O planejamento tributário e a elisão fiscal
João Luiz Coelho da Rocha – O governo federal propôs um projeto de lei, em análise no Congresso Nacional, que tem como objetivo regulamentar o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN). O artigo versa sobre a chamada cláusula não elisiva. Em síntese, o projeto de lei regulamenta a possibilidade de desconsideração do planejamento fiscal para fins tributários.
Em um país com uma alta carga tributária – fator que inclusive inviabiliza, muitas vezes, o investimento no desenvolvimento -, a elisão fiscal é um caminho legal, portanto lícito, encontrado pelos contribuintes para pagarem menos impostos. Afinal, no processo de estruturação de uma operação, por que escolher a forma mais onerosa? Vale discutir esta questão. Afinal, o projeto de lei, além de aumentar a voracidade de cobrança de tributos pelo Estado, também ampliará o poder do fiscal em autuar empresas com base em análises muito subjetivas, o que pode contribuir para o aumento da corrupção.
A regra do Código Tributário Nacional – reconhecido este como lei complementar à Constituição Federal – é a de que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. E ali mesmo se declara que a lei comum deve fixar os procedimentos para tal desconsideração.
Não há nenhum abuso na iniciativa federal, pois a legislação qualificada até exige a edição da legislação de obrigação. A questão está no perigo de ali se embutir poderes muito arbitrários à fiscalização quanto a esta delicada tarefa de se interpretar negócios jurídicos legalmente legítimos como ocultando a intenção de sonegar tributos. Afinal, a legislação tributária, ao cominar os tributos, suas obrigações de pagamento, suas penalidades e as obrigações acessórias exigíveis do constituinte, já é necessariamente severa e abrangente.
Ninguém pode, em sã consciência, obrigar o contribuinte a escolher um caminho mais gravoso para suas operações
O fisco é o credor que tem na lei a mais completa, ampla e estrita gama de fatos geradores de seu crédito, assim como a mais cerrada defesa legal desse crédito e de sua persecução em juízo e administrativamente. Um credor poderoso e com regalias. Ao criar e inserir no corpo do CTN a chamada cláusula elisiva, está o fisco apenas declarando que qualquer manobra artificiosa, formalmente correta, mas escondendo a intenção de sonegar, pode ser desprezada em busca da verdade tributária.
Mas como acontece entre a justiça fiscal e o inexorável e desordenado apetite tributário dos entes públicos, há um grande distanciamento, que às vezes pode não aparecer nítido, na realidade da gestão das empresas e mesmo na gestão do patrimônio individual. Pois uma coisa é ocultar de modo malicioso a inexorabilidade de certa incidência fiscal, com o uso de formas artificiosas que aparentemente passem ao largo da tributação. Como, por exemplo, abaixar de modo enganoso o valor formal da compra e venda de um imóvel, pagando-se a diferença “por fora”, para evitar a incidência maior do imposto de renda sobre a mais valia. Uma outra coisa, porém – e aqui está o grande perigo da autorização legal da desconsideração – é o constituinte escolher entre uma via negocial que apresente menor tributação, ou a dispense, e uma outra que assim não o favoreça.
Exemplos aqui não faltam: optar pelo leasing ao invés de locação comum ou de compra e venda, realizar ágios em certos chamados de capital ganhando vantagens tributárias, ao invés de limitar-se com os parâmetros relativos a meros empréstimos, incorporar imóveis a serem alienados em sociedade limitada, de modo a evitar ou deferir imposto de renda e evitar o imposto de transmissão etc. Ninguém pode, em sã consciência, obrigar o contribuinte a escolher um caminho mais gravoso para suas operações. O deferimento à autoridade fiscal do poder de ditar ou não onde há sonegação, e onde há opção lícita pela elisão, é algo a ser visto com muito cuidado, para se evitar os abusos e os incentivos à corrupção.
A ordem tributária constitucional brasileira consagra, no seu artigo 150, limitações declaradas ao poder estatal de tributar. O princípio da legalidade ali expresso, no qual se vê como contida a tipicidade cerrada, tal como acontece em matéria criminal, aponta que só – e estritamente só – o que a lei declara como hipótese de incidência permite a tributação. Colocar nas mãos, e nas mentes, dos fiscais da Fazenda o poder de dizer que há incidência e, portanto, tributação em algo que não se revela diretamente aos olhos como fato gerador do tributo é subversivo e pervertor da garantia da estrita legalidade. Concede-se ao fiscal o poder de dizer: “aparentemente este fato econômico-jurídico não qualifica a incidência do imposto, mas eu estou entendendo o contrário”. Ou seja, pode-se deduzir o quanto de abuso e de estímulo à corrupção esta nova diretriz vai proporcionar.
