Regras contábeis e questões fiscais
Edison C. Fernandes – Em junho de 2006 o Financial Accounting Standards Board (FASB), órgão responsável pelas regras contábeis nos Estados Unidos, divulgou a Interpretação n° 48 – a FIN 48 – sobre a contabilização de situações tributárias incertas, prevista para entrar em vigor a partir de 2007. Embora tais regras sejam aplicadas, de maneira coativa, às empresas desse país, tendo em vista primeiro a influência da economia estadunidense na economia internacional e, depois, a dispersão de capital dessa origem nos mais diversos países e, por fim, o impacto do caso Enrol para todo o planeta, a FIN 48 está sendo estudada por auditores independentes de muitas nacionalidades. Dessa forma, não será exagero concluirmos que, assim como ocorreu no caso da Sarbanes-Oxley Act, a FIN 48 também será uma referência para a governança corporativa.
Em breves palavras, a FIN 48 trata do reconhecimento, nas demonstrações financeiras e da mensuração do que chamou de tax position, da qual poderá resultar permanente redução do imposto sobre a renda, diferimento desse mesmo imposto ou redução da expectativa de aproveitamento de benefícios fiscais. Cuidou essa interpretação, então, de estabelecer padrões para o reconhecimento de benefícios relacionados ao imposto sobre a renda, e o fez adotando a idéia de “probabilidade acima de 50% de chances de êxito” (more-likely-than-not recognition threshold), baseada em critérios técnicos (technical merits). À primeira vista, a referência a tais critérios pode induzir à análise meramente técnica da situação tributária, quer por parte dos consultores ou dos auditores. Porém, a verificação dos critérios técnicos implica na consideração da situação particular de redução da carta tributária, na consideração de que as autoridades fiscais tiveram acesso a todas as informações relevantes sobre a operação realizada, e se a operação foi realizada considerando os precedentes das autoridades fiscais, bem como, se for o caso, de precedentes judiciais.
Cumprido o “more-likely-than-not recognition threshold”, os ganhos fiscais, inclusive oriundos de planejamento tributário, depois de mensurados serão reconhecidos contabilmente pelas empresas. Conquanto a FIN 48 privilegie o reconhecimento e a mensuração dos benefícios fiscais (contingências ativas), também tratou das contingências passivas. E, nesse último caso, previu sua reversão quando o benefício representar uma obrigação futura potencial, devendo ser incluídas as penalidades cabíveis (multa e juros).
Como dissemos, o padrão previsto na FIN 48 pode vir a influenciar a divulgação das demonstrações financeiras em diversos países, inclusive no Brasil. Porém, no início de 2006 o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) divulgou as regras brasileiras sobre o reconhecimento de contingências ativas e passivas – a Resolução n° 1.066 – NBC T 19.7 – que, embora se aproxime das regras estadunidenses, delas diferem em pontos importantes. A primeira diferença relevante reside nos parâmetros para avaliação da probabilidade dos eventos tributários. A FIN 48 praticamente estabelece dois padrões: maior ou menor que 50%. Já a Resolução n° 1.066 – NBC T 19.7 determina quatro critérios: praticamente certo, provável, possível e remota. Além disso, as normas brasileiras fazem distinção entre contingência e provisão, cuja importância está no tratamento contábil de cada uma delas.
A contingência passiva é uma possível obrigação cuja existência será confirmada pela ocorrência ou não de um evento futuro, alheio ao controle da empresa, ou uma obrigação de liquidação improvável ou cujo valor não possa ser mensurado com suficiente segurança. Essa contingência não deve ser registrada nas demonstrações financeiras, mas será divulgada no caso de sua realização ser possível ou mesmo provável, desde que mensurável com suficiente segurança. A provisão, por sua vez, verifica-se quando a empresa (1) tem uma obrigação legal ou não-formalizada como conseqüência de evento futuro; (2) de provável realização e, concomitantemente; e (3) o respectivo valor possa ser estimado com suficiente segurança. Constatados, simultaneamente, esses três requisitos, a obrigação deverá ser provisionada, o que significa dizer, reconhecida nas demonstrações financeiras e com impacto no resultado da empresa – e, por decorrência, na distribuição de dividendos aos sócios.
No que diz respeito à contingência ativa, trata-se de um possível ativo tributário, decorrente, por exemplo, de planejamento tributário, aproveitamento de incentivos fiscais ou discussão administrativa ou judicial, relacionado a um evento passado, cuja existência será confirmada pela ocorrência ou não de um evento futuro alheio ao controle da empresa. A ocorrência de evento futuro pode ser, também como exemplos, a constatação de cumprimento das condições legais para o gozo de um benefício fiscal ou a não ocorrência de um procedimento de fiscalização e a conseqüente lavratura de um auto de infração (decurso do prazo de decadência), no caso de planejamento tributário. Em obediência à convenção contábil do conservadorismo, a contingência ativa não deve ser reconhecida nas demonstrações financeiras (e, por conseqüência, no resultado da empresa), salvo se praticamente certa (a empresa tem domínio sobre a ocorrência do evento futuro ou já há decisão favorável, administrativa ou judicial, contra a qual não cabe mais recurso). Porém, no caso de a contingência ativa ser provável, ela poderá ser divulgada em notas explicativas.
