Tributação dos depósitos bancários das pessoas físicas sob a perspectiva da teoria das provas

Jefereson Roberto Nonato

Vamos direto ao tema transcrevendo partes de um julgamento, acontecido em 2010 no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, envolvendo depósitos bancários de pessoas físicas. Além da ementa do julgado, será de grande valia observar os fundamentos do voto vencedor. Eis o que de perto nos interessa:

MINISTÉRIO DA FAZENDA
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS
SEGUNDA SEÇÃO DE JULGAMENTO
Processo nº 16327.000134/00-70
Recurso nº 173.749 Voluntário
Acórdão nº 2102-00.683 – 1ª Câmara/ 2ª Turma Ordinária
Sessão de 17 de junho de 2010
Matéria 1RPF
Recorrente:(…)
Recorrida FAZENDA NACIONAL
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA IRPF
Exercício: 1996, 1997
CALENDÁRIO 1996. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. REGIME PRETÉRITO AO ART.. 42 DA LEI Nº 9,430/96. IMPOSSIBILIDADE DOS DEPÓSITOS BANCÁRIOS FIGURAREM COMO DISPÊNDIO EM FLUXO DE CAIXA QUE APUROU ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO.
Os depósitos bancários, em si mesmos, não podem figurar como dispêndio em fluxo de caixa que apura acréscimo patrimonial a descoberto. A autoridade fiscal deve investigar os dispêndios, comprovando que eles favoreceram o contribuinte por consumo, acréscimo patrimonial ou beneficio diverso. Ademais, no regime do art. 6º, § 5º, da Lei n" 8.021/90, caso se quisesse considerar o arbitramento dos depósitos como rendimentos omitidos, igualmente mister comprovar a utilização dos valores depositados como renda consumida, evidenciando sinais exteriores de riqueza, visto que os depósitos bancários não constituem fato gerador do imposto de renda por não caracterizar disponibilidade econômica de renda e proventos.
Recurso provido.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em DAR provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
EDITADO EM 30/07/2010

