Súmula Carf nº 203: restrição da compensação na denúncia espontânea
Por Ariani Teixeira, Melissa Takai Thomé
15/08/2025 12:00 am
A denúncia espontânea, prevista no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), é um importante mecanismo de regularização fiscal, permitindo ao contribuinte confessar uma infração e quitar o débito antes da ação fiscalizatória, afastando a multa de mora. Entretanto, com a edição da nova Súmula nº 203 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), foi definido um entrave significativo ao estabelecer que a compensação não equivale a pagamento para fins de aplicação desse benefício.
A medida teve repercussão prática imediata, especialmente para contribuintes que buscam utilizar créditos tributários acumulados para quitar seus débitos. Se antes havia espaço para discussão sobre a viabilidade da compensação nesse contexto, a súmula consolida um entendimento mais restritivo, alinhado à leitura literal do artigo 138 do CTN.
A justificativa adotada pelo Carf baseia-se no argumento de que a compensação não implica quitação imediata, pois depende de ulterior homologação pelo Fisco, diferentemente do pagamento em espécie, que extingue a obrigação de forma instantânea.
Debate no contencioso tributário
A recente formalização dessa tese reacendeu um debate antigo no contencioso tributário: seria a compensação uma forma válida de pagamento para fins de denúncia espontânea? O tema, que já dividia opiniões entre Fisco, contribuintes e tribunais, ganha contornos ainda mais relevantes diante do posicionamento consolidado pelo Carf.
Ao afastar a compensação desse contexto, a Súmula não apenas reforça a interpretação literal do artigo 138, mas também impõe novos desafios para contribuintes que buscam regularizar seus débitos sem a necessidade de desembolso imediato.
Nesse sentido, o artigo 138 do CTN estabelece que a responsabilidade pelo pagamento da multa de mora será afastada quando houver denúncia espontânea da infração, desde que acompanhada do “pagamento” integral do tributo devido e dos respectivos juros de mora. A controvérsia, porém, reside na definição do termo “pagamento”: ele deve ser interpretado estritamente como quitação em espécie, como sustenta o Carf, ou pode abranger outras formas de adimplemento da obrigação tributária, como a compensação?
O Carf, com base em uma leitura literal do dispositivo, sustenta que a norma exige quitação em dinheiro. Por outro lado, contribuintes e parte da doutrina defendem uma interpretação mais ampla, na qual o termo “pagamento” deve abarcar qualquer forma de adimplemento da obrigação tributária, incluindo a compensação.
Extinção do crédito tributário
Essa restrição imposta pela Súmula nº 203 levanta questões que vão além do tecnicismo interpretativo. Se o próprio CTN, em dispositivos como os artigos 156, inciso II, e 170, reconhece a compensação como meio válido de extinção do crédito tributário, por que esse mesmo mecanismo não poderia ser aceito para fins de denúncia espontânea?
O argumento central do CARF está no fato de que a compensação exige homologação pelo Fisco, o que afastaria sua equivalência ao pagamento imediato exigido pelo artigo 138 do CTN.
No entanto, essa exigência de homologação não é automática: se a Receita Federal não se manifestar no prazo de cinco anos, a compensação se torna definitiva. Em outras palavras, a incerteza da homologação justificaria impedir os contribuintes de usufruírem da denúncia espontânea?
Compensação é forma de adimplemento da obrigação tributária
Entretanto, ainda que existam dúvidas relevantes sobre a temática, no âmbito judicial o STJ já se posicionou favoravelmente à tese dos contribuintes durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.122.131/SC, no qual ministro Napoleão Nunes Maia Filho destacou que a compensação é uma forma de adimplemento da obrigação tributária, uma vez que contribuintes e Fisco são credores e devedores recíprocos.
A decisão indica uma visão mais pragmática e alinhada ao objetivo maior do instituto da denúncia espontânea: incentivar a regularização fiscal e garantir a arrecadação tributária. Afinal, se o crédito tributário devido é quitado, seja via dinheiro ou compensação, qual seria a justificativa para impor uma penalidade ao contribuinte que busca regularizar sua situação?
A posição adotada pelo Carf, contudo, segue uma tendência restritiva que tem sido predominante na esfera administrativa. Jurimetrias recentes indicam que a maior parte das decisões do Conselho sobre a matéria são contrárias aos contribuintes, reforçando a visão de que a compensação e o pagamento são institutos distintos para fins de denúncia espontânea.
Esse cenário cria um obstáculo prático para empresas que possuem créditos acumulados, mas que enfrentam dificuldades de caixa para quitar débitos em espécie, fazendo com que o princípio da isonomia tributária entre em xeque.
Ou seja, não há justificativa para que o contribuinte que tem liquidez possa se beneficiar da denúncia espontânea, mas aquele que depende de créditos legítimos para pagar tributos não receba o mesmo amparo e ainda seja penalizado com a multa de mora.
Exclusão da compensação
O ponto que permanece em aberto é se a exclusão da compensação realmente se justifica dentro do ordenamento tributário ou se se trata de mais uma barreira burocrática que dificulta a conformidade fiscal. A interpretação literal do artigo 138 do CTN sustenta uma rigidez que pode não estar alinhada com a realidade econômica dos contribuintes e com a própria lógica de extinção do crédito tributário.
No fim, o embate não é apenas jurídico, mas também pragmático: qual é o verdadeiro objetivo da denúncia espontânea e qual deve ser o limite de sua aplicação? Se a intenção do legislador foi estimular o cumprimento voluntário das obrigações fiscais, talvez a Súmula nº 203 esteja indo na contramão desse propósito.
Resta saber se o Judiciário seguirá admitindo a compensação como forma de pagamento e se, eventualmente, esse entendimento poderá ser revisitado pelo próprio Carf. Até lá, contribuintes continuarão enfrentando um cenário de incerteza e um sistema tributário que, muitas vezes, parece punir mais aqueles que tentam se regularizar do que aqueles que permanecem inadimplentes.
Mini Curriculum
Ariani Teixeira
é advogada na área Tributária Contenciosa Administrativa do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Melissa Takai Thomé
é advogada na área Tributária Contenciosa Administrativa do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
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