João Luiz Coelho da Rocha é advogado, sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e professor de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro
Em um país com uma alta carga tributária – fator que inclusive inviabiliza, muitas vezes, o investimento no desenvolvimento -, a elisão fiscal é um caminho legal, portanto lícito, encontrado pelos contribuintes para pagarem menos impostos. Afinal, no processo de estruturação de uma operação, por que escolher a forma mais onerosa? Vale discutir esta questão. Afinal, o projeto de lei, além de aumentar a voracidade de cobrança de tributos pelo Estado, também ampliará o poder do fiscal em autuar empresas com base em análises muito subjetivas, o que pode contribuir para o aumento da corrupção.
A regra do Código Tributário Nacional – reconhecido este como lei complementar à Constituição Federal – é a de que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. E ali mesmo se declara que a lei comum deve fixar os procedimentos para tal desconsideração.
Não há nenhum abuso na iniciativa federal, pois a legislação qualificada até exige a edição da legislação de obrigação. A questão está no perigo de ali se embutir poderes muito arbitrários à fiscalização quanto a esta delicada tarefa de se interpretar negócios jurídicos legalmente legítimos como ocultando a intenção de sonegar tributos. Afinal, a legislação tributária, ao cominar os tributos, suas obrigações de pagamento, suas penalidades e as obrigações acessórias exigíveis do constituinte, já é necessariamente severa e abrangente.
Ninguém pode, em sã consciência, obrigar o contribuinte a escolher um caminho mais gravoso para suas operações
O fisco é o credor que tem na lei a mais completa, ampla e estrita gama de fatos geradores de seu crédito, assim como a mais cerrada defesa legal desse crédito e de sua persecução em juízo e administrativamente. Um credor poderoso e com regalias. Ao criar e inserir no corpo do CTN a chamada cláusula elisiva, está o fisco apenas declarando que qualquer manobra artificiosa, formalmente correta, mas escondendo a intenção de sonegar, pode ser desprezada em busca da verdade tributária.
Mas como acontece entre a justiça fiscal e o inexorável e desordenado apetite tributário dos entes públicos, há um grande distanciamento, que às vezes pode não aparecer nítido, na realidade da gestão das empresas e mesmo na gestão do patrimônio individual. Pois uma coisa é ocultar de modo malicioso a inexorabilidade de certa incidência fiscal, com o uso de formas artificiosas que aparentemente passem ao largo da tributação. Como, por exemplo, abaixar de modo enganoso o valor formal da compra e venda de um imóvel, pagando-se a diferença “por fora”, para evitar a incidência maior do imposto de renda sobre a mais valia. Uma outra coisa, porém – e aqui está o grande perigo da autorização legal da desconsideração – é o constituinte escolher entre uma via negocial que apresente menor tributação, ou a dispense, e uma outra que assim não o favoreça.
Exemplos aqui não faltam: optar pelo leasing ao invés de locação comum ou de compra e venda, realizar ágios em certos chamados de capital ganhando vantagens tributárias, ao invés de limitar-se com os parâmetros relativos a meros empréstimos, incorporar imóveis a serem alienados em sociedade limitada, de modo a evitar ou deferir imposto de renda e evitar o imposto de transmissão etc. Ninguém pode, em sã consciência, obrigar o contribuinte a escolher um caminho mais gravoso para suas operações. O deferimento à autoridade fiscal do poder de ditar ou não onde há sonegação, e onde há opção lícita pela elisão, é algo a ser visto com muito cuidado, para se evitar os abusos e os incentivos à corrupção.
A ordem tributária constitucional brasileira consagra, no seu artigo 150, limitações declaradas ao poder estatal de tributar. O princípio da legalidade ali expresso, no qual se vê como contida a tipicidade cerrada, tal como acontece em matéria criminal, aponta que só – e estritamente só – o que a lei declara como hipótese de incidência permite a tributação. Colocar nas mãos, e nas mentes, dos fiscais da Fazenda o poder de dizer que há incidência e, portanto, tributação em algo que não se revela diretamente aos olhos como fato gerador do tributo é subversivo e pervertor da garantia da estrita legalidade. Concede-se ao fiscal o poder de dizer: “aparentemente este fato econômico-jurídico não qualifica a incidência do imposto, mas eu estou entendendo o contrário”. Ou seja, pode-se deduzir o quanto de abuso e de estímulo à corrupção esta nova diretriz vai proporcionar.
João Luiz Coelho da Rocha é advogado, sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e professor de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro