Super-Receita é desafio para Adams

Procurador da Fazenda concursado em 1993, mas desde 2001 cedido a outros órgãos – primeiro à Advocacia Geral da União (AGU) e depois ao Ministério do Planejamento -, o atual procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams, voltou à carreira em um momento particulamente conturbado. Assumiu o cargo em maio deste ano em meio a uma greve que já se estendia por 70 dias e na primeira semana enfrentou a exoneração de 20 procuradores em cargos de chefia, resistentes à sua nomeação. Na semana seguinte, recebeu a exoneração de outros 106 procuradores, desta vez devido à demora na aprovação do reajuste salarial da categoria.

Passada a turbulência inicial, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) passa agora por um novo momento crítico, amargando uma iminente derrota em uma da maiores disputas tributárias de sua história – a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins. Em uma reversão inesperada da jurisprudência, no dia 24 de agosto o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma maioria de seis votos que podem significar um prejuízo de R$ 12 bilhões ao ano para a União.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Adams conta a estratégia da PGFN para enfrentar o quadro desfavorável pintado pelo Supremo e os planos para o futuro próximo do órgão. As principais mudanças deverão vir com a criação da Super-Receita, que acrescentará mais R$ 190 bilhões aos R$ 380 bilhões da dívida ativa já administrada pela procuradoria, e abrirá uma janela de oportunidade para implantar mudanças nos métodos de arrecadação da União.

Valor: Quais são os planos da PGFN na sua gestão?

Luís Inácio Adams: Um dos nossos desafios no momento é a constituição da Receita Federal do Brasil. Esse modelo de racionalização de unificação da Secretaria Previdenciária com a Receita Federal e o processo de integração, indispensável para ele funcionar.

Valor: Como a PGFN está se preparando para isso?

Adams: Temos as medidas legislativas em curso que nos darão algumas condições estruturais, além de demandas específicas que já estão em curso, associadas com ações de racionalização ou de avaliação de procedimento administrativos que hoje operam tanto na Receita quanto na PGFN. Em relação à estruturação há um projeto de lei em votação para ampliação do quadro. O segundo passo é também ampliação do apoio administrativo. Nós temos um pedido no Ministério do Planejamento de concurso para o chamado plano de cargos que permitirá estruturar nossa área de apoio administrativo, que está muito defasada. O terceiro movimento é a criação de uma carreira de apoio administrativo – basicamente áreas de diligência, contabilidade e informatização -, o que nos permitirá executar nossos meios de ação, porque hoje nós não temos o que a Receita tem, que é o técnico para fazer levantamento de cálculos, procurar bens para execução, fazer diligências. Isso é um problema sério. Você vai propor uma ação contra uma empresa e precisa ter alguém para ir atrás para procurar bens se ela não oferecer.

Valor: Com a Super-Receita a PGFN vai assumir mais uma dívida ativa de R$ 190 bilhões da Previdência. Vocês já tem um processo de transição?

Adams: Já tivemos três reuniões com o procurador-geral federal e já chegamos ao nível de uniformização de conhecimento das suas atividades. Agora estamos envolvidos em buscar um levantamento das controvérsias, processos hoje de responsabilidade deles que passarão para a PGFN. Hoje STJ e Supremo estão julgando questões tributárias afetas à União ou aos Estados, mas cujos pressupostos lógicos repercutem mutuamente. Veja o caso da Cofins, cuja discussão de faturamento acaba influenciando a própria cobrança do ICMS. Se vocês verem o voto do ministro Marco Aurélio e a discussão do ICMS que tem por base de cálculo o próprio ICMS, vocês vão ver que o voto tem uma enorme similaridade. Então a gente percebe que esses processos, apesar dos tributos não serem os mesmos, tem os mesmos pressupostos lógicos.

Valor: Na véspera do julgamento da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, a Fazenda estava tranqüila. A PGFN foi pega de surpresa com o resultado?

Adams: Há que se compreender o nível de estabilização dessa matéria. Há pelo menos dez anos o Supremo vinha entendendo que não se tratava de matéria constitucional. A matéria vem amparada em uma jurisprudência desde o Tribunal Federal de Recursos (TFR) e posteriormente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em três súmulas entendendo a admissibilidade da cobrança. Acho que não apenas nós fomos surpreendidos. Até alguns ministros foram surpreendidos com a discussão. Eu acho que nem todos tinham compreendido a dimensão da decisão, e a evolução do julgamento desse processo mostra isso – não durou nem meia hora. Quem acompanha o Supremo sabe que quando a matéria é controvertida, os julgamentos demoram uma, duas horas, há pedidos de vista. Sem sombra de dúvida eu acho que se o Supremo mudar o entendimento sobre a matéria, haverá repercussão brutal, e não só sobre a questão específica, mas na aplicação da legislação tributária como um todo.