Voto

Conselheiro Giovanni Christian Nunes Campos, Relator.
"((…))
Agora, passa-se a apreciar a controvérsia no tocante ao acréscimo patrimonial do ano-calendário 1996.
A autoridade fiscal intimou o fiscalizado a comprovar a natureza da operação que deu origem à emissão dos dois cheques que tiveram como beneficiários o contribuinte e sua esposa, nos montantes respectivos de R$….e R$…., sacados contra o banco Beron e depositados em contas bancárias do fiscalizado e esposa no banco Daycoval. A justificativa de que tais valores eram provenientes de empréstimo levantado junto ao corretor FULANO, pago durante o ano de 1996, não foi acatada. Não houve intimação ao corretor para comprovar a operação.((…))
Mais uma vez laborou em equivoco a autoridade autuante. Pelo que consta dos autos, restou comprovado que o recurso entrou nas contas bancárias do fiscalizado e de sua esposa, e, assim, utilizando a metodologia do fluxo de caixa para apuração de acréscimo patrimonial a descoberto, jamais a entrada poderia ser considerada apenas na linha do dispêndio. Na verdade, tais valores, obrigatoriamente, teriam que ser considerados como receitas, exceto se ficasse comprovado que o recurso não beneficiou o fiscalizado.
A autoridade fiscal, ao registrar os dois cheques depositados nas contas bancárias do contribuinte e de sua esposa como dispêndio, terminou por considerar os depósitos bancários como oriundos de fonte não comprovada, implicando em uma presunção de omissão de rendimentos. Ora é cediço que a presunção de omissão de rendimentos, caracterizada por depósitos bancários de origem não comprovada, somente veio a lume com o art. 42 da Lei nº 9.430/96, a qual não pode retroagir seus efeitos para o ano-calendário 1996, quando vigia a Lei n" 8,021/90, como feito pela autoridade fiscal.
A autoridade lançadora até não considerou os depósitos diretamente como rendimentos omitidos, pois utilizou um subterfúgio ao imputá-los como dispêndio decorrente de uma aplicação financeira. Porém, em essência, o procedimento foi o mesmo que considerar os depósitos como rendimentos omitidos, pois, ao considerá-los como dispêndios, no mês de janeiro de 1996, terminou por haver um estouro no caixa exatamente neste mês, em valor quase idêntico à soma dos cheques. A vingar tal procedimento, em qualquer fluxo de caixa, que apurasse acréscimo patrimonial a descoberto em período pretérito a 1997, bastaria registrartodos os depósitos bancários, de origem não comprovada, como dispêndios, implicando em uma tributação de forma mascarada dos depósitos bancários, antes do art. 42 da Lei n" 9.430/96, o que não pode ser acatado.
O procedimento perpetrado pela autoridade autuante não é aceitável, pois a metodologia do fluxo de caixa,em si mesma, parte da presunção legal de omissão de rendimentos caracterizada pelo excesso de aplicações sobre as fontes de recursos, prevista no art.3º § 1º (parte final) da Lei nº 7.713/88, ou seja, tem que se ter certeza sobre as origens e especificamente sobre as aplicações de recursos do fluxo de caixa. E os dispêndios devem ser valores que favoreceram o fiscalizado, quer por consumo, quer por aumento patrimonial, quer por qualquer outro beneficio. Ora, ao se registrar os créditos bancários (ou aplicação financeira) como dispêndios, a autoridade fiscal presumiu que tais valores favoreceram o recorrente, quer por consumo, quer por aumento patrimonial ou qualquer outra forma. Ocorre que não se comprovou nos autos como tais valores podem ter beneficiado o contribuinte, inclusive porque sequer constaram como aplicação financeira no final do ano-calendário. Na prática, foi utilizada uma segunda presunção para ativação do dispêndio referente aos depósitos bancários, sem base legal, para estribar a presunção de omissão de rendimentos do art. 3º, § 1º, da lei nº 7.713/88, o que não pode ser acatado, já que uma presunção legal de omissão de rendimento não pode ser alicerçar em outra presunção, exceto se ambas estiverem previstas em lei.
Ademais, registre-se, a tributação dos depósitos bancários na vigência da Lei decaída nº 8.021/90 jamais pôde ser utilizada apenas com o cômputo dos depósitos como rendimentos omitidos, sem qualquer investigação sobre tais depósitos, sendo sempre necessário comprovar o beneficio que o contribuinte auferiu com eles (consumo ou acréscimo patrimonial, evidenciando sinal exterior de riqueza), como se podem ver nos arestos abaixo:
Acórdão nº CSRF/01-04.956, relatar o Conselheiro José Ribamar Barros Penha, sessão de 13/04/2004
IRPF- OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS.
Na vigência da Lei nº 8.021, de 1990, os depósitos bancários para que sejam considerados omissão de rendimentos, fato gerador do Imposta de Renda, deve ser comprovado o nexo causal entre cada depósito e o fato que represente referida omissão.
Recurso da Fazenda Nacional não conhecido.
Recurso do Sujeito Passivo provido (grifou-se)
Acórdão nº 102-46.104 relator o Conselheiro José Oleskovic; ssessão de 09/09/200.
IRPF – ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO -SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA- ARBITRAMENTO COM BASE EM DEPÓSITOS BANCÁRIOS NA VIGÊNCIA DA LEI Nº8.021/90 – INEXISTÊNCIA –
No arbitramento, em procedimento de ofício, efetuado com base em depósitos bancários nos termos do §5º, do Ar. 6º, da Lei n" 8.021, de 1990, éimprescindível que seja comprovada a utilização dos valores depositados como renda consumida, evidenciando sinais exteriores de riqueza, visto que, por si só, depósitos bancários não constituem fato gerador do imposto de renda por não caracterizar disponibilidade econômica de renda e proventos. Olançamento assim constituído só é admissível quando ficar comprovado o nexo causal entre o depósito e o fato que representa omissão de rendimentos, devendo-se efetuar acomparação entre os arbitramentos com base em depósitos bancários e na renda consumida, para adotar-se modalidade mais favorável ao contribuinte. Entretanto, a utilização apenas dos saldos mensais das contas correntes bancárias informados pelo contribuinte como receita,se devedor, ou aplicação, se credor, na apuração mensal da evolução patrimonial, não constitui arbitramento de rendimentos com base em depósito bancários.(grifou-se).
Dessa forma Os dois cheques que tiveram como beneficiários o contribuinte e sua esposa, nos montantes respectivos de R$….e R$(…), sacados contra o banco Beron e depositados em contas bancárias do fiscalizado e esposa no banco Daycoval, não podem ser considerados no fluxo de caixa que apurou o acréscimo patrimonial a descoberto do ano-calendário 1996. Afastado o dispêndio acima, soçobra o acréscimo patrimonial a descoberto do ano-calendário 1996. Ante o exposto, voto no sentido de DAR provimento ao recurso."
Sala das Sessões, em 17 de junho de 2010
Giovanni Christan Nunes Campo

