Um vácuo na administração tributária estadual no pós-pandemia
Eduardo Salusse
A pandemia da covid-19 mudou substancialmente a forma pela qual as interações humanas entre integrantes da administração pública e a sociedade se realizam. O atendimento virtual ou telepresencial foi inserido, em definitivo, em todas as esferas da administração pública.
Quer-se dizer que o atendimento telepresencial deveria passar a ser mais uma opção para a administração pública exercer o seu papel, atendendo a sociedade de forma eficiente, na esteira do disposto no artigo 37 da Constituição Federal.
A pretexto de os agentes públicos estarem em trabalho remoto ou telepresencial, construiu-se uma muralha quase intransponível na relação entre o Estado e os cidadãos. Não há mecanismos ou canais de comunicação entre pessoas. O ser humano passa a ser um indesejado componente na relação com o Estado. As máquinas, os formulários ou a síndrome do metaverso parece ter contaminado as relações humanas.
As máquinas, os formulários ou a síndrome do metaverso parece ter contaminado as relações humanas — Foto: Unsplash
As máquinas, os formulários ou a síndrome do metaverso parece ter contaminado as relações humanas — Foto: Unsplash
No âmbito da administração pública tributária paulista, a Lei Complementar Paulista nº 939/2003, no inciso I de seu artigo 4º, estabelece como direito do contribuinte o adequado e eficaz atendimento pelos órgãos e unidades da Secretaria da Fazenda.
Mas parece que receber ou falar com alguém é quase um pecado, mesmo que este alguém seja um advogado com o direito de ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione (…). Serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado. Este direito é expresso na alínea “c” do inciso VI do artigo 7º da Lei Federal nº 8.906/94.
Olvida-se que o artigo 106 da Constituição do Estado de São Paulo dispõe que “(…) as autoridades e os servidores do Estado zelarão para que os direitos e prerrogativas dos advogados sejam respeitados, sob pena de responsabilização na forma da lei”.
E, ainda, que o artigo 43 da lei de “abuso de autoridade” inseriu o artigo 7º-B no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), que diz que constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei, com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Os e-mails não são recebidos. Os telefonemas não são atendidos. A entrada não é permitida e pouco importa se o solicitante é advogado ou não. Isso é irrelevante se levarmos em conta que, dentro das dependências da repartição, tampouco serão encontrados os agentes públicos.
Neste entremeio, pedidos de regime especial, ressarcimentos de ICMS e procedimentos de toda a sorte ficam relegados a algum lugar nas máquinas que integram o sistema tecnológico fazendário.
À boca pequena, ouve-se que a conduta é represália pelos alegados baixos vencimentos da categoria de agentes públicos.
A grande verdade é que se trata de uma violenta agressão aos contribuintes, cujos créditos de ICMS acumulam-se indefinidamente, pedidos de regime especial não são apreciados e os poucos pleitos apreciados são negados sem a devida análise. É um sacrifício imposto aos contribuintes para atingir indiretamente o próprio governo do Estado.
Quanto às prerrogativas dos advogados, reitera-se que é crime tipificado em lei e que, pelo andar da carruagem, deverão começar a figurar dentre o arsenal de defesa dos injustamente prejudicados pela imoral conduta.
Fonte Valor Econômico
Eduardo Salusse
Graduado e doutor em direito pela PUC/SP, mestre em direito tributário e responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito SP