PGFN detalha programa de regularização tributária de hospitais
Por Beatriz Olivon e Guilherme Pimenta, Valor — Brasília
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) detalhou como funcionará o programa “Agora tem Especialistas” e garantiu que há segurança jurídica quanto ao seu impacto no orçamento federal, sem ultrapassar o teto de gastos. Criado para reduzir o tempo de espera no Sistema Único de Saúde (SUS) e, ao mesmo tempo, incentivar a regularização tributária de hospitais privados e filantrópicos, o programa prevê uma despesa financeira da União de até R$ 2 bilhões no ano de 2026.
Este crédito bilionário constará no orçamento financeiro da União para permitir a realização de acordos com a Fazenda Nacional para a quitação de débitos tributários dos hospitais com desconto — a chamada transação tributária. Em troca, eles realizarão exames e consultas SUS.
Ontem, a procuradora-geral da Fazenda Nacional Anelize Lenzi Ruas de Almeida, explicou que a escolha dessa despesa por meio da transação tributária, ou seja, pela via financeira, ocorreu justamente para dar segurança jurídica ao instrumento. Caso o governo desembolsasse o recurso de forma primária, haveria risco de os hospitais não usarem o valor para quitar os débitos tributários. “O crédito será usado, mês a mês. e R$ 2 bilhões por ano é crédito financeiro suficiente”.
Para 2025 não haverá perda de receita com o programa. Já para 2026, segundo a procuradora, ele será incluído no orçamento e compensado nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Anelize também reforçou que não haverá uma renúncia de receita porque esses tributos devidos não estão, hoje, computados nos ativos a receber da União. A Fazenda estima que essas entidades têm R$ 34 bilhões em dívidas ativas. O valor pode ser um pouco maior, diz ela, se consideradas dívidas em contencioso judicial.
O programa cria uma transação tributária específica para o “Agora tem Especialistas”, com condições mais favoráveis. Por isso, hospitais que já estão negociando com a PGFN poderão migrar para esse novo formato.
O valor de desconto não recairá sobre o principal devido e a Fazenda considerará o grau de recuperabilidade da dívida, no limite de até 100% dos juros, multas e encargo legal, limitados e 70% do crédito e parcelamento em 145 meses.
A adesão no “Agora tem Especialistas” será mais ágil em relação à negociação individual de contribuintes com a Fazenda. Isso porque a transação será por adesão no portal Regularize da PGFN, a partir de informações cadastradas.
São duas hipóteses: uma para o contribuinte sem débitos inscritos na dívida ativa, que vai usar o crédito para o tributo corrente a partir do ano de 2026; e outra para quem tem débito e começa com a regularização por meio da transação tributária e depois passa a gerar crédito.
O Ministério da Saúde vai dar um certificado relativo aos créditos financeiros para a empresa usar a partir de janeiro de 2026 nos tributos correntes.
Segundo a procuradora-geral, o ideal é que toda a rede privada do país integre o programa. “Nem todo hospital tem regularidade fiscal e é aí que a gente entra, oferecendo um novo programa para estimular essa regularidade”, afirmou a procuradora, citando a possibilidade de negociação com a Fazenda.
“As dívidas são altas, as parcelas são altas, tem que bombar no programa ‘Agora Tem Especialistas’ para pagar dívida. E esse é o espírito do negócio. Tem que fazer muitos exames para vir aqui”, afirmou Anelize. Segundo ela, a opção pela transação tributária ao invés de investir no SUS é para se aproveitar de uma rede que já existe, máquinas de exames e operadores, e levar a população ao especialista.
Para Christiane Valese, sócia do Donelli, Nicolai e Zenid Advogados, sob a ótica tributária, o programa “Agora tem Especialistas” representa uma medida potencialmente vantajosa para hospitais privados e filantrópicos com passivos relevantes. Mas, segundo Christiane, é preciso cautela quanto à limitação legal à compensação desses créditos, pela ausência de regulamentação específica e clara por parte da Receita Federal e da PGFN.
De acordo com a advogada, esse vácuo normativo pode gerar insegurança jurídica e riscos de autuação, caso a interpretação fiscal futura venha a divergir.
Segundo Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, apesar da “criatividade normativa”, o formato suscita dúvidas sobre sua legalidade. O advogado explica que o Código Tributário Nacional (CTN) lista de forma taxativa as modalidades de extinção do crédito tributário, entre as quais não se encontra, ao menos expressamente, a compensação com créditos de natureza pública vinculados à prestação de serviços.
“O modelo desenhado na portaria se aproxima mais de uma forma híbrida entre compensação e dação em pagamento, figura apenas admitida, tradicionalmente, com bens imóveis”, afirma Soares.
Para o advogado, seria necessário haver norma autorizando a substituição do pagamento em moeda por esse tipo de crédito setorial, o que a Medida Provisória nº 1.301, de 2025, não faz de maneira absolutamente clara. Segundo Soares, seria necessário o encaminhamento de projeto de lei que conferisse segurança ao modelo, evitando futuras controvérsias judiciais.