O que se pode extrair deste julgado e das disciplinas envolvidas:

PRIMEIRO: Os depósitos bancários, por eles mesmos, não constituem fato gerador do Imposto de Renda por não representarem aquisição de disponibilidade de renda ou proventos de qualquer natureza. Confirma-se no julgado o que previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional.

SEGUNDO: Quando os depósitos bancários implicarem em aumento patrimonial, em renda consumida ou em benefício de qualquer ordem da pessoa física, passam eles a revelar a disponibilidade econômica da renda. Portanto o suporte fático da tributação não é o depósito bancário em si, mas sim o acréscimo patrimonial, a renda consumida ou o benefício de qualquer ordem, tal qual, o pagamento de uma obrigação, por exemplo.

TERCEIRO: Nos termos do art. 142 do CTN, é de competência exclusiva do agente lançador, identificar a renda consumida, o aumento da riqueza ou benefício econômico de qualquer ordem. Para tanto a autoridade lançadora dispõe de uma gama de recursos processuais, emanados no universo jurídico das provas, para cumprir suas responsabilidades processuais.

QUARTO: Dentre os recursos processuais, postos à disposição dos agentes lançadores do Imposto de Renda, estão as presunções legais relativas, que atuam na fase de investigatória do procedimento de lançamento de ofício. Estas presunções vêm ao mundo jurídico, na forma de lei ordinária, como regra processual, ou seja, sem implicar em qualquer alteração do direito material. Como toda a presunção, ainda que estabelecida em lei, deve a norma processual guardar estreita relação entre o fato tomado como indiciário e sua consequência lógica, a fim de que se realize o primado básico de se partir de um fato conhecido para se provar um fato desconhecido. Destarte, quando o Fisco recorre a uma presunção legal tem o dever de provar o fato indiciário, cabendo ao contribuinte provar que o fato acontecido não foi aquele presumido em lei. Na espécie verifica-se uma verdadeira repartição do ônus probandi.

QUINTO: No caso dos depósitos bancários, antes da Lei nº 9.430/96, vigia a presunção legal constante do §5º do art. 6º da Lei nº 8.021/90. Esta disciplina de prova, já substituída, exigia do operador do direito uma sequência lógica de atos na determinação do critério jurídico ajustado à situação concreta (norma individual e concreta). De plano era preciso coligir os sinais exteriores de riqueza e confrontá-los com a renda disponível declarada. Entre outros sinais exteriores de riqueza estavam os depósitos bancários. Depois disso, dava-se início a uma elaboração técnica de quantificação do valor tributável, fundada na autorização normativa do arbitramento; era empregado, nesta fase, um modelo semelhante ao do fluxo de caixa, no qual se fazia a análise das origens e das aplicações dos recursos que transitaram pelo patrimônio do fiscalizado. Restando ao final do trabalho, patrimônio a descoberto (estouro de caixa) tomava-se tal valor como valor a ser tributado. Tem-se, ainda, que por imposição de lei, adotava-se a técnica de quantificação mais favorável ao contribuinte.

SEXTO: Embora a velha disciplina autorizasse a inserção dos depósitos bancários no fluxo de caixa, era dever do Fisco provar que o contribuinte foi beneficiado pelos recursos depositados em sua conta corrente. A velha presunção legal tomava como fato indiciário o conceito fechado de "sinal exterior de riqueza" como sendo a realização de gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte (§1º do art. 6º da Lei nº 8.021 de 1.990). Portanto, o benefício do contribuinte era condição "sine qua non" para a aplicação da norma presuntiva.

SÉTIMO: No emprego da velha presunção legal importava ao Fisco verificar não só os depósitos bancários, mas, também, os saques bancários para buscar o benefício econômico do fiscalizado, como ficou assentado no julgamento ora confrontado.

