Contribuintes usam R$ 55 milhões em precatórios para pagar dívidas
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
Empresas estão conseguindo fechar acordos com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para pagar parte de suas dívidas tributárias com precatórios. Um total de R$ 55 milhões já foi aceito pelos procuradores federais nas chamadas transações, iniciadas em 2020.
Um dos casos mais recentes envolve uma indústria de alimentos, que quitou parte de uma dívida de R$ 4,4 milhões de PIS e Cofins com um título federal a vencer. O precatório é no valor de R$ 200 mil.
A medida passou a ser possível com a edição da Lei nº 13.988, de 2020, que tratou das transações. O tema foi melhor regulamentado com a edição da Portaria nº 9917, de 2020, substituída neste ano pela Portaria nº 6757. Nos artigos 78 e seguintes, a nova norma traz todos os requisitos que se deve preencher para que títulos federais sejam aceitos.
O uso de precatórios para pagar parte ou toda a dívida, segundo especialistas, é vantajoso para ambas as partes. A União consegue receber e o contribuinte obter um desconto ainda maior com deságio na compra de um título no mercado.
O grande avanço, de acordo com a PGFN, é o “efeito liberatório” desses títulos. Isso porque o contribuinte não precisa esperar a União pagar o precatório para poder negociar o que deve. Ou seja, o título vira moeda. Na prática, a União reconhece que é devedora e aceita o título que ela mesma expediu.
Um dos primeiros acordos firmados envolve a Dez Alimentos, fabricante de molhos de tomate e temperos prontos de Goiás, pertencente ao Grupo Irmãos Chiari Agropecuária, e a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 1ª Região, com sede em Brasília. A empresa comprou o título de terceiro, com deságio de cerca de 30%. O precatório está na fila de pagamento do ano de 2023.
Para 2023, a previsão é de que o governo federal pague R$ 17,14 bilhões em precatórios, segundo a Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO), apresentada em agosto. Contudo, a norma traz também que um estoque de R$ 51,16 bilhões será postergado para 2024.
Até o dia 19, foram realizadas 152 transações individuais (débitos acima de R$ 15 milhões) entre grandes empresas e a União, segundo dados do site da PGFN. A 3ª Região, em São Paulo, firmou 37 acordos. A 4ª e a 5ª Regiões, que abrangem Sul e Nordeste, 36. Na 1ª Região, com sede em Brasília, foram 25 acordos. E na 2ª Região, que envolve Espírito Santo e Rio de Janeiro, 18.
No caso da Dez Alimentos, foi feita uma transação chamada excepcional, por envolver dívida abaixo desse valor. E nesse caso admitiu-se o uso dos precatórios. O valor inicial era de R$ 6,1 milhões e, com desconto de R$ 1,8 milhão, caiu para R$ 4,4 milhões – R$ 200 mil quitados com o precatório federal.
Eduardo Bitello, advogado que assessorou a Dez Alimentos, sócio da Marpa Gestão Tributária (MGT), conta que, com a transação tributária, iniciada em setembro de 2020, a empresa viu uma boa oportunidade para quitar suas dívidas e conseguir bons descontos. E nas muitas diligências e reuniões feitas com a procuradoria, acrescenta, a empresa resolveu oferecer o precatório federal, adquirido de terceiro, que já estava em seu nome e poderia ser cedido para a União.
Essa possibilidade é uma boa oportunidade para as empresas, afirma o advogado, principalmente as pequenas, que têm mais dificuldades para pagar as parcelas do acordo e as contas do mês. “No caso da nossa cliente, por exemplo, que é do setor de alimentos, a margem de lucro em geral é muito baixa, e acaba sendo uma forma de quitar a dívida sem comprometer o caixa da empresa”, diz.
Para procuradora-chefe da Dívida Ativa na 1ª Região, Tatiana Irber, que participou da transação com a Dez Alimentos, essa possibilidade de incluir precatórios federais na negociação acaba sendo uma boa oportunidade tanto para a União quanto para os contribuintes. “Desde que o precatório preencha todos os requisitos previstos na Portaria nº 6757, de 2022, pode haver a inclusão desse título na negociação”, afirma. “A nossa experiência nesse caso foi muito boa e pode servir de modelo para outras transações.”
De acordo com a Portaria nº 6757, de 2022, da PGFN, serão aceitos precatórios federais próprios ou de terceiros. Nesses casos, a empresa precisa ter formalizado a transação, por adesão ou individual, inclusive com o pagamento de eventual entrada mínima nos casos em que ela é exigida como condição para adesão.
Esses créditos dos precatórios, então, terão que ser cedidos fiduciariamente à União, representada pela PGFN, por meio de escritura pública lavrada no Registro de Títulos e Documentos, com o destaque de que serão liberados automaticamente para a União. A portaria ainda traz todos os documentos necessários para lavrar essa escritura, que atestam a validade do título e que, no caso de precatórios de terceiros, o devedor é o único beneficiário.
A norma ainda esclarece que a empresa é responsável pelo pagamento de eventual saldo devedor remanescente, caso existam diferenças de correções monetárias até o pagamento do título.
Em São Paulo, segundo a assessoria de imprensa da PGFN, ainda não há acordos similares ao fechado pela Dez Alimentos. O que existe, afirma o órgão em nota, seria um acordo já assinado em que, no curso do cumprimento dele, o contribuinte solicitou a utilização de precatórios federais adquiridos de terceiros, para fins de amortização das contas de transação.
“O pleito foi aceito e, atualmente, aguarda-se a homologação do juízo estadual sobre a cessão do precatório em favor da Fazenda Nacional. Tão logo a cessão seja formalizada, os valores serão aproveitados nos termos do artigo 78 e seguintes da Portaria PGFN nº 6.757/2022”, diz a nota.
Existem ainda, de acordo com a nota, “dois acordos de transação (Grupo Ruas e Viação Piracicabana) em que precatórios municipais foram cedidos em favor da União e se previu que, uma vez feito o pagamento pelo ente municipal, os valores seriam utilizados para amortização das contas de transação”.