Planejamento tributário e responsabilidade
Renato Nunes – Se ainda há controvérsias sobre ser a carga tributária brasileira alta ou não, com relação a um ponto a unanimidade vem à tona: ninguém gosta de pagar tributos. É natural, portanto, que cotidianamente as pessoas, notadamente no meio empresarial, busquem alternativas para minorar ou até mesmo suprimir o ônus fiscal no dia-a-dia ou em negócios específicos. A satisfação de tal anseio normalmente é buscada mediante a conjugação de atos e negócios jurídicos, que permita a redução ou supressão de tributos, ao que se denomina, quando procedida licitamente, planejamento tributário.
Não queremos trazer à tona as correntes de pensamento sobre a interpretação de tal fenômeno, nem muito menos o trato que os tribunais, notadamente o Conselho de Contribuintes, têm dado ao assunto. Mas fato é que, quando a conjugação de atos e negócios jurídicos for ilícita, de planejamento não se cuidará. Neste caso, cumprirá à autoridade administrativa desconsiderá-la e imputar os efeitos relativamente ao fato ou fatos acobertados pelo ilícito em causa, quais sejam, a constituição do crédito tributário e aplicação da penalidade correspondente.
Interessa-nos mais de perto, para tecermos os presentes comentários, a prática de tal ilícito por meio de pessoa jurídica. Por ocasião da prática do lançamento tributário, no bojo do auto de infração, a questão que se impõe é a da sujeição passiva relativamente ao crédito tributário constituído. Um erro comum no trato do assunto é pura e simplesmente concluir-se pelo afastamento da responsabilidade da pessoa jurídica e imputá-la aos sócios ou administradores que tenham praticado os atos e negócios descaracterizados, uma vez que, enquanto ilícitos, dariam lugar à incidência do comando previsto no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN).
A questão deve ser analisada com cautela, eis que a redação do dispositivo em causa induz ao erro. Com efeito, determina tal comando que aquele que, supostamente agindo em nome de terceiro (pessoa jurídica), pratica atos ou negócios culposa ou dolosamente com excesso de poderes (contra a lei, contrato social ou estatutos, portanto), se de tal prática resultar fato gerador de tributo, responderá pessoalmente pelo crédito tributário correspondente.
Nas estruturas ilícitas consistentes em fraude, a ocorrência do fato gerador não se dá por conta do ilícito
Trocando em miúdos, entendemos que a hipótese se dá somente quando o fato gerador do tributo decorra do ilícito. E é desta forma porque, nesta situação, o sujeito que age com excesso de poderes não o faz em nome do representado, e sim em nome próprio, sendo um desdobramento natural, pois, a desconsideração da personalidade jurídica. Se o administrador de uma sociedade empresta recursos desta e o contrato social veda a prática de negócio de tal natureza, será o administrador pessoalmente responsável pelo crédito tributário do IOF/Crédito correspondente.
É diferente a situação em que uma companhia simula a emissão de debêntures com participação nos lucros. Identificada a simulação pela autoridade administrativa, esta não poderá imputar a responsabilidade pelo crédito tributário de imposto de renda que porventura não tenha sido pago em função da exclusão do lucro real da participação nos lucros atribuída ao ou aos debenturistas. E por uma simples razão: o fato gerador ocorreria de qualquer forma e foi tão-somente “acobertado” pela “participação nos lucros”, não decorreu da simulação. Os acionistas que tivessem praticado a simulação deliberando pela emissão das debêntures não responderiam pelo valor principal da dívida tributária.
Com relação às penalidades, inclusive no âmbito criminal, aí sim responderiam os autores da simulação, vis a vis o artigo 137 do Código Tributário Nacional determinar a responsabilização pessoal do agente quanto a conseqüências de infrações decorrentes de dolo específico.
Nas estruturas ilícitas, consistentes sobretudo em fraude ou simulação, mal denominadas planejamento tributário, o que verificamos normalmente é que a ocorrência do fato gerador não se dá por conta do ilícito. Nestas, não é cabível a responsabilização do sócio e/ou administrador pelo valor principal da dívida tributária correspondente. A este ou estes caberá unicamente a responsabilidade pelos juros e penalidades. O sócio ou administrador poderá responder pelo valor principal da dívida somente se praticar artifício ardil relativamente ao pagamento do crédito tributário. Há que se notar que não se trata mais de um ilícito com vistas a acobertar a ocorrência do fato gerador ou a alterar elementos da obrigação tributária, mas sim prejudicar o pagamento do crédito, mediante o locupletamento do patrimônio da pessoa jurídica, por exemplo.
