Justiça afasta cobrança de IPTU de imóvel rural em área urbana
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
Proprietários de imóveis continuam recorrendo à Justiça para derrubar cobranças de IPTU sobre áreas rurais situadas em zonas urbanas ou de expansão urbana, mesmo passados 13 anos da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. Há recentes precedentes de segunda instância favoráveis ao recolhimento do ITR, de competência da União.
Em 2009, o STJ definiu, em recurso repetitivo, que incide o ITR “sobre imóvel localizado na área urbana do município”. O problema está na segunda parte da tese: “desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial” (REsp 1112646).
A discussão atual, segundo a advogada Rejiane Prado, do escritório Barbosa Prado Advogados, espelha um descolamento entre como o Judiciário analisa a questão e a forma como as prefeituras colocam as decisões em prática no âmbito administrativo.
“É uma questão razoavelmente simples, que não deveria chegar ao Judiciário”, diz. “Mas os contribuintes desse tipo de imóvel acabam tendo que enfrentar longas disputas administrativas e judiciais para que o seu direito de pagar ITR e não IPTU seja reconhecido.”
O IPTU desponta como o tributo que mais gera litígio no Brasil. Responde por quase 25% dos processos que discutem tributos no país, de acordo com Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) neste ano. Logo atrás, com pouco mais de 16%, vem o ICMS.
Na ponta do lápis, afirmam advogados tributaristas, fica mais caro recolher o IPTU do que o ITR por causa das bases de cálculo adotadas em cada um desses tributos. “Apesar de 50% da receita com o ITR ir para o município, a receita com esse imposto é bem menor”, diz Igor Mauler Santiago, sócio do Mauler Advogados.
Em Bauru (SP), por exemplo, um contribuinte foi autuado por não recolher IPTU sobre dois imóveis arrendados para cultivo e colheita de mel. Ao analisar o recurso administrativo do proprietário, a prefeitura decidiu cancelar a cobrança referente a apenas um dos locais, que tem 14.371 metros quadrados. Sobre o outro, de 19.151 metros quadrados, deveria incidir o tributo municipal.
A administração entendeu que para a captação do mel é utilizada uma área de apenas 3% do menor imóvel e que, por isso, não seria necessário ampliar a área de atividade. “As abelhas não medem o espaço físico para voar e captar o mel, podendo se manter no lote identificado ou de outros independentemente de ser da propriedade do interessado”, fundamenta a decisão (processo administrativo nº 29.001).
O contribuinte levou a questão à Justiça. Defendeu que exerce a atividade de apicultura nos dois imóveis. Em outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o direito dele de recolher o ITR sobre os dois imóveis.
O relator, desembargador Eutálio Porto, considerou que o proprietário demonstrou a exploração rural, a partir dos comprovantes de recolhimento do ITR, do contrato de arrendamento mercantil, de recibos da aquisição da produção e fotos do local (apelação nº 1021846-76.2019.8.26.0071).
Na esteira da definição do STJ, a Justiça tem entendimento consolidado de que o imposto a ser recolhido depende da destinação econômica do bem. Segundo advogados, a maior parte dos casos é resolvida com base em perícia. “Aquele sítio com piscina e uma horta não se encaixa. Deve haver produção agropecuária, como uma granja ou criação de cavalo”, diz Mauler.
Em decisão de novembro, o TJSP reverteu, em embargos de declaração, uma decisão desfavorável a um contribuinte que arrenda terras para cultivo de milho. Entenderam os desembargadores que a destinação agrícola da área é o fator determinante para afastar a incidência do IPTU, sendo a inscrição do imóvel no Incra e os comprovantes de recolhimento do ITR secundários para determinar o imposto a ser recolhido.
“A destinação agrícola não se resume à existência de espécies vegetais economicamente exploráveis em determinada região por certo período, mas em todo atuação humana voltada à utilização do imóvel para esse fim, o que inclui as atividades de preparação e limpeza do solo, gradeagem, adubagem, plantio, irrigação, colheita, dentre outros, inclusive períodos de descanso do solo”, afirma a relatora, desembargadora Mônica Serrano (processo nº 1001346-53.2020.8.26.0394).
O TJSP, em outra decisão recente, entendeu inviável a tentativa do município de Jundiaí de exigir o IPTU apenas sobre a fração de um sítio. A administração pretendia cobrar o imposto sobre 61,46% da área, que conta com a residência de colonos, serviços de energia elétrica, iluminação pública, pavimentação e transporte público. Sobre os 38,54% restantes – onde se cultiva lichia – poderia haver a incidência do ITR.
Para os desembargadores, se o imóvel é essencialmente destinado à atividade rural deve incidir o ITR e não o IPTU, não sendo possível dividir a área apenas para fins tributários. “Sendo, portanto, inviável a cobrança de dois impostos de igual natureza, originados do mesmo fato gerador, sobre partes distintas do mesmo imóvel”, diz, na decisão, o relator do caso, desembargador Raul De Felice (processo nº 1004469-57.2019.8.26.030).
Procurada pelo Valor, a Prefeitura de Bauru não deu retorno até o fechamento da edição. A de Jundiaí, em nota, defendeu que o IPTU recaia sobre parcela do imóvel que não tem destinação rural. Afirma como fundamento que o Incra admite a descaracterização parcial de área que tenha perdido a destinação que o caracterizava como rural, sendo obrigação do proprietário providenciar a atualização cadastral da área remanescente.
“Os contribuintes que ingressam com o pedido de reconhecimento da não incidência do IPTU passam por vistoria técnica que determina a área do imóvel efetivamente utilizada para a finalidade rural, recebendo justa tributação do IPTU sobre a área do imóvel com características diversas desta destinação”, afirma.