A exclusão do ICMS da base de cálculo dos nossos bolsos

Luiz Rogério Sawaya Batista

Há uma interessante passagem no “Sermão do Bom Ladrão”, de Padre Antônio Vieira, segundo a qual navegava Alexandre Magno, “em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar as Índias; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pecadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: basta, senhor, que eu porque roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais em uma armada sois imperador?”

Incrível a atualidade desta passagem, que inevitavelmente nos remete a inúmeros acontecimentos políticos e ao assunto a ser ora enfrentado – a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins.
No julgamento do recurso extraordinário nº 240.785, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) – composto pelos 11 ministros que integram a referida corte constitucional – vem decidindo, até o presente momento, com o voto dado por sete ministros, dois quais seis se posicionaram favoravelmente ao contribuinte-autor da ação, que o ICMS deve ser excluído da base de cálculo da Cofins.

Em suma, vem o Supremo entendendo que a Cofins, que possui como base de cálculo do faturamento, não pode incidir também sobre o ICMS, porquanto ninguém fatura ou comercializa tributo.

A matéria até então não havia alcançado o Supremo, que desde o início da década passada havia firmado o entendimento que a discussão era infraconstitucional e, portanto, de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por sua vez, editou a Súmula nº 68, a qual autoriza expressamente a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins.

Diante do placar da contenda, que com seis votos favoráveis e um contra já garante vitória à tese dos contribuintes independentemente do posicionamento dos outros ministros que ainda votarão – a menos que um dos ministros decida, excepcionalmente, alterar o seu voto em favor do governo – nessas últimas semanas presenciamos uma grande movimentação dos contribuintes e do próprio governo a respeito desta batalha judicial.

Os contribuintes, sobretudo aqueles que não acreditam numa mudança repentina no posicionamento dos ministros que votaram a favor do autor da ação, providenciam o ingresso no Poder Judiciário para buscar a restituição da Cofins e do PIS pagos a maior em razão da inclusão do ICMS em sua base de cálculo nos últimos cinco anos, cientes que as respectivas ações poderão levar de cinco a oito anos para atingir o seu objetivo.

O governo, a seu turno, valendo-se da proximidade entre os poderes, apressa-se em providenciar uma reunião entre o atual ministro da Fazenda e a presidente do Supremo, para levar a notícia apocalíptica do suposto impacto econômico que uma decisão como a desenhada no recurso extraordinário nº 240.785 poderia gerar aos cofres públicos.

A vitória dos contribuintes alcançaria apenas 35% do período em que a Cofins foi cobrada a maior

Não é demais ressaltar que a Cofins vem sendo cobrada com a inclusão do ICMS em sua base de cálculo desde 1992 e que a vitória definitiva dos contribuintes alcançaria apenas 35% do período em que o tributo foi cobrado a maior, o que indica, a um só tempo, a ofensa ao princípio da moralidade por parte do governo, que mesmo perdendo, ainda assim, sairá ganhando em muito dos contribuintes.

De igual modo, não podemos perder de vista que com a criação do tão esperado sistema não-cumulativo, aplicável às pessoas jurídicas que adotam o lucro real, para o PIS a partir de dezembro de 2002 e, para a Cofins, a partir de fevereiro de 2004, referidas contribuições passaram a ser calculadas de forma não-cumulativa, mediante um sistema diferenciado de determinados créditos autorizados e débitos (quase universais).

Tal sistemática, em nosso entendimento, traduz-se em mais uma dificuldade a ser enfrentada pelos contribuintes, principalmente os responsáveis pelo maior recolhimento das contribuições ao PIS e a Cofins, que são os que adotam o lucro real no cálculo do imposto de renda, posto que a não-cumulatividade passou a comportar, em regra, a transferência do encargo financeiro à pessoa subseqüente da cadeia de comércio/serviços.

E o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a restituição de tributos que comportem transferência do encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o encargo do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la, o que, em muitos casos, além de exigir um esforço probatório maior dos contribuintes, torna impossível a restituição aos desavisados de tal regra.

Mas talvez o fato mais surpreendente de toda esta discussão seja a constatação de que o nosso Poder Judiciário levou diversos anos para, alterando inclusive uma súmula do STJ, decidir que ninguém fatura ou comercializa um imposto, no caso o ICMS. Ou seja, que na base de calculo da Cofins, que incide sobre o faturamento, não pode ser incluído um outro tributo como o ICMS.

Assim é. Como bem sentencia Padre Antônio Vieira, em 1655, muito antes do ICMS, do PIS, da Cofins e da tributação sobre o faturamento. “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.”

Daí porque a oportunidade para os contribuintes que ainda não discutem a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins analisarem a conveniência do ajuizamento de ações, tanto para estancar os recolhimentos indevidos como para fazer valer o legítimo direito à recuperação das quantias recolhidas a maior, acrescidas da taxa Selic.

Luiz Rogério Sawaya Batista é advogado e sócio do escritório Nunes e Sawaya Advogados

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 04/10/2006 00:00:00

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