Há racionalidade nos benefícios de IPI?

Tathiane Piscitelli

No final da semana passada foi publicado o Decreto nº 11.052/2022, que reduziu a zero a alíquota dos denominados concentrados para a produção de refrigerantes. A reação à medida foi imediata: nesta segunda-feira (2) o governo do Estado do Amazonas ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal para questionar a mudança. O imbróglio envolve os benefícios fiscais concedidos à indústria de bebidas adoçadas, e em especial, de refrigerantes.

Em poucas palavras, a Zona Franca de Manaus abriga os gigantes dessa indústria, que há anos são favorecidos por uma tributação elevada de IPI na saída dos concentrados. O favorecimento decorre da possibilidade de creditamento de IPI na entrada dos produtos em estabelecimentos localizados fora da ZFM – nesse caso, a despeito da não incidência do imposto justamente por conta do regime jurídico da região, as indústrias situadas em outras localidades se apropriam integralmente do crédito de IPI. Assim, quanto maior a tributação incidente sobre o concentrado, maior o crédito e, portanto, menor o imposto a pagar na saída do produto final.

Não é a primeira vez que o governo federal altera a alíquota dos concentrados visando a um aumento de arrecadação: a primeira investida sobre o setor se deu no governo Temer que, no contexto da greve dos caminhoneiros, reduziu a alíquota de 20% para 4%. Posteriormente, houve uma tentativa de modulação dessa alteração no tempo, com alíquotas variando entre 12% e 8%, até as reduções lineares do IPI aprovadas recentemente pelo governo de Jair Bolsonaro, de 25% e 35%.

O Decreto 11.052/2022, no entanto, pretende encerrar a possibilidade de apropriação dos créditos de IPI, já que prevê alíquota zero sobre a circulação de tais bens.

Por detrás desse debate, há duas narrativas contrapostas. A primeira seria a perda de competitividade da Zona Franca de Manaus: a retirada do crédito de IPI resultaria no desinteresse das empresas de permanecerem na região, com impacto sobre empregos e desenvolvimento regional. A segunda está relacionada com a necessidade de repensarmos a tributação de bens nocivos a saúde, como, aliás, grande parte das jurisdições têm feito, com a criação de tributos específicos sobre bebidas adoçadas.

De minha parte, não vejo procedência sobre os argumentos relacionados à Zona Franca de Manaus e isso se dá pelo fato de que a alteração da alíquota do IPI não tem a pretensão de alterar o regime jurídico favorecido daquela região: ela se aplica apenas às operações ocorridas fora dela, restando preservados todos os benefícios aplicáveis às empresas ali localizadas.

É possível alegar, no entanto, que a fixação da alíquota em zero resulta em mitigação da vantagem tributária das empresas adquirentes de bens provenientes da Zona Franca de Manaus, na medida em que elas não mais terão direito de se apropriar de créditos de IPI para reduzir a tributação de seu produto final.

A afirmação é verdadeira, mas não se relaciona com a mitigação dos direitos das empresas que se instalaram na ZFM que, reitere-se, seguem sendo beneficiadas nos termos da Constituição.

O que se verifica, de fato, é a correção de uma distorção que favorecia empresas localizadas em outras regiões do país que, no mais das vezes, tinham um benefício tributário tão significativo que sequer recolhiam IPI sobre a comercialização de um produto cujos efeitos nocivos à saúde e, consequentemente, aos cofres públicos, são evidentes.
A concessão de benefícios tributários é parte relevante da política tributária nacional e se relaciona com a distribuição da carga tributária de modo a favorecer ou desincentivar determinadas atividades, à luz do interesse e necessidades públicas. No caso da indústria de bebidas adoçadas, a existência de incentivos é contraditória com os impactos que o consumo excessivo do bem tem na população e, mais ainda, com os objetivos gerais do Estado brasileiro: como justificar a existência de uma ampla rede de favorecimentos tributários a uma indústria que emprega pouco (porque muito automatizada) e colabora muito com os índices de doenças crônicas não transmissíveis? Notem que o debate, aqui, não passa pela criação de um tributo próprio sobre essas bebidas, como recomenda a Organização Mundial de Saúde, mas, sim, pela tributação adequada dessa atividade. Ou seja, estamos muitos passos atrás do debate internacional que hoje se coloca.

De outro lado, como justificar a permanência de tais benefícios em face, por exemplo, da tributação elevada de bens efetivamente essenciais? Na semana passada, a coluna de Luisa Mafei na Folha de S.Paulo tratou da alta tributação dos leites vegetais.

Um olhar rápido pela tabela do IPI mostra que os leites de origem animal ou são não tributados, ou são tributados à alíquota zero, e a mesma regra se aplica aos leites de soja. Já os leites vegetais são tributados à alíquota de 3%. No PIS/COFINS, o cenário é semelhante: apenas os leites de origem animal são favorecidos por alíquota zero, e o benefício não se aplica ao leite de soja e ou de origem vegetal.

Não há, como se vê, racionalidade alguma na distribuição de benesses tributárias e é exatamente por essa razão que o escrutínio público é fundamental.

O debate que se coloca, reforce-se, não passa por um ataque à Zona Franca de Manaus: os benefícios aplicáveis à região não são afetados pelo Decreto nº 11.052/2022. Conclusão em sentido oposto somente seria possível diante da assunção da premissa de que os grupos econômicos presentes na ZFM têm direito ao maior lucro possível e à imutabilidade de qualquer tributo incidente ao longo de sua cadeia de produção.

O fundamento, então, não estaria na garantia constitucional em si, mas na potencialização dos ganhos dessas mesmas empresas – algo que, evidentemente, não se pode aceitar, sob pena de ofensa ao princípio da livre concorrência. Além disso, a interpretação proposta pelo Estado do Amazonas confere extensão demasiadamente alargada ao regime excepcional da Zona Franca de Manaus, além de limitar indevidamente a atuação do Poder Executivo no manejo das alíquotas de IPI.

Por fim, a discussão em torno dos concentrados pode ser um bom mote para uma reflexão mais ampla sobre a tributação no setor de bebidas e a adequação das cargas tributárias respectivas. O confronto entre leites vegetais e refrigerantes seria um início de conversa interessante.

Fonte: Valor

Tathiane Piscitelli

Professora de direito tributário e finanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, é doutora e mestre em direito pela Faculdade de Direito da USP

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