STF garante imunidade de ICMS a cartas de jogo
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a cobrança de ICMS sobre a venda das cartas do jogo “Magic: The Gathering”. Os ministros da 2ª Turma entenderam que o produto está abarcado pela imunidade tributária prevista na Constituição para livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
O caso chegou ao STF por meio de recurso da Coqui Distribuição de Produtos Educativos (RE 1108541) contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia mantido a tributação. Para os desembargadores da 4ª Câmara de Direito Público, há diferença entre as cartas desse jogo e as figurinhas de álbuns vendidos em bancas de jornais – imunes ao ICMS.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não julgou o mérito por se tratar de discussão constitucional. No STF, a empresa alegou que o produto teria direito à imunidade, por se tratar de benefício fiscal dedicado a universalizar o acesso à cultura e facilitar a liberdade de atividade intelectual, artística, científica e da comunicação.
Já a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) argumentou que essas cartas não são acessórios de outros materiais relativos ao jogo “Magic: The Gathering”, como livros de ficção e fichários para armazenar os cartões. Por isso, não poderiam ser inseridos na imunidade tributária cultural.
No STF, a 2ª Turma seguiu o voto do relator, ministro Nunes Marques. Ele entendeu que as cartas deveriam ser equiparadas a figurinhas de álbuns vendidos em bancas de jornal – como o da Copa do Mundo – que, pela jurisprudência da Corte, também têm imunidade tributária. Para ele, figurinhas, cromos e “cards”, ainda que possam ser destacados ou vendidos separadamente, estariam abarcados pelo benefício constitucional.
O relator cita decisão do Plenário sobre livro eletrônico. Naquele caso, o relator, ministro Dias Toffoli, afirmou que a imunidade dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado a sua impressão “não deve ser interpretada em seus extremos”, sob o risco de se subtrair a racionalidade que inspira seu alcance prático (RE 330.817).
Ainda de acordo com o relator, a interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos, de forma a evitar o esvaziamento das normas imunizantes por lapso temporal.
Para Rodolfo Tamanaha, sócio da área de negócios digitais do Madrona Advogados, o jogo tem uma estrutura narrativa, com um viés mais cultural que um álbum de figurinhas, por exemplo. “Não sei o quanto poderia ser replicado no ambiente digital, jogos digitais são diferentes”, afirma. O advogado cita outro precedente em que a ministra Cármen Lúcia se manifestou da mesma forma (RE 1253322), envolvendo “cards” do jogo Pokémon.
Segundo Nina Pencak, sócia em Brasília do escritório Mannrich e Vasconcelos, o novo precedente é relevante, na medida em que se trata de uma extensão da imunidade prevista na Constituição Federal. Envolve, acrescenta, jogos que não integram livros físicos ou digitais.
Por meio de nota, a PGE-SP diz que o STF reformou acórdão do TJSP para interpretar o artigo da Constituição que prevê imunidade a livros de forma ampla. E informa que “eventual interposição de recurso ainda será analisada”.