Valor: Como está a estratégia da Fazenda em relação à matéria?

Adams: O ministro da Fazenda Guido Mantega foi ao Supremo e conversou com a ministra Ellen Gracie (presidente do Supremo) e já estamos distribuindo memoriais aos demais ministros. O ministro Mantega pretende conversar com os outros ministros.

Valor: Há a sinalização de algum ministro que possa mudar de voto?

A mudança de decisões dos tribunais é algo com a qual temos que conviver. Faz parte da regra do jogo.”
Adams: Não, na verdade os ministros estão avaliando os memoriais. Nenhum com os quais falamos fechou a porta na questão. O fato é que acho que os ministros compreenderam a decisão que estão tomando. Por isso estão sensíveis a buscar aprofundamento e ouvir mais os argumentos que temos, assim como dos contribuintes.

Valor: O fato de o ministro Guido Mantega ter ido ao Supremo tem sido avaliado por advogados como uma interferência do Executivo no Judiciário. O que o sr. acha disso?

Adams: Eu acho isso um exagero. A rigor isso não é uma prática atípica. Muitas vezes até os próprios interessados acompanham seus advogados para falar com os ministros do Supremo. Eu acho que levar as preocupações e a identificação do impacto da decisão é algo aceitável e muitas vezes necessário. Ouvir só os argumentos jurídicos, mas não ouvir os econômicos, técnicos, científicos da matéria é desconhecer o resultado de uma decisão. Nós estamos falando de risco Brasil. O risco Brasil está associado à ausência de estabilidade na chamada regra do jogo.

Valor: O vaivém das decisões do Judiciário faz parte do risco Brasil?

Adams: A mudança de decisões dos tribunais é algo com a qual temos que conviver. Faz parte da regra do jogo. O que é importante é que quando as mudanças ocorrerem os efeitos negativos que possam ter sejam minimizados. Houve também uma grande mudança na composição do Supremo, seis novos ministros. O fato de um tribunal colocar em discussão uma matéria, procurar mudar, faz parte desse processo de maturação. O fundamental é que o tribunal, ao mesmo tempo em que respeite o valor da mudança, da evolução doutrinária, também valorize a estabilidade das relações.

Valor: O que o sr. acha da estratégia do ministro Marco Aurélio de levar matérias já pacificadas para o pleno do Supremo?

Adams: Eu acho que o ministro Marco Aurélio está exercendo o papel dele, um papel que lhe cabe como integrante do Supremo.

Valor: Por que o alargamento da base de cálculo da Cofins não foi incluído nos atos declaratórios que liberaram os procuradores de recorrer de determinadas matérias?

Adams: O principal motivo foi porque o Supremo julgou, mas não havia publicado a decisão. Nós não tínhamos a decisão e estávamos analisando a possibilidade de embargar a decisão se ainda houvesse alguma controvérsia. O segundo motivo é que, em decorrência da decisão, temos que fazer uma avaliação de repercussão econômica e jurídica. Como aplicamos a decisão, uma interpretação. Ainda estamos analisando.

Valor: Então pode ser que a PGFN ainda possa desenvolver alguma estratégia no Supremo?

Adams: Eventualmente. Nós não entramos com o embargo, mas de qualquer forma estamos fazendo a análise jurídica. Mas não temos um possível novo argumento para ser usado em um outro processo sobre o tema.

Valor: A Fazenda já sabe o impacto financeiro dessa disputa?

Adams: Não, ainda estamos estimando, porque tem evidentemente a redução do valor cobrado, mas também tem os retornos dos depósitos judiciais. Hoje são R$ 12 bilhões em depósitos de Cofins, o que inclui todas as discussões sobre a contribuição. Os depósitos não discriminam o tipo de controvérsia que os geraram.

Valor: Dentro desse estudo está incluída a discussão do caso específico das instituições financeiras?

Adams: Estamos discutindo isso com a Receita, em princípio buscando uma interpretação interna. Ainda não fechamos uma conclusão sobre o que seria o faturamento do banco.

Fonte: Valor on line

Data da Notícia: 18/09/2006 00:00:00

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