Artigo: CND se Tornou Instrumento de Arrecadação do Estado
por Carina Miriam Barbosa Ferreira
A afirmação da Receita Federal acerca da suposta simplicidade no processo para obtenção da Certidão Negativa de Débitos conjunta reflete na verdade uma opinião simplista e obtusa da questão. Reduzir o tormentoso processo para obtenção da certidão conjunta ao número de certidões emitidas pela internet é ignorar a ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional para reconhecer a suspensão da exigibilidade de um crédito em discussão na esfera judicial. Ademais, a tarefa exige do contribuinte o árduo esforço em convencer as autoridades fiscais em cumprir as disposições legais, no que estas socorrem ao contribuinte.
O sistema de obtenção das CNDs pode mesmo ter facilitado a vida de pequenas empresas, que não possuem vários estabelecimentos ou uma intricada gama de tributos para recolher. No caso de empresas maiores, que não podem fazer uso do modo simplificado de recolhimento de tributos, ou que em razão de complexas operações comerciais e produtivas estão sujeitos ao cumprimento de várias obrigações acessórias, tais facilidade em pouco auxiliam.
O argumento da Fazenda de que a CND é um instrumento moralizador também não encontra guarida na realidade. A razão de não obtenção de CND, muitas vezes, tem muito mais a ver com questões como a falta de registro de pagamentos efetuados dentro do prazo e o retorno de dívidas já quitadas à lista de pendências, do que com eventual sonegação.
Solicitada a CND pela internet, e verificado qualquer impedimento, o contribuinte é orientado a dirigir-se a uma das unidades da Receita Federal ou da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nestes órgãos, relevando-se o atendimento que é aviltante, tem início a luta para comprovação da regularidade do contribuinte.
Nesta fase do processo, a burocracia, a ineficiência e a morosidade emperram a vida do contribuinte. Negócios são perdidos, atos societários deixam de ser realizados, empréstimos deixam de ser obtidos, enfim, o contribuinte sofre toda a sorte de prejuízos.
Dificilmente uma CND é obtida num prazo inferior a 30 dias e há casos em que o processo se arrasta por meses. Para encurtar os prazos, a saída de muitas companhias é recorrer à Justiça, por meio medidas judiciais, abarrotando os tribunais com Mandados de Segurança para obtenção das certidões.
Como exemplo, podemos citar os percalços causados por divergências em relação a débitos inferiores a R$ 10, uma vez que não é possível pagar um documento de arrecadação federal (Darf) cujo valor seja menor que esse. Com isso, se há uma dívida pendente abaixo de R$ 10 e a empresa decide quitá-la para acelerar a obtenção da CND, só é possível pagar no mínimo esses R$ 10.
O problema é que, em virtude da divergência entre os valores — o que foi pago e o que consta no controle oficial —, o sistema da Receita não conseguirá efetuar o cruzamento das informações para encerramento da pendência. Por este simples fato, percebe-se que a simplicidade no processo de obtenção da CND só se verifica em condições às quais está sujeito um pequeno número de contribuintes.
A obtenção de CND tornou-se algo tão tormentoso que inúmeras companhias empregam funcionários exclusivamente para cuidar do problema, já que se trata de um pré-requisito legal para a habilitação em licitações e concorrências públicas e para a obtenção de financiamentos e empréstimos em bancos oficiais, por exemplo. Se tal procedimento fosse simples como quer fazer crer o Fisco, tal situação não ocorreria.
Exigida cada vez mais nas mais variadas operações societárias e comerciais, a CND tornou-se uma forma assaz eficaz de o Estado aumentar sua arrecadação e desestimular a discussão dos débitos pelo contribuinte na esfera judicial e administrativa.
Carina Miriam Barbosa Ferreira: é advogada, da equipe paulista do escritório Carlos Antonio dos Santos & Advogados Associados.
A afirmação da Receita Federal acerca da suposta simplicidade no processo para obtenção da Certidão Negativa de Débitos conjunta reflete na verdade uma opinião simplista e obtusa da questão. Reduzir o tormentoso processo para obtenção da certidão conjunta ao número de certidões emitidas pela internet é ignorar a ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional para reconhecer a suspensão da exigibilidade de um crédito em discussão na esfera judicial. Ademais, a tarefa exige do contribuinte o árduo esforço em convencer as autoridades fiscais em cumprir as disposições legais, no que estas socorrem ao contribuinte.
O sistema de obtenção das CNDs pode mesmo ter facilitado a vida de pequenas empresas, que não possuem vários estabelecimentos ou uma intricada gama de tributos para recolher. No caso de empresas maiores, que não podem fazer uso do modo simplificado de recolhimento de tributos, ou que em razão de complexas operações comerciais e produtivas estão sujeitos ao cumprimento de várias obrigações acessórias, tais facilidade em pouco auxiliam.
O argumento da Fazenda de que a CND é um instrumento moralizador também não encontra guarida na realidade. A razão de não obtenção de CND, muitas vezes, tem muito mais a ver com questões como a falta de registro de pagamentos efetuados dentro do prazo e o retorno de dívidas já quitadas à lista de pendências, do que com eventual sonegação.
Solicitada a CND pela internet, e verificado qualquer impedimento, o contribuinte é orientado a dirigir-se a uma das unidades da Receita Federal ou da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nestes órgãos, relevando-se o atendimento que é aviltante, tem início a luta para comprovação da regularidade do contribuinte.
Nesta fase do processo, a burocracia, a ineficiência e a morosidade emperram a vida do contribuinte. Negócios são perdidos, atos societários deixam de ser realizados, empréstimos deixam de ser obtidos, enfim, o contribuinte sofre toda a sorte de prejuízos.
Dificilmente uma CND é obtida num prazo inferior a 30 dias e há casos em que o processo se arrasta por meses. Para encurtar os prazos, a saída de muitas companhias é recorrer à Justiça, por meio medidas judiciais, abarrotando os tribunais com Mandados de Segurança para obtenção das certidões.
Como exemplo, podemos citar os percalços causados por divergências em relação a débitos inferiores a R$ 10, uma vez que não é possível pagar um documento de arrecadação federal (Darf) cujo valor seja menor que esse. Com isso, se há uma dívida pendente abaixo de R$ 10 e a empresa decide quitá-la para acelerar a obtenção da CND, só é possível pagar no mínimo esses R$ 10.
O problema é que, em virtude da divergência entre os valores — o que foi pago e o que consta no controle oficial —, o sistema da Receita não conseguirá efetuar o cruzamento das informações para encerramento da pendência. Por este simples fato, percebe-se que a simplicidade no processo de obtenção da CND só se verifica em condições às quais está sujeito um pequeno número de contribuintes.
A obtenção de CND tornou-se algo tão tormentoso que inúmeras companhias empregam funcionários exclusivamente para cuidar do problema, já que se trata de um pré-requisito legal para a habilitação em licitações e concorrências públicas e para a obtenção de financiamentos e empréstimos em bancos oficiais, por exemplo. Se tal procedimento fosse simples como quer fazer crer o Fisco, tal situação não ocorreria.
Exigida cada vez mais nas mais variadas operações societárias e comerciais, a CND tornou-se uma forma assaz eficaz de o Estado aumentar sua arrecadação e desestimular a discussão dos débitos pelo contribuinte na esfera judicial e administrativa.
Carina Miriam Barbosa Ferreira: é advogada, da equipe paulista do escritório Carlos Antonio dos Santos & Advogados Associados.