STF autoriza Rio a cobrar ISS de cartórios
Joice Bacelo
O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou fim em uma disputa tributária travada entre os cartórios e o município do Rio de Janeiro. A decisão permite a cobrança de ISS sobre os serviços de notários e registradores. Garante receita anual de R$ 80 milhões aos cofres municipais, além de destravar um passivo de R$ 327 milhões, segundo a Secretaria de Fazenda.
A Corte julgou ontem, em sessão plenária, o quinto recurso sobre esse tema. Todos foram movidos pelo Sindicato dos Notários e Registradores do Município do Rio de Janeiro (Sinoreg-RJ) contra decisão do ministro Dias Toffoli, de 2017, validando dois decretos municipais – nº 31.879 e nº 31.935, de 2010 – que regulamentam a cobrança.
Os ministros entenderam toda essa quantidade de recursos como medida protelatória. “Os argumentos do agravante, insuficientes para modificar a decisão agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência”, afirmou a relatora, ministra Cármen Lúcia, ao proferir voto.
Todos os demais ministros a acompanharam. Ricardo Lewandowski chegou a propor a aplicação de sanção ao sindicato: pagamento de 1% do valor da causa. Mas acabou voltando atrás.
“Lamento que justamente hoje os estudantes [presentes no plenário] presenciem um exemplar de patologia processual explícita. Exemplo de como não se deve recorrer. São cinco anos que a solução está pendente tendo como argumento sucessivos recursos”, criticou.
A discussão, ontem, tratava de uma questão processual. O sindicato contestava o fato de os procuradores do município terem atuado em uma ação de controle concentrado sem a assinatura do prefeito. Segundo o sindicato, essa condição era exigida pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que ainda estava vigente quando o processo teve início.
O Sinoreg-RJ entrou com uma representação de inconstitucionalidade, questionando a cobrança de ISS, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e obteve decisão favorável. O município apresentou recurso contra essa decisão (ARE 873804).
Num primeiro momento, o ministro Dias Toffoli, que era o relator do caso, rejeitou o recurso do município. Afirmou que o prefeito não havia assinado as peças de defesa nem os recursos apresentados, contrariando jurisprudência da Corte sobre a participação do Poder Executivo em representações de inconstitucionalidade.
Mas o município se defendeu, argumentou que a subscrição não era necessária, e apresentou também a ratificação pelo prefeito. Toffoli voltou atrás. Admitiu o recurso e declarou os decretos constitucionais, validando a cobrança de ISS sobre os serviços dos cartórios. A alíquota hoje está em 5%.
Daí a sucessão de recursos do sindicato. Representante do Sinoreg-RJ nesse caso, o advogado Max Fontes sustentou ontem, aos ministros, que a solução dada ao processo divergia de decisões recentes da Corte, que exigiam a assinatura do chefe do executivo. “Indicamos no memorial mais de 50 precedentes e isso mostra que a jurisprudência é contrária ao que foi decidido”, frisou.
Já o procurador Diogo Lopes de Barbosa Leite, representante do município, defendeu a legitimidade da procuradoria para atuar em defesa do município e citou que a Advocacia-Geral da União (AGU), por exemplo, nunca foi cobrada por assinatura do presidente.
A Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) atuou como “amicus curiae” no caso. Ricardo Almeida, assessor jurídico da entidade, tratou o caso como “abuso de direito de recurso”. Sustentou aos ministros que é permitido cobrar ISS dos cartórios desde 2004 e só no Rio de Janeiro o imposto não está sendo pago.
“Por que o Rio vai ser essa ilha de isenção fiscal tributária?”, criticou. Almeida frisou, ainda, que a lei autoriza aos cartórios repassar o valor do imposto nos seus emolumentos. “Já estão cobrando ISS do usuário do serviço, mas não vêm recolhendo.”
A ministra Cármen Lúcia, atual relatora do caso, afirmou que ausência de assinatura do chefe do executivo não constitui óbice da atuação da procuradoria e que, mesmo se tivesse havido vício – o que discorda -, o prefeito do Rio de Janeiro, nesse caso, fez a ratificação. Todos os demais ministros concordaram.
Alexandre de Moraes chamou a atenção, ainda, que essa é a jurisprudência atual da Corte. “Não é possível que nós aceitemos embargos de divergência por posicionamento antigo do STF. Embargos servem para harmonizar o entendimento das turmas e não há qualquer divergência em relação à decisão acatada.”