Real: âncora fiscal e reforma tributária devem fortalecer moeda brasileira, dizem especialistas
Segundo documento divulgado pelo Bank of America (BofA), se o governo investir em uma âncora fiscal crível e em uma boa proposta de reforma tributária ainda no primeiro semestre deste ano, a moeda brasileira deve ter uma boa performance e se desempenhar melhor do que outras moedas emergentes.
O banco, que projeta o dólar em R$ 5,20 no fim de 2023, avaliou que o real brasileiro teve um bom desempenho ano passado, quando superou a maioria dos outros países do mundo, apesar da incerteza eleitoral.
Em nota, o BofA destaca que “embora as preocupações com as políticas permaneçam latentes, as altas taxas de juros domésticas, combinadas com as expectativas de reabertura da China, podem beneficiar o real”.
Na visão do estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz, o dólar pode ficar ainda mais baixo, atingindo até R$ 5 no final de 2023.
“A reforma tributária é um motivo. Ela vai travar o crescimento no longo prazo, tirando burocracia e reduzindo a quantidade de processos que precisa para pagar tributos. Isso é interessante para atrair empresas e vai ser muito bem recebido pelo mercado e pelo investidor estrangeiro”, cita Cruz.
Com relação a âncora fiscal, o estrategista diz que o governo deve entregar algo mais frágil e difícil de ser cumprido, o que pode barrar uma queda ainda maior do dólar em relação ao real.
Sobre as ações que contribuíram para o real ter uma performance positiva, Cruz aponta para a defesa de uma abertura comercial maior, destacada pelo atual presidente do Brasil, Lula, no Uruguai, e ir atrás do acordo do Mercosul com a União Europeia.
“Além disso, Lula defendeu também estreitar laços comerciais com a China”, diz.
O economista aponta que não mexer em leis que deram certo, avançar na reforma tributária e aumentar a abertura comercial, contribui para que o câmbio seja valorizado. No entanto, um grande elemento que vai “jogar a favor do real” é que os Estados Unidos devem parar de subir juros neste ano.
De acordo com o sócio da Arko Advice e mestre em Ciência Política, Lucas de Aragão, para o Brasil ter uma moeda valorizada, é preciso que o governo “faça o seu dever de casa”.
“O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve ter uma legitimidade e força política para avançar ideias boas. Nas minhas conversas com os investidores americanos, a percepção foi que as falas iniciais do ministro, neste início de governo e em Davos, foram bem recebidas”, afirma Aragão.
Segundo o especialista, as falas de Haddad foram racionais, pragmáticas e reforçaram para dar ao Ministério da Fazenda uma importância do cenário fiscal.
“No mínimo, ao longo dos próximos meses, o investidor quer ver o maior alinhamento entre as forças políticas do país. E isso envolve a figura do Lula em relação ao endividamento e aos gastos”.
Para Aragão, neste momento, o mercado quer uma âncora fiscal que tenha limite de gastos e que isso também dê previsibilidade em relação à dívida Produto Interno Bruto (PIB) do país.
“Caso isso não aconteça, vai encarecer o custo de investir no Brasil, o juro ficará mais alongado e o prêmio de risco vai aumentar. O Ministério da Fazenda está dando sinais de que entende isso e sabe da importância de uma regra de gastos. E essa visão tem sido adotada da mesma maneira pelo Palácio”, afirma Aragão.
Reforma tributária
Junto com os ajustes de equilíbrio e uma nova regra fiscal, o governo deve apresentar uma reforma tributária ainda no primeiro semestre de 2023, até abril, segundo Haddad.
Segundo o relatório do BofA, o primeiro passo da reforma estaria focado nos impostos sobre o consumo.
“A ideia é aproveitar os projetos de lei que já tramitam no Congresso, provavelmente a PEC 45/2019 (da autoria do secretário Especial de Reforma Tributária, Bernard Appy) e a PEC 110/2019 (de origem no Senado). Ambas as propostas visam unificar os impostos sobre o consumo em um IVA brasileiro”, ressalta.
O BofA acredita que a falta de consenso adiou a votação de uma reforma tributária no ano passado, então, o debate deve continuar em 2023.
Aragão acredita na aprovação da reforma tributária, mas diz que vai levar tempo.
“Não vejo uma reforma tributária nos moldes da reforma da Previdência, que foi votada em um dia. Ela será aprovada em fases, mas acho que está amadurecendo a ideia de simplificar impostos, de eventualmente taxar lucros e dividendos lá na frente”.
No entanto, isso vem acompanhado de alguma redução ou melhoria no ambiente de negócios, acrescenta o especialista.
“O Brasil hoje tem um desenho mais concreto para se discutir a reforma tributária. Os governadores estão mais abertos à conversa, mas serão discussões longas e lentas”.