O quadro fiscal será um problema?
Evolução das receitas e despesas do governo tem trajetórias incompatíveis. Sem dúvida, a temática fiscal foi um dos grandes pontos de discussão ao longo de 2006. A abertura do ano mostrou resultados fracos que, à primeira vista, sugeriram um afrouxamento maior da política fiscal em 2006 relativamente a anos anteriores. Chegou-se, inclusive, a cogitar em alguns momentos que a meta de superávit primário estabelecida para o ano não seria cumprida.
A realidade dos fatos mostrou que o cumprimento é completamente factível, embora muito provavelmente o resultado no ano deva se situar abaixo do superávit de 4,8% do PIB verificado no ano passado. De fato, o acumulado até outubro mostra-se cerca de 0,7% do PIB abaixo do registrado no mesmo período de 2005 e será muito difícil (e incabível) uma mudança nesse comportamento nessa altura dos acontecimentos.
Mesmo com o resultado administrável nesse ano, a dinâmica da sua construção impõe algumas questões que não são de fácil solução para 2007. Nesse contexto, deve ficar claro que o resultado mais fraco neste ano relativamente a 2005 não pode ser associado a problemas do lado da arrecadação. Ao contrário, os resultados da Secretaria da Receita Federal (SRF) continuam a mostrar níveis de arrecadação nunca antes atingidos: entre janeiro e outubro, a arrecadação federal cresceu 5% em termos reais (corrigida pelo IPCA) e atingiu o patamar de R$ 322,6 bilhões no período a preços correntes.
Com isso, a receita do governo central seguiu crescendo fortemente, registrando aumento de 12,8% entre janeiro e outubro deste ano em relação ao mesmo período de 2005. A receita total do governo central atingiu o patamar de 25,9% do PIB, ficando claramente acima do verificado ano passado, de 24,8% do PIB. Em outras palavras, a arrecadação seguiu crescendo a um ritmo superior ao do PIB em termos reais e temos um novo recorde de carga tributária à vista em 2006.
Em função disso, é natural que a resposta associada a uma queda no resultado desse ano deve-se a uma aceleração no ritmo dos gastos públicos. De fato, o conjunto das despesas do governo central no período janeiro-outubro de 2006 cresceram 15,6% em relação ao verificado para os mesmos meses do ano passado e representaram 18,3% do PIB, ficando bem acima dos 17,1% do PIB registrados em 2005. O principal fator de aceleração das despesas, sem dúvida, foram os benefícios previdenciários, que cresceram 19,1% em relação ao ano passado e devem levar o déficit do sistema a mais de R$ 40 bilhões em 2006.
A análise desse panorama sugere uma clara incompatibilidade entre as trajetórias de evolução das receitas e das despesas do governo central e a manutenção de expressivos resultados primários mais adiante. De fato, caso as trajetórias do ano que vem repitam as verificadas em 2006 dificilmente a meta de superávit primário será cumprida em 2007.
Esse é um quadro preocupante, principalmente tendo em vista o fato de que as discussões preliminares sinalizam para pouco espaço para cortes nos gastos públicos no ano que vem. Mais que isso, começam a surgir sinais claros no sentido de expansão de gastos, que vão desde pressões por elevações do salário mínimo acima da inflação até a necessidade (urgente) da ampliação de investimentos públicos, particularmente no segmento de infra-estrutura. O difícil é conciliar essas pressões e urgências ante a necessidade da manutenção de bons resultados fiscais.
Merece destaque nessa discussão o fato de que, depois de muito tempo, a relação dívida pública/PIB caiu abaixo do valor cabalístico de 50%, proporcionando um bom humor adicional ao mercado financeiro nos últimos meses do ano. Nesse contexto, esse quadro poderia ser rapidamente revertido ante uma sinalização de uma potencial deterioração das contas fiscais no ano que vem.
O papel do governo neste momento tem sido lidar com essas tensões, que surgem de diferentes fontes. Na ausência de um programa estratégico mais amplo, visando a um contexto de cortes de gastos correntes mais aprofundado e consistente e com uma política macroeconômica orientada para a redução da carga tributária e da retomada mais vigorosa dos investimentos públicos, o governo se debate com as contingências do dia-a-dia, tentando tornar 2007 mais palatável ante o desafio fiscal que se avizinha.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)(Rogério Mori – Professor e coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV/EESP.
