O contribuinte e o arrolamento de bens
Paulo Morais – Regulamentado pelo artigo 64 da Lei nº 9.532, de 1997, o arrolamento de bens e direitos para o acompanhamento do patrimônio do sujeito passivo tem lugar sempre que o crédito tributário superar 30% do patrimônio do contribuinte e a soma do respectivo crédito for superior a R$ 500 mil. Neste sentido, sob a justificativa de salvaguardar os direitos da União, caso o contribuinte, eventualmente, queira fraudar o fisco vendendo ou transferindo seus bens a terceiros, a Secretaria da Receita Federal arrola bens e direitos dos contribuintes cuja autuação se enquadre nos requisitos previstos no citado artigo 64 da Lei nº 9.532.
Apesar de a previsão legal não ser nova, ela só passou a ser efetivamente aplicada após a regulamentação dos procedimentos, estabelecidos pela Instrução Normativa nº 264 da Receita Federal, sendo certo que nos últimos dois anos tornou-se praxe e regra a lavratura do termo de arrolamento de bens a cada procedimento fiscal da Receita, haja vista as inúmeras autuações originadas pelo cruzamento das informações da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), bem como da famosa operação da Polícia Federal denominada Farol da Colina, que identificou o suposto envio ilegal de recursos para o exterior para a conta de contribuintes nacionais.
A rigor, problema algum teria se o arrolamento de bens fosse realizado quando o contribuinte deixasse de impugnar o auto de infração ou, ainda, quando da decisão administrativa não coubesse mais recurso. Contudo, a questão adquire relevância na seara jurídica, quando pendente o julgamento da impugnação ou do recurso pelo órgão administrativo competente – a Delegacia da Receita Federal ou o Conselho de Contribuintes, respectivamente. Isto porque, segundo entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e adotado também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a constituição definitiva do crédito tributário se dá quando não é mais cabível recurso ou após o transcurso do prazo para sua interposição na via administrativa.
Nesta esteira, qualquer medida adotada pela Secretaria da Receita Federal, ainda que sob a roupagem de medida acautelatória, cuja finalidade seja conferir maior garantia aos créditos tributários da União, assegurando a futura excussão de bens e direitos do sujeito passivo, suficientes à satisfação do débito fiscal, torna-se inconstitucional, por desrespeitar o contraditório, a ampla defesa e, portanto, o devido processo legal, pois, repita-se, ainda não constituído, definitivamente, o crédito tributário.
À evidência, a mera pretensão do fisco em salvaguardar um direito que pode ser alterado com o julgamento de uma impugnação ou um recurso administrativo implica, primeiro, no desrespeito às garantias constitucionais supracitadas e, segundo, na antecipação da condenação. Se a Constituição Federal garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa até que sejam rigorosamente cumpridos aludidos preceitos, é inconcebível que o fisco possa insurgir-se contra os bens do contribuinte, ainda que na forma de arrolamento.
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O registro no órgão competente atribui ao contribuinte a pecha de inadimplente de forma antecipada
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Por fim, embora o contribuinte possa alienar os bens arrolados, desde que comunique, previamente, à Secretaria da Receita Federal, substituindo-o por outro de valor aproximado, é inegável que o registro do termo de arrolamento no cartório, órgão ou entidade competente, bem como o dever de constar nas certidões de regularidade fiscal informações quanto à existência do arrolamento, não só atribui ao contribuinte, de forma antecipada, a pecha de inadimplente como também pode inviabilizar qualquer tratativa comercial, em verdadeira restrição ao direito de propriedade.
Assevera-se, neste ponto, um importante aspecto dos efeitos práticos do arrolamento de bens, uma vez que o fisco, após a lavratura do termo de arrolamento, tem expedido ofícios para anotação do referido ato junto aos cartórios de registros de imóveis, bem como perante ao Detran, no caso de veículos dos contribuintes autuados. Com os mencionados ofícios, a autuação passa a constar na matrícula do imóvel do contribuinte que sofreu a aplicação do auto de infração fiscal, na forma de uma penhora de uma eventual execução fiscal, o que, por certo, implicará na indisponibilidade definitiva daquele imóvel, ainda que se pretenda a substituição, uma vez que nenhum pretenso comprador se sentirá confortável em adquirir um bem nessas condições.
Outro problema prático que se coloca com o referido arrolamento de bens é que, uma vez recebido o mencionado ofício, nem mesmo o licenciamento do veículo tem sido autorizado pelo Detran, em razão do ato em tela que, infelizmente, tem confundido a figura jurídica do arrolamento com o da penhora e ou bloqueio de bens. Desta forma, o veículo arrolado além do bloqueio para uma eventual alienação passa a ficar indisponível para utilização, haja vista que um veículo sem licenciamento anual não pode circular pelas vias de acesso e tampouco estradas de rodagem. Assim, assistimos a uma verdadeira aberração que constrange ilegalmente os contribuintes.
No sentido do exposto, recentemente o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, na pessoa do desembargador federal Lazarano Neto, da sexta turma, concedeu efeito suspensivo a um agravo de instrumento, afastando o arrolamento de bens de um contribuinte e reconhecendo sumariamente a inconstitucionalidade deste ato administrativo que invade de maneira desproporcional o patrimônio dos contribuintes.
Com efeito, a questão argüida merece reflexões para que o contribuinte, já tão prejudicado pelas pretensões infindáveis do fisco, não se submeta, uma vez mais, à ânsia arrecadatória dos órgãos fiscais, ficando engessado com os seus bens arrolados, indevidamente e ilegalmente, por um ato jurídico brutal e desequilibrado.
Paulo Morais é advogado, sócio do escritório Morais Advogados Associados e diretor-tesoureiro da subsecção de Pinheiros da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Apesar de a previsão legal não ser nova, ela só passou a ser efetivamente aplicada após a regulamentação dos procedimentos, estabelecidos pela Instrução Normativa nº 264 da Receita Federal, sendo certo que nos últimos dois anos tornou-se praxe e regra a lavratura do termo de arrolamento de bens a cada procedimento fiscal da Receita, haja vista as inúmeras autuações originadas pelo cruzamento das informações da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), bem como da famosa operação da Polícia Federal denominada Farol da Colina, que identificou o suposto envio ilegal de recursos para o exterior para a conta de contribuintes nacionais.
A rigor, problema algum teria se o arrolamento de bens fosse realizado quando o contribuinte deixasse de impugnar o auto de infração ou, ainda, quando da decisão administrativa não coubesse mais recurso. Contudo, a questão adquire relevância na seara jurídica, quando pendente o julgamento da impugnação ou do recurso pelo órgão administrativo competente – a Delegacia da Receita Federal ou o Conselho de Contribuintes, respectivamente. Isto porque, segundo entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e adotado também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a constituição definitiva do crédito tributário se dá quando não é mais cabível recurso ou após o transcurso do prazo para sua interposição na via administrativa.
Nesta esteira, qualquer medida adotada pela Secretaria da Receita Federal, ainda que sob a roupagem de medida acautelatória, cuja finalidade seja conferir maior garantia aos créditos tributários da União, assegurando a futura excussão de bens e direitos do sujeito passivo, suficientes à satisfação do débito fiscal, torna-se inconstitucional, por desrespeitar o contraditório, a ampla defesa e, portanto, o devido processo legal, pois, repita-se, ainda não constituído, definitivamente, o crédito tributário.
À evidência, a mera pretensão do fisco em salvaguardar um direito que pode ser alterado com o julgamento de uma impugnação ou um recurso administrativo implica, primeiro, no desrespeito às garantias constitucionais supracitadas e, segundo, na antecipação da condenação. Se a Constituição Federal garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa até que sejam rigorosamente cumpridos aludidos preceitos, é inconcebível que o fisco possa insurgir-se contra os bens do contribuinte, ainda que na forma de arrolamento.
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O registro no órgão competente atribui ao contribuinte a pecha de inadimplente de forma antecipada
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Por fim, embora o contribuinte possa alienar os bens arrolados, desde que comunique, previamente, à Secretaria da Receita Federal, substituindo-o por outro de valor aproximado, é inegável que o registro do termo de arrolamento no cartório, órgão ou entidade competente, bem como o dever de constar nas certidões de regularidade fiscal informações quanto à existência do arrolamento, não só atribui ao contribuinte, de forma antecipada, a pecha de inadimplente como também pode inviabilizar qualquer tratativa comercial, em verdadeira restrição ao direito de propriedade.
Assevera-se, neste ponto, um importante aspecto dos efeitos práticos do arrolamento de bens, uma vez que o fisco, após a lavratura do termo de arrolamento, tem expedido ofícios para anotação do referido ato junto aos cartórios de registros de imóveis, bem como perante ao Detran, no caso de veículos dos contribuintes autuados. Com os mencionados ofícios, a autuação passa a constar na matrícula do imóvel do contribuinte que sofreu a aplicação do auto de infração fiscal, na forma de uma penhora de uma eventual execução fiscal, o que, por certo, implicará na indisponibilidade definitiva daquele imóvel, ainda que se pretenda a substituição, uma vez que nenhum pretenso comprador se sentirá confortável em adquirir um bem nessas condições.
Outro problema prático que se coloca com o referido arrolamento de bens é que, uma vez recebido o mencionado ofício, nem mesmo o licenciamento do veículo tem sido autorizado pelo Detran, em razão do ato em tela que, infelizmente, tem confundido a figura jurídica do arrolamento com o da penhora e ou bloqueio de bens. Desta forma, o veículo arrolado além do bloqueio para uma eventual alienação passa a ficar indisponível para utilização, haja vista que um veículo sem licenciamento anual não pode circular pelas vias de acesso e tampouco estradas de rodagem. Assim, assistimos a uma verdadeira aberração que constrange ilegalmente os contribuintes.
No sentido do exposto, recentemente o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, na pessoa do desembargador federal Lazarano Neto, da sexta turma, concedeu efeito suspensivo a um agravo de instrumento, afastando o arrolamento de bens de um contribuinte e reconhecendo sumariamente a inconstitucionalidade deste ato administrativo que invade de maneira desproporcional o patrimônio dos contribuintes.
Com efeito, a questão argüida merece reflexões para que o contribuinte, já tão prejudicado pelas pretensões infindáveis do fisco, não se submeta, uma vez mais, à ânsia arrecadatória dos órgãos fiscais, ficando engessado com os seus bens arrolados, indevidamente e ilegalmente, por um ato jurídico brutal e desequilibrado.
Paulo Morais é advogado, sócio do escritório Morais Advogados Associados e diretor-tesoureiro da subsecção de Pinheiros da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)