Esta última hipótese de responsabilidade é mais uma vez a por infração, tratada no artigo 137 do Código Tributário Nacional, e não no artigo 135 deste diploma, como vêm erroneamente asseverando sobretudo os julgadores, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Renato Nunes é advogado e sócio do escritório Nunes e Sawaya Advogados
Não queremos trazer à tona as correntes de pensamento sobre a interpretação de tal fenômeno, nem muito menos o trato que os tribunais, notadamente o Conselho de Contribuintes, têm dado ao assunto. Mas fato é que, quando a conjugação de atos e negócios jurídicos for ilícita, de planejamento não se cuidará. Neste caso, cumprirá à autoridade administrativa desconsiderá-la e imputar os efeitos relativamente ao fato ou fatos acobertados pelo ilícito em causa, quais sejam, a constituição do crédito tributário e aplicação da penalidade correspondente.
Interessa-nos mais de perto, para tecermos os presentes comentários, a prática de tal ilícito por meio de pessoa jurídica. Por ocasião da prática do lançamento tributário, no bojo do auto de infração, a questão que se impõe é a da sujeição passiva relativamente ao crédito tributário constituído. Um erro comum no trato do assunto é pura e simplesmente concluir-se pelo afastamento da responsabilidade da pessoa jurídica e imputá-la aos sócios ou administradores que tenham praticado os atos e negócios descaracterizados, uma vez que, enquanto ilícitos, dariam lugar à incidência do comando previsto no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN).
A questão deve ser analisada com cautela, eis que a redação do dispositivo em causa induz ao erro. Com efeito, determina tal comando que aquele que, supostamente agindo em nome de terceiro (pessoa jurídica), pratica atos ou negócios culposa ou dolosamente com excesso de poderes (contra a lei, contrato social ou estatutos, portanto), se de tal prática resultar fato gerador de tributo, responderá pessoalmente pelo crédito tributário correspondente.
Nas estruturas ilícitas consistentes em fraude, a ocorrência do fato gerador não se dá por conta do ilícito
Trocando em miúdos, entendemos que a hipótese se dá somente quando o fato gerador do tributo decorra do ilícito. E é desta forma porque, nesta situação, o sujeito que age com excesso de poderes não o faz em nome do representado, e sim em nome próprio, sendo um desdobramento natural, pois, a desconsideração da personalidade jurídica. Se o administrador de uma sociedade empresta recursos desta e o contrato social veda a prática de negócio de tal natureza, será o administrador pessoalmente responsável pelo crédito tributário do IOF/Crédito correspondente.
É diferente a situação em que uma companhia simula a emissão de debêntures com participação nos lucros. Identificada a simulação pela autoridade administrativa, esta não poderá imputar a responsabilidade pelo crédito tributário de imposto de renda que porventura não tenha sido pago em função da exclusão do lucro real da participação nos lucros atribuída ao ou aos debenturistas. E por uma simples razão: o fato gerador ocorreria de qualquer forma e foi tão-somente “acobertado” pela “participação nos lucros”, não decorreu da simulação. Os acionistas que tivessem praticado a simulação deliberando pela emissão das debêntures não responderiam pelo valor principal da dívida tributária.
Com relação às penalidades, inclusive no âmbito criminal, aí sim responderiam os autores da simulação, vis a vis o artigo 137 do Código Tributário Nacional determinar a responsabilização pessoal do agente quanto a conseqüências de infrações decorrentes de dolo específico.
Nas estruturas ilícitas, consistentes sobretudo em fraude ou simulação, mal denominadas planejamento tributário, o que verificamos normalmente é que a ocorrência do fato gerador não se dá por conta do ilícito. Nestas, não é cabível a responsabilização do sócio e/ou administrador pelo valor principal da dívida tributária correspondente. A este ou estes caberá unicamente a responsabilidade pelos juros e penalidades. O sócio ou administrador poderá responder pelo valor principal da dívida somente se praticar artifício ardil relativamente ao pagamento do crédito tributário. Há que se notar que não se trata mais de um ilícito com vistas a acobertar a ocorrência do fato gerador ou a alterar elementos da obrigação tributária, mas sim prejudicar o pagamento do crédito, mediante o locupletamento do patrimônio da pessoa jurídica, por exemplo.
Esta última hipótese de responsabilidade é mais uma vez a por infração, tratada no artigo 137 do Código Tributário Nacional, e não no artigo 135 deste diploma, como vêm erroneamente asseverando sobretudo os julgadores, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Renato Nunes é advogado e sócio do escritório Nunes e Sawaya Advogados