OITAVO: O inciso XVIII do art. 88 da Lei nº 9.430/96 revogou §5º do art. 6º da Lei nº 8.021 de 1.990, ou seja, os depósitos bancários deixaram de fazer parte da disciplina probatória referente aos sinais exteriores de riqueza. No entanto o art. 87 da mesma lei determinava que a partir de 1º de janeiro de 1.997 entrava em vigor a nova regra processual constante do art. 42 da Lei nº 9.430/96 que também versava sobre modalidade de prova em caso de depósito bancário. No ponto, s.m.j., equivocou-se o relator do voto vencedor quando afirmou que as disposições do art. 42 não poderiam retroagir para fatos pretéritos a 1.997. Em verdade qualquer procedimento fiscal iniciado a partir de 1º de janeiro de 1.997, ainda que referente a períodos de apuração anteriores, poderia se valer da nova norma processual, "ex vi" do disposto no §1º do art. 144 do CTN, por se tratar de norma adjetiva e não substantiva, desde que o critério jurídico empregado fosse ostensivamente declinado pelo agente lançador.

NONO: A introdução, no ordenamento,do art. 42 da Lei 9.430 de 1.996 não implicou em alteração do regime tributário das pessoas físicas, e muito menos implicou em equiparação dos depósitos bancários à renda, como se fosse uma ficção jurídica. Simplesmente houve modificação no recurso processual probatório posto à disposição do Fisco. Vejamos os exatos dizeres da nova disciplina probatória:

Seção IV
Omissão de Receita
Depósitos Bancários
Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.
§ 1º O valor das receitas ou dos rendimentos omitido será considerado auferido ou recebido no mês do crédito efetuado pela instituição financeira.
§ 2º Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.
§ 3º Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão analisados individualizadamente, observado que não serão considerados:
I – os decorrentes de transferências de outras contas da própria pessoa física ou jurídica;
II – no caso de pessoa física, sem prejuízo do disposto no inciso anterior, os de valor individual igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), desde que o seu somatório, dentro do ano-calendário, não ultrapasse o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais). (Alterado pela Lei nº 9.481, de 13.8.97)
§ 4º Tratando-se de pessoa física, os rendimentos omitidos serão tributados no mês em que considerados recebidos, com base na tabela progressiva vigente à época em que tenha sido efetuado o crédito pela instituição financeira.
§ 5º Quando provado que os valores creditados na conta de depósito ou de investimento pertencem a terceiro, evidenciando interposição de pessoa, a determinação dos rendimentos ou receitas será efetuada em relação ao terceiro, na condição de efetivo titular da conta de depósito ou de investimento.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 6º Na hipótese de contas de depósito ou de investimento mantidas em conjunto, cuja declaração de rendimentos ou de informações dos titulares tenham sido apresentadas em separado, e não havendo comprovação da origem dos recursos nos termos deste artigo, o valor dos rendimentos ou receitas será imputado a cada titular mediante divisão entre o total dos rendimentos ou receitas pela quantidade de titulares.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

DÉCIMO: Agora existe um novo, e singular, rito probatório para os depósitos bancários e aplicações financeiras. Não mais se exige a construção de fluxos de análise de origens e aplicações de recursos da pessoa física. Porém, como toda presunção legal, a nova regra também exige, de quem a emprega, proficiência na adequação dos meios empregados e dos fins visados, em rigorosa observação do princípio da proporcionalidade, difuso por todo nosso sistema jurídico. Por isso, certas restrições, ao emprego da presunção, já vieram expressas na própria norma.

DÉCIMO PRIMEIRO: Com toda sapiência o legislador ordinário fez importante distinção no emprego da presunção, que reside na segregação da figura da interposta pessoa. Como a regra impõe ao titular da conta certa carga do dever de provar, o legislador ordinário advertiu o Fisco no sentido de considerar as situações de interposição legítima, ou ilegítima, de pessoas. A interposição ilegítima de pessoa é o caso de ocorrência da figura conhecida como "laranja" (aquele que empresta o nome); todavia existem diversas situações de interposição legítima de pessoas, como por exemplo, o filho que administra recursos de pais idosos, o empresário que atua em prol da pessoa jurídica que representa, ou ainda o funcionário que mantém em conta de sua titularidade valores que pertencem ao caixa pequeno da empresa em que trabalha (instituto da fidúcia). Vê-se assim que a mera circunstância da titularidade da conta bancária é insuficiente ao emprego da presunção, na forma como posta em Lei. Titularidade de conta bancária, por si só, não equivale à propriedade dos recursos depositados. Cabe ao Fisco fazer esta distinção, eis que a lei expressa a obrigação da identificação do "efetivo titular" (expressão constante do §5º), pois os contratos de depósito bancário, por si só, não são oponíveis ao Fisco.

