Redução do contencioso tributário: PL 754/2023 do estado de SP
Isabela Bizzarro Pereira da Silva, Camila Campos Vergueiro
A inclusão dos artigos 20-B a 20-E pela Lei nº 13.606/18 na Lei nº 10.522/02 deu à PGFN a possibilidade de anotar a indisponibilidade dos bens do devedor nos órgãos de registros competentes. Isso gerou uma espécie de desconforto do contribuinte perante a Fazenda por não poder se antecipar para oferecer garantia também no âmbito administrativo.
A Portaria PGFN 33/2018, então, foi editada para “tapar o buraco da desigualdade” criado pelos artigos mencionados, trazendo ao contribuinte a possibilidade de garantir a execução fiscal antes de seu ajuizamento e sem a necessidade de propositura da nominada “medida cautelar antecipada de garantia”, promovendo, com isso, sem dúvida nenhuma, uma redução na litigiosidade e criando um ambiente cooperativo entre fisco e contribuinte.
Passados cinco anos, o estado de São Paulo, seguindo os passos da União, apresenta o projeto de Lei nº 754/2023 para permitir que o contribuinte com débito inscrito ou passível de inscrição em dívida ativa antecipe a oferta de garantia em ambiente administrativo.
Atualmente, no estado de São Paulo, a única forma de apresentação de garantia pelo contribuinte paulista é por meio de provocação judicial, providência essa reputada legítima pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento pelo procedimento repetitivo que firmou a seguinte tese no Tema 237:
“É possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa” [1].
O Projeto de Lei nº 754/2023 deve ser tomado como uma boa estratégia para reduzir o contencioso judicial mediante a adoção de mecanismos que estimulem a cooperação entre o ente tributante e os contribuintes, de modo a resolver suas divergências de forma administrativa e sem a interferência do Judiciário, especialmente numa hipótese em que o interesse, tanto do fisco estadual como do contribuinte, é resguardado.
Isso porque, pensando pela ótica do contribuinte, se o bem ou direito ofertado for suficiente para garantir a integralidade do débito, tem-se a possibilidade de (1) emissão de certidão de regularidade fiscal [2] e (2) escolha do bem ou direito a ser oferecido, podendo esse, inclusive, já estar penhorado [3] em execução fiscal ajuizada pela procuradoria do estado de São Paulo, evitando, assim, a surpresa da constrição.
Da perspectiva do estado, a oferta antecipada de garantia pelo sujeito passivo evita que a arrecadação se veja prejudicada por situações prolongadas de inadimplência, bem como reduz a dificuldade de recuperação dos créditos tributários, ao que se soma o fato de haver uma redução do custo de cobrança, tendo em vista que não se verá o estado obrigado ao dispêndio de quantia para localizar o devedor ou os seus bens.
O oferecimento da garantia administrativamente certamente não afastará o dever de acesso ao Judiciário para promover a cobrança da dívida por parte do estado de São Paulo [4].
A realidade é que essa iniciativa deixa muito clara a intenção do estado de São Paulo de desencorajar o ajuizamento de demandas desnecessárias, cuja questão deve e pode ser conduzida em ambiente administrativo, impactando positivamente nas chances da efetividade da prestação jurisdicional executiva.
Não se pode deixar de ressaltar que a oferta antecipada de garantia inaugura, no estado de São Paulo, um ambiente de cooperação que pode, inclusive, fomentar e auxiliar nas negociações de transações tributárias, as quais não decolaram localmente ante a baixa adesão dos contribuintes.
Conclui-se, assim, que o Projeto de Lei nº 754/2023, se aprovado, acarretará avanço significativo na concretização dos novos instrumentos de solução de conflito entre fisco e contribuinte almejados pela legislação processual civil de 2015, especialmente a desjudicialização [5].
[1] A tese foi firmada no julgamento do recurso especial 1.123.669, sob a relatoria do ministro Luis Fux, em sessão de julgamento de 09/12/2009.
[2] Artigo 7º, caput, do PL 254/2023.
[3] Artigo 3º, §3º, do PL 254/2023.
[4] Artigo 7º – A aceitação da garantia nos termos do PGA não suspenderá a exigibilidade dos créditos inscritos em dívida ativa, mas viabilizará a emissão da certidão de regularidade fiscal, desde que em valor suficiente para a garantia integral dos débitos, acrescidos de juros, multas e demais encargos exigidos no ato da propositura da ação de execução fiscal. Parágrafo único – Aceita a oferta antecipada de garantia, a Procuradoria do Estado promoverá o ajuizamento da execução fiscal correspondente, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data da aceitação, indicando à penhora o bem ou direito ofertado pelo devedor.
[5] Caso o leitor ou a leitora tenham interesse em outros artigos que tratam de desjudicialização e instrumentos para consagrá-la, sugerimos a leitura de:
https://www.conjur.com.br/2022-dez-04/processo-tributario-direito-alteridade-transacao-tributaria
https://www.conjur.com.br/2022-jul-31/processo-tributario-transacao-contencioso-relevante-disseminada-controversia
https://www.conjur.com.br/2022-nov-20/processo-tributario-prevencao-conflitos-entre-fazenda-publica-contribuinte
https://www.conjur.com.br/2023-jul-02/processo-tributario-sistema-multiportas-transacao-entre-fisco-contribuinte
https://www.conjur.com.br/2023-jan-01/processo-tributario-precatorios-transacao-tributaria
https://www.conjur.com.br/2022-dez-25/processo-tributario-transacao-nao-parcelamento
Isabela Bizzarro Pereira da Silva, Camila Campos Vergueiro
Isabela Bizzarro Pereira da Silva é advogada em São Paulo, bacharel em Direito pela PUC-SP, pós-graduada em Direito Tributário pela PUC-SP Cogeae e ex-aluna do curso de extensão de Processo Tributário Analítico do Ibet.
Camila Campos Vergueiro é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos Processo Tributário Analítico, do Ibet.