Coisa julgada tributária existe e sempre prevalecerá, diz Heleno Torres
No dia 8 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal permitiu, por unanimidade, o cancelamento de decisões definitivas a partir da mudança de entendimento da corte em questões tributárias. O julgamento foi recebido de forma negativa por contribuintes e tributaristas, que viram na decisão a quebra do princípio constitucional da coisa julgada, o que levaria a um quadro de insegurança jurídica. Para o professor titular de Direito Financeiro da USP e advogado tributarista Heleno Taveira Torres, porém, a decisão do STF nos Temas 881 e 885 significa justamente o contrário.
Segundo Torres, ainda que o STF tenha de fato estabelecido que “as decisões em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado”, a corte, por outro lado, definiu condições que garantem um “efeito certo” sobre a cobrança dos tributos. E isso, segundo o professor, é suficiente para evitar a insegurança temida pelos críticos.
“A coisa julgada não existe mais? A coisa julgada existe, sim. Ela sempre prevalecerá. Eu creio que o Supremo Tribunal Federal afirma o princípio da segurança jurídica quando estabelece para essas decisões de constitucionalidade um efeito certo, qual seja, de irretroatividade e de observância da anterioridade”, declarou Torres em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, na qual a revista eletrônica Consultor Jurídico ouve alguns dos principais nomes do Direito sobre os temas mais relevantes da atualidade.
Para mostrar que o Supremo foi cuidadoso ao discutir assunto tão sensível às empresas e ao mercado em geral, o professor prosseguiu na linha de seu argumento central e ressaltou que o entendimento da corte tem aspectos bem específicos. Um deles, por exemplo, é o fato de que a tese se aplica às “decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral”, conforme a redação apresentada pela corte.
“O que o Supremo decidiu foi para os casos de repercussão geral ou de decisões erga omnes, ações diretas de inconstitucionalidade, repercussão geral, que declaram a constitucionalidade de uma lei. Vamos entender bem: constitucionalidade de uma lei significa que não há alteração da base normativa, afinal de contas pode ter havido certas sentenças ou acórdãos de tribunais reconhecendo a inconstitucionalidade e que se converteram em coisa julgada durante determinado momento”, destacou Torres.
Dessa forma, continuou o tributarista, “sobrevindo uma decisão do STF que declare a constitucionalidade, então, daqui para frente, terão que ser observados princípios de irretroatividade. Ou seja, essa decisão não vai se aplicar ao passado, e ela só poderá ser aplicada a partir do primeiro dia do exercício financeiro seguinte. O princípio de anterioridade e o princípio de irretroatividade serão observados”.
Contudo, embora tenha estabelecido, com a irretroatividade, que o julgamento vale a partir de sua conclusão e não gera a possibilidade de cobrança retroativa de tributos, o STF não fez a modulação dos efeitos sobre decisões transitadas em julgado a favor dos contribuintes. E isso, aplicado aos casos concretos, acaba gerando preocupação.
“Com relação ao passado, as grandes discussões estão aí. Pugnam os contribuintes por uma modulação. Eles querem uma modulação dos efeitos, pois eles foram, de certo modo, surpreendidos por esse novo entendimento. Na realidade, temos que examinar caso a caso”, ponderou o professor.
“Há casos que estão sujeitos às decisões do Superior Tribunal de Justiça, direito inclusive sumulado. Há outros que estavam sob rescisórias da Fazenda que não foram julgadas ainda. Há casos em que houve prevenção da decadência por meio de lançamentos tributários, e outros que não tiveram lançamentos tributários prevenindo a decadência. Então tudo isso precisa ser examinado caso a caso.”