DÉCIMO SEGUNDO: A prova direta prevalece sobre a indireta. Infere-se do disposto no §2º do art. 42 da Lei nº 9.430/96 que o fato real conhecido, ainda que não declarado, se sobrepõe ao fato presumido. Assim, se certo depósito bancário teve por origem rendimento proveniente de um ganho de capital na alienação de bens, a tributação deverá recair sobre esta operação, fundamentada em seu próprio regime tributário e não como omissão de receita presumida.

DÉCIMO TERCEIRO: Decorre ainda do disposto no citado §2º que o agente lançador não pode deixar de ignorar os esclarecimentos prestados durante a fiscalização, afirmando que a presunção legal lhe autorizaria exigir toda e qualquer prova, ainda que produzida por terceiros. A situação é recorrente em casos de fiscalização de pessoas físicas empresárias, que justificam seus depósitos bancários apontando, como fontes dos recursos, a empresa da qual participam. Quando for possível o acesso do Fisco a tal empresa, indicada como fonte dos recursos, não pode o agente lançador deixar de investigar a licitude da transferência dos recursos da jurídica para a física, imaginando que o contribuinte investigado teria a obrigação de atuar contra si próprio, e como se fosse delegado, auxiliar do agente lançador, perante terceiros na relação processual. É hábil e idônea a declaração prestada pelo investigado, pessoa física, afirmando que os recursos usados no depósito bancário vieram da pessoa jurídica a ele vinculada.

DÉCIMO QUARTO: Outra delicada questão, presente nesta especial modalidade probatória, diz respeito à análise individuada dos depósitos bancários. A primeira dedução que se pode extrair do texto legal é que o legislador empregou a redação do § 3º para conduzir o intérprete à observação das restrições postas nos incisos I e II do mesmo parágrafo, ou seja, identificar e excluir as transferências bancárias e não se valer da presunção em casos imateriais. No entanto o que a regra impõe não é só isso; ela exige uma análise específica para cada crédito. Em outras palavras: aquele que se vale da presunção legal deve expor, na forma de análise, todas as razões que o levaram a presumir a omissão de rendimentos. Este arrazoado pode ser simples quando acontece de o fiscalizado, ainda que intimado, permanecer no silêncio e não cumprir sua carga no dever de provar. Todavia toda e qualquer oposição feita pelo intimado não pode ser ignorada sob o falso argumento de que o fiscalizado não apresentou "documentação hábil e idônea" sem a devida especificação do que seria hábil e idôneo para cada crédito em debate. Estes conceitos, de documento hábil e de documento idôneo, são metajurídicos, na seara tributária, e dependem do cenário das ocorrências para sua perfeita compreensão. Qual o documento hábil e idôneo que se pode exigir de um noivo que recebeu um crédito em sua conta corrente bancária como presente de casamento? Seria o convite? Seria a Certidão de Casamento? Seria um contrato de doação?