A realidade dos fatos mostrou que o cumprimento é completamente factível, embora muito provavelmente o resultado no ano deva se situar abaixo do superávit de 4,8% do PIB verificado no ano passado. De fato, o acumulado até outubro mostra-se cerca de 0,7% do PIB abaixo do registrado no mesmo período de 2005 e será muito difícil (e incabível) uma mudança nesse comportamento nessa altura dos acontecimentos.
Mesmo com o resultado administrável nesse ano, a dinâmica da sua construção impõe algumas questões que não são de fácil solução para 2007. Nesse contexto, deve ficar claro que o resultado mais fraco neste ano relativamente a 2005 não pode ser associado a problemas do lado da arrecadação. Ao contrário, os resultados da Secretaria da Receita Federal (SRF) continuam a mostrar níveis de arrecadação nunca antes atingidos: entre janeiro e outubro, a arrecadação federal cresceu 5% em termos reais (corrigida pelo IPCA) e atingiu o patamar de R$ 322,6 bilhões no período a preços correntes.
Com isso, a receita do governo central seguiu crescendo fortemente, registrando aumento de 12,8% entre janeiro e outubro deste ano em relação ao mesmo período de 2005. A receita total do governo central atingiu o patamar de 25,9% do PIB, ficando claramente acima do verificado ano passado, de 24,8% do PIB. Em outras palavras, a arrecadação seguiu crescendo a um ritmo superior ao do PIB em termos reais e temos um novo recorde de carga tributária à vista em 2006.
Em função disso, é natural que a resposta associada a uma queda no resultado desse ano deve-se a uma aceleração no ritmo dos gastos públicos. De fato, o conjunto das despesas do governo central no período janeiro-outubro de 2006 cresceram 15,6% em relação ao verificado para os mesmos meses do ano passado e representaram 18,3% do PIB, ficando bem acima dos 17,1% do PIB registrados em 2005. O principal fator de aceleração das despesas, sem dúvida, foram os benefícios previdenciários, que cresceram 19,1% em relação ao ano passado e devem levar o déficit do sistema a mais de R$ 40 bilhões em 2006.
A análise desse panorama sugere uma clara incompatibilidade entre as trajetórias de evolução das receitas e das despesas do governo central e a manutenção de expressivos resultados primários mais adiante. De fato, caso as trajetórias do ano que vem repitam as verificadas em 2006 dificilmente a meta de superávit primário será cumprida em 2007.
Esse é um quadro preocupante, principalmente tendo em vista o fato de que as discussões preliminares sinalizam para pouco espaço para cortes nos gastos públicos no ano que vem. Mais que isso, começam a surgir sinais claros no sentido de expansão de gastos, que vão desde pressões por elevações do salário mínimo acima da inflação até a necessidade (urgente) da ampliação de investimentos públicos, particularmente no segmento de infra-estrutura. O difícil é conciliar essas pressões e urgências ante a necessidade da manutenção de bons resultados fiscais.
Merece destaque nessa discussão o fato de que, depois de muito tempo, a relação dívida pública/PIB caiu abaixo do valor cabalístico de 50%, proporcionando um bom humor adicional ao mercado financeiro nos últimos meses do ano. Nesse contexto, esse quadro poderia ser rapidamente revertido ante uma sinalização de uma potencial deterioração das contas fiscais no ano que vem.
O papel do governo neste momento tem sido lidar com essas tensões, que surgem de diferentes fontes. Na ausência de um programa estratégico mais amplo, visando a um contexto de cortes de gastos correntes mais aprofundado e consistente e com uma política macroeconômica orientada para a redução da carga tributária e da retomada mais vigorosa dos investimentos públicos, o governo se debate com as contingências do dia-a-dia, tentando tornar 2007 mais palatável ante o desafio fiscal que se avizinha.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)(Rogério Mori – Professor e coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV/EESP.