Grupo sucroalcooleiro fecha acordo bilionário com a Fazenda Nacional
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Grupo Virgolino de Oliveira (GVO), do setor sucroalcooleiro, fechou acordo com a Fazenda Nacional (transação tributária) para a quitação de uma dívida de R$ 1,3 bilhão. O desconto obtido com a negociação foi de 46% e, após a sua aplicação, foi admitido uso de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL – para abater até 70% do saldo a pagar.
Esse acordo é importante porque foi aceito também, como parte do pagamento, os recursos da venda de um ativo, aprovada no processo de recuperação judicial do grupo. Trata-se da Usina Catanduva, localizada no interior de São Paulo.
O grupo, pelo acordo, deverá desembolsar uma entrada de R$ 43 milhões e o restante será pago com a usina e os créditos tributários. As negociações, segundo o advogado Carlos Roberto Occaso, do BBMO Sociedade de Advogados, que representa o grupo sucroalcooleiro na transação, foram iniciadas em 2021.
Elas se estenderam, afirma o advogado, porque os recursos necessários ao pagamento da entrada estavam bloqueados no processo de recuperação judicial. Só poderiam ser liberados com a homologação do plano aprovado pelos credores. Por outro lado, acrescenta, o juízo da recuperação judicial, exigia certidão de regularidade fiscal para dar o seu aval ao plano.
O acordo só foi possível, de acordo com Occaso, após decisão judicial que homologou o plano, exigindo posterior comprovação da regularidade fiscal com a União, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência. “Foi o que permitiu à recuperanda utilizar uma parcela dos recursos então bloqueados para o pagamento da entrada ao Fisco”, diz o advogado.
Occaso destaca que as negociações não envolveram só a Fazenda Nacional. Foi necessário, afirma, negociar com os credores do grupo. Foi o que permitiu a transação individual, segundo ele, possibilitando à União recuperar créditos tributários considerados irrecuperáveis.
Procuradora da Fazenda Nacional, Débora Martins de Oliveira, que atuou no caso, destaca que foi importante o fato de o órgão ter sido procurado pela empresa antes da aprovação do plano de recuperação. “As condições que acertamos puderam ser previstas no plano de recuperação”, afirma ela, ponderando que a previsão da venda de imóveis dentro de uma recuperação judicial para pagamento já foi um mecanismo utilizado em outras negociações.
Esse foi o segundo grande negócio fechado pela PGFN só em 2023. A Mundial, fabricante de artigos de cutelaria, firmou um acordo para redução e pagamento parcelado de débitos fiscais em um total de R$ 1,77 bilhão. De acordo com Débora, existem pelo menos mais três transações em negociação, que podem ser fechadas nas próximas semanas, com dívidas que somam R$ 1 bilhão.
Em 2022, as transações tributárias somaram R$ 14,1 bilhões. Essa forma de negociação é um dos mecanismos que a PGFN tem utilizado para tentar recuperar valores da dívida ativa, que chega a R$ 2,7 trilhões.
A transação tributária é uma alternativa interessante para as empresas em recuperação judicial, segundo André Mendes Moreira, sócio do escritório Sacha Calmon e Misabel Derzi Advogados. Ele aponta que é possível se valer de créditos líquidos e certos – como precatórios e créditos fiscais -, homologados previamente pela União, para o pagamento de débitos tributários. “Mas não basta apenas informar a existência de um crédito e querer utilizar. Esses créditos precisam ser previamente homologados”, afirma ele.
Gustavo José Mizrahi, sócio na Vieites, Mizrahi, Rei Advogados, lembra que uma mudança na legislação de 2020 (Lei nº 14.112) atribuiu maior segurança jurídica na venda de ativos de empresas em recuperação judicial. “A lei deu clareza ao conceito de Unidade Produtiva Isolada (UPI). Esclareceu quais ativos podem ser UPI e que em nenhuma dívida de qualquer natureza, nem mesmo ambiental, há sub-rogação do comprador”, diz.
O advogado acrescenta que, depois de vendido o ativo para um comprador de boa-fé, a operação não estará sujeita a anulação. “Esses itens deram muita tranquilidade para o mercado de compra de ativos de empresa em recuperação judicial, tornando ativos mais valiosos, melhorando os pagamentos aos credores e criando oportunidade para pessoas que se aventurem em comprar essas unidades produtivas isoladas.”
Mizrahi ainda destaca que houve uma evolução jurisprudencial. “Em decisões recentes, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] autorizou que seja feita a modalidade de alienação desse bem [UPI] de forma livre”, diz.
Em 2020, a 3ª Turma do STJ decidiu que apesar da previsão de hasta pública para a alienação de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial, em situações excepcionais, podem ser utilizadas outras modalidades que devem ser explicitamente justificadas para os credores. No julgamento, os ministros ponderaram que existem situações em que a flexibilização da forma de alienação é a única maneira de viabilizar a venda (REsp 1689187).