DÉCIMO QUINTO: Existem diversas presunções legais relativas em nosso sistema jurídico tributário. Parte delas surgiram com a experiência reiterada da própria atividade de fiscalização, como são os casos do saldo credor de caixa, do passivo falso, do suprimento não comprovado de caixa, das compras omitidas e dos sinais exteriores de riqueza. Em regra todas elas se perpetram mediante certa e adequada técnica de quantificação do valor a ser juridicamente consagrado como valor tributável. Em comum nestas presunções está a situação de que o operador do direito determina o ato ou fato de relevância jurídica e dele extrai o valor tributável por decorrência. Assim uma duplicata paga e não baixada redunda em passivo falso no próprio valor da duplicata; quando se parte para o refazimento da conta caixa e se depara com vários saldos credores, o valor tributável será o maior saldo credor porque em sendo ele tributado todos os demais estarão automaticamente incorporados. Este fenômeno não ocorre com a presunção legal estatuída no art. 42 da Lei nº 9.430/96. Equivocam-se aqueles que entendem que o comando normativo para análise individuada dos depósitos bancários equivale a dizer que o valor tributável, em certo período de apuração, seria a soma algébrica de todos os depósitos analisados e tidos por não comprovados. Sem considerações de outras ordens esta forma de interpretar a Lei poderia desaguar em absurdo jurídico, o que por si só já condena a interpretação. O absurdo jurídico pode decorrer da própria dinâmica que envolve uma conta bancária que retrata depósitos e saques de forma contínua, à semelhança do que ocorre com a conta "estoques" de uma pessoa jurídica. Em palavras mais singelas: os recursos empregados em um segundo depósito podem englobar recuperação do custo implícito no saque precedente e assim por diante. Exemplifiquemos com o caso de uma pessoa física que opere em bolsa de valores comprando e vendendo ações através de uma corretora vinculada a banco comercial que controla os recursos financeiros do investidor em sua própria conta bancária, mantida no banco comercial. Ora a simples não apresentação de "documentação hábil e idônea" para cada depósito não pode autorizar a tributação da somatória de todos os depósitos, se o agente lançador tomar conhecimento de que os depósitos tiveram origem em operações de venda de ações em bolsa de valores. A presunção legal não pode ser empregada como norma penal e nem mesmo como norma material. Existem muitas atividades, legais e ilegais, exercidas por pessoas físicas, que implicam em inúmeros saques e depósitos bancários que circundam certo valor de capital necessário àquela atividade. É este capital que reflete o patrimônio da pessoa e não a somatória dos depósitos. Por isso mesmo a interpretação da norma processual não pode estar dissociada do que previsto no §1º do art. 145 de nossa Carta Magna que determina a identificação do patrimônio, da renda e da atividade do contribuinte, até mesmo para o legislador ordinário, quanto mais para o agente lançador.

DÉCIMO SEXTO: A busca da verdade material prevalece no processo administrativo fiscal. O princípio da verdade material norteia os atos preparatórios do lançamento e influem no próprio julgamento das disputas processuais. Frente a este princípio, filiamo-nos à corrente perfilada por aqueles que entendem ser incabível o recurso à presunção constante do art. 42 da Lei nº 9.430/96 quando a Receita Federal do Brasil for depositária do Sigilo Bancário do fiscalizado. O agente lançador que dispõe do sigilo bancário para a execução de seu poder dever não pode presumir o benefício econômico do contribuinte, quando não houver impedimento legal para perseguir a verdade material. Assim devem ser verificados os saques, feitos os rastreamentos necessários e outros atos de gênero, que importem no descortinamento dos ilícitos. Deve o intérprete estar atento ao fato que quando da edição da Lei nº 9.430 de 1.996 não havia sido editada a Lei Complementar nº 105 de 2.001. No plano histórico existiam limitações ao poder de investigar que desapareceram com a edição da lei complementar. Não é nada razoável que se colha um rol de depósitos bancários, por meio das Requisições de Movimentação Financeira – as RMF-, e se intime o contribuinte para provar a origem de depósito por depósito, sabendo-se que as pessoas físicas estão desobrigadas de fazer escrituração de seu movimento financeiro. Também não é razoável imaginar-se que a presunção legal em foco teve como "ratio legis" facilitar ou abreviar o trabalho do Fisco.

Conclusão

Por todo o exposto, ainda que se acate a constitucionalidade material do art. 42 da Lei nº 9.430 de 1.996, há tal preceito de ser interpretado conforme os ditames de nossa Constituição Federal, afim de que não se ultrapasse os limites do poder de tributar a renda e os proventos auferidos pelas pessoas físicas. A lei pode ser constitucional quando posta "in abstrato", porém pode haver inconstitucionalidade "in concreto" quando o agente lançador insistir na interpretação literal da norma, aplicá-la de forma desproporcional ao caso concreto, ou ainda, dela se valer para simplesmente facilitar seu trabalho.

Jefereson Roberto Nonato

Graduado pela EASP/FGV. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado com especialidade no sistema financeiro. Instrutor da ESAF. Consultor tributário com especialidade no IRPJ.

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