Edison C. Fernandes é advogado, sócio do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados e professor da Universidade Mackenzie e da GVLaw
Em breves palavras, a FIN 48 trata do reconhecimento, nas demonstrações financeiras e da mensuração do que chamou de tax position, da qual poderá resultar permanente redução do imposto sobre a renda, diferimento desse mesmo imposto ou redução da expectativa de aproveitamento de benefícios fiscais. Cuidou essa interpretação, então, de estabelecer padrões para o reconhecimento de benefícios relacionados ao imposto sobre a renda, e o fez adotando a idéia de “probabilidade acima de 50% de chances de êxito” (more-likely-than-not recognition threshold), baseada em critérios técnicos (technical merits). À primeira vista, a referência a tais critérios pode induzir à análise meramente técnica da situação tributária, quer por parte dos consultores ou dos auditores. Porém, a verificação dos critérios técnicos implica na consideração da situação particular de redução da carta tributária, na consideração de que as autoridades fiscais tiveram acesso a todas as informações relevantes sobre a operação realizada, e se a operação foi realizada considerando os precedentes das autoridades fiscais, bem como, se for o caso, de precedentes judiciais.
Cumprido o “more-likely-than-not recognition threshold”, os ganhos fiscais, inclusive oriundos de planejamento tributário, depois de mensurados serão reconhecidos contabilmente pelas empresas. Conquanto a FIN 48 privilegie o reconhecimento e a mensuração dos benefícios fiscais (contingências ativas), também tratou das contingências passivas. E, nesse último caso, previu sua reversão quando o benefício representar uma obrigação futura potencial, devendo ser incluídas as penalidades cabíveis (multa e juros).
Como dissemos, o padrão previsto na FIN 48 pode vir a influenciar a divulgação das demonstrações financeiras em diversos países, inclusive no Brasil. Porém, no início de 2006 o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) divulgou as regras brasileiras sobre o reconhecimento de contingências ativas e passivas – a Resolução n° 1.066 – NBC T 19.7 – que, embora se aproxime das regras estadunidenses, delas diferem em pontos importantes. A primeira diferença relevante reside nos parâmetros para avaliação da probabilidade dos eventos tributários. A FIN 48 praticamente estabelece dois padrões: maior ou menor que 50%. Já a Resolução n° 1.066 – NBC T 19.7 determina quatro critérios: praticamente certo, provável, possível e remota. Além disso, as normas brasileiras fazem distinção entre contingência e provisão, cuja importância está no tratamento contábil de cada uma delas.
A contingência passiva é uma possível obrigação cuja existência será confirmada pela ocorrência ou não de um evento futuro, alheio ao controle da empresa, ou uma obrigação de liquidação improvável ou cujo valor não possa ser mensurado com suficiente segurança. Essa contingência não deve ser registrada nas demonstrações financeiras, mas será divulgada no caso de sua realização ser possível ou mesmo provável, desde que mensurável com suficiente segurança. A provisão, por sua vez, verifica-se quando a empresa (1) tem uma obrigação legal ou não-formalizada como conseqüência de evento futuro; (2) de provável realização e, concomitantemente; e (3) o respectivo valor possa ser estimado com suficiente segurança. Constatados, simultaneamente, esses três requisitos, a obrigação deverá ser provisionada, o que significa dizer, reconhecida nas demonstrações financeiras e com impacto no resultado da empresa – e, por decorrência, na distribuição de dividendos aos sócios.
No que diz respeito à contingência ativa, trata-se de um possível ativo tributário, decorrente, por exemplo, de planejamento tributário, aproveitamento de incentivos fiscais ou discussão administrativa ou judicial, relacionado a um evento passado, cuja existência será confirmada pela ocorrência ou não de um evento futuro alheio ao controle da empresa. A ocorrência de evento futuro pode ser, também como exemplos, a constatação de cumprimento das condições legais para o gozo de um benefício fiscal ou a não ocorrência de um procedimento de fiscalização e a conseqüente lavratura de um auto de infração (decurso do prazo de decadência), no caso de planejamento tributário. Em obediência à convenção contábil do conservadorismo, a contingência ativa não deve ser reconhecida nas demonstrações financeiras (e, por conseqüência, no resultado da empresa), salvo se praticamente certa (a empresa tem domínio sobre a ocorrência do evento futuro ou já há decisão favorável, administrativa ou judicial, contra a qual não cabe mais recurso). Porém, no caso de a contingência ativa ser provável, ela poderá ser divulgada em notas explicativas.
Edison C. Fernandes é advogado, sócio do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados e professor da Universidade Mackenzie e da GVLaw