Contribuintes passaram a vencer dez teses na Câmara Superior do Carf
Por Adriana Aguiar e Beatriz Olivon — De São Paulo e Brasília
Os contribuintes conseguiram virar a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a seu favor, em 2022, em pelo menos dez importantes temas. São processos julgados pela Câmara Superior – a última instância do órgão – e que tratam de participação nos lucros e resultados (PLR), planos de opção de compra de ações por funcionários (stock options), ágio e tributação de lucros no exterior, entre outros, segundo levantamento realizado pelo escritório VBSO Advogados.
Em pelo menos dois desses assuntos – tributação de lucros no exterior e PLR -, o voto do atual presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, foi fundamental. Ele, porém, terá que deixar o cargo, o que preocupa os advogados de contribuintes. Será substituído pelo auditor Carlos Higino Ribeiro de Alencar, anunciado ontem.
O que contribuiu para essa reviravolta na jurisprudência foram mudanças na composição das turmas da Câmara Superior e no voto de desempate a favor do contribuinte, incluído na legislação em 2020 (Lei nº 13.988) – norma sob questionamento no Supremo Tribunal Federal (ADIs 6399, 6403 e 6415). Desde então, segundo a Fazenda Nacional, os contribuintes passaram a vencer em 18 temas.
Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) cita outros assuntos, como imputação de responsabilidade a sócios e administradores de empresas, cobrança de PIS e Cofins no recebimento de mercadorias em bonificação e dedução de despesas com juros sobre o capital próprio. Destaca, porém, que “a reversão da jurisprudência do Carf nos temas indicados, por implicar a exoneração de créditos tributários, resulta em perdas significativas para a União”.
Diego Miguita, do escritório VBSO Advogados, afirma que houve uma notável mudança de posição em assuntos relevantes para os contribuintes na Câmara Superior em 2022. “Puxada tanto pela mudança da sistemática de desempate quanto pela mudança na composição das turmas”, diz.
Com a retomada das sessões presenciais em 2022, o Carf também voltou a julgar teses com valores elevados. Por isso, apesar do volume de acórdãos lavrados ser menor em comparação a 2021, o montante total envolvido é bem maior. Até setembro, foram liberadas 3,4 mil decisões, em um total de R$ 62 bilhões. No ano anterior inteiro, foram 30.477 acórdãos, envolvendo R$ 47 bilhões.
Dos julgados em 2022, segundo estatísticas do Carf, 71,6% foram de forma unânime. Por maioria, 20,5%. E pelo voto de qualidade (aplicado em situações excepcionais), 5,4%. Já pelo novo critério de desempate pró-contribuinte, imposto com a Lei nº 13.988/2020, foram 2,5% – o que inclui teses de grande impacto.
Uma dessas teses trata de ágio. De acordo com Reinaldo Tadeu Moracci Engelberg, sócio da área tributária do escritório Mattos Filho, até 2019 os contribuintes saíam derrotados por causa do voto de qualidade. Em 2022, contudo, venceram em pelo menos quatro casos na 1ª Turma da Câmara Superior. Em um deles, os conselheiros cancelaram uma autuação de R$ 1,25 bilhão que havia sido aplicada contra a ArcelorMittal Brasil. A cobrança envolvia, além da amortização de ágio, decorrente da fusão entre as siderúrgicas, tributação do lucro de controladas no exterior.
O processo envolvendo a ArcelorMittal teve placar de seis a quatro. Os cinco conselheiros que representam os contribuintes na turma votaram pelo cancelamento da autuação. O sexto voto nesse mesmo sentido – único entre os conselheiros fazendários – foi do presidente Carlos Henrique de Oliveira (processo nº 10600.720035/2013-86).
A 1ª Turma também anulou duas autuações referentes à tributação de lucro de controladas no exterior. Uma delas contra a Ambev, de R$ 1,5 bilhão (processo nº 16643.720059/2013-15).
Até então, os conselheiros mantinham a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre lucros obtidos em países com os quais o Brasil firmou tratados para evitar a bitributação. Para eles, deveria prevalecer o artigo 74 da Medida Provisória (MP) nº 2.158, de 2001, que valeu até 2014 e estabelecia o pagamento.
O advogado Reinaldo Engelberg destaca que o Carf passou a aplicar o entendimento que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou sobre o tema em antigo leading case, envolvendo a Vale. Nesse caso, os ministros afastaram a tributação (REsp nº 1325.709).
Na discussão sobre stock options, especialistas destacam julgamento da 2ª Turma da Câmara Superior favorável à Gerdau. Além de servir como precedente para outras empresas, essa decisão pode dar uma nova guinada ao uso das stock options. Advogados dizem que companhias vinham deixando de utilizar esse instrumento, aqui no Brasil, por conta do risco fiscal.
A decisão contra a cobrança se deu por maioria de votos. O placar fechou em 6 a 4 (processo nº 16682.721015/2013-46). De acordo com Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, esse julgamento analisou a tese e não peculiaridades de um caso concreto.
“Esse julgamento não se apega a detalhes de caso concreto. Vai na tese de que pagamentos não são sujeitos a contribuição previdenciária por não haver caráter contraprestacional, presença de risco e relação civil e não trabalhista”, afirma.
A 2ª Turma também analisou casos de PLR e de bônus de contratação (hiring bônus), dando razão aos contribuintes. Nos processos de PLR, as empresas também contaram com o voto do presidente Carlos Henrique de Oliveira. A tese é discutida por bancos e grandes empresas e há casos de valores bilionários em discussão.
Até 2015, segundo o advogado Leandro Cabral, a maioria das decisões sobre PLR era favorável aos contribuintes. Após a Operação Zelotes e a reabertura do Carf, porém, as empresas passaram a sofrer derrotas por meio do voto de qualidade – dado pelo presidente da turma, representante da Fazenda.
Nos processos sobre a tributação de bônus de contratação, as decisões foram unânimes. De acordo com Diego Miguita, cujo escritório atuou nesses casos julgados pela 2ª Turma, os acórdãos servem como precedente para aquelas empresas que realmente usam o bônus de contratação da forma correta, sem envolver remuneração.
Para o advogado, a alteração na sistemática de desempate tem gerado julgamentos mais consistentes. “Em geral, em grandes temas que geram dúvidas interpretativas a ponto de dar empate, deve-se favorecer o contribuinte”, diz. “Dez em cada dez empresas querem que seus processos sejam julgados com a nova regra de desempate.”