STF poderá limitar multa por erros em dados fiscais
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve bater o martelo no ano que vem sobre uma questão com potencial de reduzir o custo das empresas com multas aplicadas pelos Fiscos. A discussão trata das penalidades por descumprimento e erros nas chamadas obrigações acessórias tributárias – declarações e emissões de documentos fiscais exigidas junto com o pagamento de tributos.
A Corte começou a analisar, no fim de novembro, em julgamento virtual, a proporcionalidade do valor dessas multas. Pode vir a estabelecer, com repercussão geral, um teto para as penalidades se prevalecer o voto do relator, ministro Roberto Barroso, nesse sentido. O ministro Dias Toffoli pediu vista e jogou a definição para o ano de 2023.
A discussão é relevante para a fiscalização e arrecadação pelos Fiscos e também para todos os contribuintes, especialmente considerando o cenário brasileiro sobre burocracias tributárias. Até 1.501 horas por ano são gastas pelas empresas para o preenchimento das obrigações, segundo levantamento do Banco Mundial. O maior tempo entre os países analisados.
De acordo com o advogado Gustavo Haddad, sócio do Lefosse Advogados, a decisão do STF pode vir a reduzir o volume de autos de infração. “Que são atualmente comuns nas esferas federal, estaduais e municipais e que impõem multas variadas por preenchimento equivocado de declarações e documentos fiscais, com cobrança de valores por vezes muito superiores ao montante do próprio tributo”, afirma o tributarista.
Segundo levantamento da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), de 16 Estados analisados 11 aplicam multa por descumprimento de obrigação acessória sobre o valor da operação – e não sobre o valor do tributo – o que deixa a conta ainda mais cara e desproporcional ao valor do imposto. São eles: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Amapá, Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe.
A Abat atua como interessada (amicus curiae) no caso (RE 640452). De acordo com o advogado Breno Vasconcelos, que representa a entidade na ação, um dos pontos centrais do julgamento é definir se essas multas podem recair sobre o valor da operação do contribuinte.
“Cerca de 70% dos Estados consultados têm norma idêntica ou similar à questionada no STF, com alíquotas que variam de 5% a 40% do valor da mercadoria ou do serviço tributável por ICMS”, afirma Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados. Esse cenário, acrescenta, é de complexidade e impacta no contencioso tributário, que alcançou R$ 5,44 trilhões em 2019, segundo estudo do Núcleo de Estudos em Tributação do Insper.
A discussão sobre o caráter confiscatório dessas multas chegou ao STF a partir de recurso da Eletronorte contra uma lei do Estado de Rondônia – já revogada – que fixava multa de 40% sobre o valor da operação pelo não cumprimento de obrigações acessórias. No caso, a empresa ficou sujeita a pagar cerca de R$ 168,4 milhões pela falta de emissão de notas fiscais em compras de diesel para a geração de energia termelétrica.
O ICMS devido havia sido recolhido pela sistemática da substituição tributária, em que um contribuinte da cadeia adianta o pagamento em nome dos demais. Na situação da Eletronorte, o valor da pena imposta pelo descumprimento da obrigação acessória foi o dobro do montante do imposto pago.
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) reduziu a multa para 5%. A companhia, ainda assim, levou a disputa ao STF alegando confisco. Depois aderiu a um programa de parcelamento do Estado e desistiu da ação.
Apesar do encerramento do caso concreto, o Supremo vai definir uma tese sobre os limites das multas aplicadas pelo Fisco por descumprimento de obrigação acessória, que será aplicada a outros casos sobre o mesmo tema. Por causa dessa repercussão geral, segundo tributaristas, o julgamento é tão importante.
O ministro Roberto Barroso propôs uma limitação para essas penalidades. Com fundamento em outras decisões do STF, fixou um teto para as multas por descumprimento de obrigações acessórias, de 20% sobre o valor do tributo. Na prática, a base de cálculo não poderia ser o montante da operação. “Esse critério faz com que a gradação do quantum da penalidade acompanhe, inclusive, a capacidade contributiva”, diz o ministro, no voto.
Gustavo Haddad, do Lefosse, afirma que a decisão do STF deve gerar repercussões também na esfera federal. Atualmente, a Receita Federal exige, por exemplo, multa de 3% do montante preenchido com erro na Escrituração Contábil Fiscal (ECF), independentemente de dolo (quando há intenção) ou culpa ao emitir ou declarar informações incorretas.
A Procuradoria da Fazenda Nacional também atua como amicus curiae no julgamento. Lembra que o STF, em 2020, julgou constitucional a exigência de multa por falta ou atraso na entrega da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). A penalidade prevista é apurada mensalmente e corresponde a 2% sobre os valores dos tributos a serem informados (RE 606010).