Tribunal analisa Selic para cobrança fiscal
Por Laura Ignacio — De São Paulo
O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo – a mais alta instância administrativa estadual – julgará hoje a revisão da Súmula nº 10, que permite a fiscais e juízes do próprio tribunal aplicar sobre cobranças de tributos estaduais, como o ICMS, juros de mora com patamares acima da taxa Selic. Uma revisão alinharia o Poder Executivo com o entendimento do Judiciário.
Em 2009, o Estado chegou a aplicar 0,13% ao dia sobre débitos de ICMS. Só em julho de 2017 a lei paulista foi alterada e passou a estabelecer a incidência da Selic. Contudo, taxas de juros superiores continuaram a ser cobradas sobre tributos não recolhidos em períodos anteriores.
Com a revisão, na prática, contribuintes deixarão de ter custos para recorrer contra autos de infração e decisões do TIT. Já o Estado não terá mais que pagar sucumbência (valor devido pela parte vencida pelos gastos processuais). Uma reforma ainda fortalecerá o argumento de quem enfrenta o mesmo problema em relação a juros impostos por municípios, na correção de débitos de tributos como o ISS.
No Judiciário, a questão relativa aos Estados está pacificada. Em 2013, a Corte Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que o dispositivo da lei paulista que passou a permitir a aplicação de juros superiores à Selic (Lei nº 13.918, de 2009) é inconstitucional (processo nº 0170909-61.2012.216.0000). Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em repercussão geral, contra a aplicação por Estados de juros acima da Selic (Tema 1062).
Porém, segundo o artigo 28 da Lei estadual nº 13.457, de 2009, o TIT não fica vinculado a acórdãos do STF com repercussão geral (controle difuso). Apenas quando houver súmula vinculante ou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado) do STF ou edição de resolução do Senado.
Com isso, segundo o tributarista Rafael Ristow, sócio do escritório BCOR Advogados, mesmo após as decisões do STF e do TJSP, continua a incidir a Lei paulista nº 13.918 para fatos geradores da época em que os juros de mora aplicados foram superiores à Selic. “Como a administração tem cinco anos para autuar, hoje, portanto, ainda tem auto de infração que pode ser lavrado cobrando juros excessivos, fora os processos administrativos”, diz.
Ristow lembra, ainda, que será necessária a aprovação de dois terços do total de juízes para a revisão. “Não sabemos como isso será julgado, mas levantar a hipótese de revisão dessa súmula é um primeiro passo importante”, afirma. “O pagamento da sucumbência pelo Estado é desnecessário e sai do bolso de todos nós”, acrescenta o advogado.
A expectativa é de uma revisão. Por meio de nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado reconhece que, “como a jurisprudência firmada no Poder Judiciário tem decidido, de forma absoluta, pela necessidade da aplicação máxima aos juros de mora do índice federal estabelecido para os débitos fiscais da União (taxa Selic), e a fim de alinharmos as decisões do TIT às firmadas pelo Judiciário, estabelece-se a necessidade de revisar a Súmula 10”.
O tributarista Eduardo Pugliese Pincelli, sócio do escritório Schneider, Pugliese Advogados, destaca que a própria procuradoria estadual – que atua no Judiciário – já não inscreve a dívida tributária incluindo os juros da lei paulista. Segundo ele, desde a definição do Judiciário sobre o tema, a banca tem conseguido refazer a certidão de dívida ativa (título emitido pelo governo que comprova o débito do contribuinte e permite a cobrança judicial do devido) com a correção pela Selic. “Mas será importante que o TIT reconheça que a Súmula 10 não é mais válida”, diz.
A revisão da Súmula 10 também pode ajudar contribuintes que brigam na Justiça contra a aplicação de juros acima da Selic, impostos por municípios sobre débitos de ISS. Segundo o advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Mauler Advogados Associados, o STF julgará a mesma tese, porém para os municípios, com repercussão geral (Tema 1217).
De acordo com o tributarista, municípios têm argumentado que a Selic está muito baixa e há outros índices federais diversos da Selic. “Mas a Constituição Federal diz que a União dispõe das normas gerais de direito financeiro e tributário e, assim, quanto à questão tributária, o teto deve ser a Selic”, afirma Santiago.