O STF, o FEEF e a desordem tributária
Por Terceiro Neto Parente Miranda e Francisco Secaf Alves Silveira
O Supremo Tribunal Federal, no dia 17 de outubro, finalizou o julgamento da ADI 5635, em que se discutia a constitucionalidade da Lei nº 7.428/2016 do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF). O fundo foi criado com a finalidade de manter o equilíbrio das finanças públicas, devendo os recursos serem destinados, prioritariamente, para o pagamento de remunerações e vantagens de servidores ativos, aposentados e pensionistas do Estado.
O FEEF, entre outras receitas, é composto pelo depósito, pelos contribuintes, de 10% do montante de benefícios fiscais de ICMS concedidos pelo Estado. A lei ainda prevê que falta desse depósito da contribuição para o fundo implica a perda dos benefícios fiscais concedidos pelo Estado.
A sua criação causou surpresa na comunidade jurídica, porque, dentre outros fatores, descumpria o artigo 167, IV, da Constituição Federal, que proíbe a vinculação de receita de imposto a fundo, órgão ou programa (princípio da não afetação).
Em diversas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal já havia considerado ilegítimo condicionar a manutenção do benefício fiscal a gasto específico, justamente por caracterizar, de forma indireta, vinculação de valores devidos a título de imposto.
Foi com base nessas razões que o STF, em 13 de março de.2003, concedeu uma medida cautelar para suspender os efeitos da Lei nº 7.874/2002 do Mato Grosso, a qual determinava que 5% dos benefícios fiscais de ICMS outorgados às usinas produtoras de álcool deveriam ser recolhidos para o Fundo de Desenvolvimento Industrial do Estado do Mato Grosso (ADI 2823).
Alguns anos depois, em 20 de setembro de 2006, a Suprema Corte invalidou a Lei Complementar nº 26/97 do Distrito Federal, que atrelou a concessão de benefício fiscal de ISS, IPTU e IPVA ao recolhimento ao Programa de Incentivo às Atividades Esportivas (ADI 1750).
Também em 2006, novamente em razão da violação do princípio da não afetação, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da Lei nº 13.670/2002 do Paraná, que estabelecia uma fração do benefício fiscal de ICMS concedido às indústrias de confecção, fiação e tecelagem deveria ser recolhido para apoiar os produtores e pesquisas do algodão (ADI 2722).
Em 18 de dezembro de 2019, o tribunal declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 4.546/2005 do próprio Estado Rio de Janeiro, que exigia a contribuição para o Fundo de Aplicações Econômicas e Sociais do Estado (FAES), em contrapartida à concessão de créditos de ICMS, mais uma vez por caracterizar indevida vinculação de receita de imposto (ADI 3550).
Mais recentemente, em 8 de maio, reafirmando a jurisprudência consolidada da Corte, foi reconhecida a inconstitucionalidade da Lei nº 10.325/2019 do município de Goiânia, por condicionar a manutenção do benefício fiscal de ISS ao recolhimento para Programa Goiânia Tecnologia (Agravo Regimental no ARE 1326785).
Nesse contexto, ao apreciar a ADI 5635, esperava-se que o STF aplicasse o seu entendimento, para reconhecer a inconstitucionalidade do FEEF, que foi constituído a partir de recolhimentos, por parte dos contribuintes, de um percentual de benefício fiscal de ICMS.
No entanto, o STF, por sete votos a três, considerou constitucional o FEEF, rompendo com o posicionamento adotado ao longo de décadas. O voto vencedor, do ministro Relator Luís Roberto Barroso, sustentou que o fundo fluminense seria atípico, sem destinar recursos a um programa específico, não se aplicando para essa situação a vedação do artigo 167, IV, da Constituição Federal.
Trata-se de um precedente perigoso, pois, a rigor, relativizou-se a aplicação do princípio da não afetação para o que chamou de “fundos atípicos”, apesar de a norma constitucional simplesmente proibir a vinculação de receita de imposto a fundo, sem trazer qualquer ressalva nesse sentido.
O julgamento terá uma grande repercussão no país, considerando que diversos outros Estados também instituíram seus respectivos fundos de equilíbrio fiscal vinculados a benefícios de ICMS. Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, os aludidos fundos, inclusive, já foram declarados inconstitucionais pelos correspondentes Tribunais de Justiça.
Além disso, a repentina ruptura de entendimento no STF contribui para a sensação de insegurança jurídica e promove complexidade para o sistema tributário brasileiro.
O STF tem a missão de, em última instância, definir o sentido que devem ter as normas constitucionais que estruturam o sistema tributário nacional. Se a Corte não segue seu próprio entendimento e não resguarda aqueles que o seguiram dos efeitos da sua mudança de direção, instaura-se um estado de desnorteamento e instabilidade na comunidade social.
A incerteza em relação aos limites e ao conteúdo normativo da Constituição – gerada com a oscilação de jurisprudência e consequente inconstância interpretativa – conduz ao desconhecimento do próprio Direito, afetando a previsibilidade das consequências tributárias.
Se o STF passar a adotar orientações efêmeras, sem fixar parâmetros duradouros e confiáveis, aumentará o grau de desinformação da sociedade em relação ao sistema jurídico e promoverá mais desordem na já confusa ordem tributária, colaborando para a sensação de caos fiscal no país.
Terceiro Neto Parente Miranda e Francisco Secaf Alves Silveira são sócios do Rivitti e Dias Advogados