como a interdição de estabelecimentos, apreensão de mercadorias e proibição do exercício da atividade profissional.
“Não há qualquer argumento do requerente que demonstre serem desarrazoados os parâmetros estabelecidos no REF; tampouco é possível inferir, em abstrato, interferência direta no exercício de atividade profissional”, diz o relator.
Outros Estados, segundo Patricia Fudo, tributarista e sócia do Maluf Geraigire Advogados, a exemplo do Rio Grande do Sul, têm efetuado esforços nesse sentido. Atualmente é comum, especialmente em São Paulo, acrescenta, que empresas que deixam de fazer o pagamento do ICMS recebam ligações de auditores fiscais. “São casos em que o contribuinte consegue negociar termos de ajuste de conduta, sob pena de imposição de um regime especial que pode comprometer as suas atividades.”
O julgamento no Supremo, afirma a advogada, “é temerário”. O regime especial pode ser imposto, de acordo com ela, mas deve sempre ser precedido de um processo administrativo com comprovação de dolo e possibilidade de pagamento pelo contribuinte. “Para que a norma não jogue uma pá de cal sobre o empresário que, eventualmente, já está fragilizado e não consegue fazer os pagamentos.”
Renan Dutra Urban, advogado tributarista do Benites Bettim Advogados, também destaca que outros Estados têm iniciativas semelhantes, refletindo uma tendência nacional de criar mecanismos específicos para lidar com o chamado devedor contumaz. “Cada lei adota critérios objetivos de enquadramento e sanções administrativas distintas, mas todas visam limitar a atuação de devedores contumazes”, afirma ele, citando leis similares em vigor no Espírito Santo e em Santa Catarina, e propostas avançadas no Rio de Janeiro.
No Espírito Santo, a Lei n 12.124, de 2024, define critérios para a caracterização de devedor contumaz e prevê medidas como a exigência de pagamento do imposto no momento da operação e a transferência da responsabilidade de recolhimento para o fornecedor ou cliente.
Em âmbito nacional, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) 164, de 2022. O texto busca criar uma norma geral para uniformizar critérios e procedimentos em todo o país, evitando distorções entre as unidades federativas.
“Para os contribuintes, as consequências de normas desse tipo costumam ser severas e de grande impacto. O principal efeito comercial é o isolamento no mercado”, afirma Urban. Ainda segundo o advogado, ao exigir que a nota fiscal destaque que o crédito de ICMS do comprador só será válido mediante comprovação de pagamento do imposto, “cria-se um desestímulo para que outras empresas comprem do contribuinte enquadrado, transferindo riscos e burocracia para o cliente”.