Tributação de dividendos: Brasil, você não é todo mundo!

Luciana Ibiapina Lira Aguiar

Não subestimo o desafio de unir diversos conhecimentos que uma avaliação holística costuma demandar. Dividimos o conhecimento em áreas do saber justamente em função dessa dificuldade. A pegadinha é que a vida não apresenta problemas compartimentados, por isso a resolução de questões complexas depende de diversos tipos de conhecimentos.

A política de combate à pandemia depende de especialistas em logística, comércio exterior, medicina, microbiologia, ética e muitas outras áreas. O tema tributário também enfrenta esses desafios. Une economistas, profissionais do direito, contadores, administradores e cientistas sociais em geral. Claro que cada pesquisador analisa o tema sob a sua ótica, mas, ao final, os problemas ou as suas soluções partem da combinação dessas diversas áreas.

A tributação de dividendos está agora no foco das atenções no Brasil em função da proposta apresentada no PL 2337, que reduz a alíquota do IR sobre o lucro apurado pelas empresas (34% para 21,5%) e, em contrapartida, introduz a tributação sobre os dividendos para os acionistas (20%).

Juristas defendem que acompanhar a política tributária da maioria dos países do mundo é uma medida razoável para que o Brasil seja melhor compreendido por investidores internacionais. Nenhuma dúvida que estarmos alinhados a um cenário conhecido é algo desejável, ao menos em tese, porque facilita a avaliação quando da decisão sobre a alocação de capital.

Ocorre que tornar o Brasil comparável não significa estabelecer alíquotas semelhantes quando as regras de tributação permanecem tão diferentes. Podemos ficar em 3 simples exemplos que tornam as nossas regras essencialmente diferentes da maioria dos países da OCDE: a compensação de prejuízos, a possibilidade de apuração de IR de forma consolidada por grupo econômico e a tributação em bases universais.

Também se argumenta que a redução da alíquota do IR nas empresas irá aumentar o reinvestimento do caixa que não seria utilizado para pagar o tributo, estimado em aproximadamente R$ 95 bilhões. Esse é o aspecto central desse artigo. Trata-se de um convite à reflexão sobre as seguintes questões relacionadas à alocação dos recursos:

Ao reduzir a tributação corporativa, sabendo que o valor líquido de dividendos estará afetado pela introdução da tributação na fonte, as companhias irão rever as suas políticas de payout de forma a reduzir os proventos pagos aos acionistas e reinvestir os recursos na própria empresa?
Sendo positiva a resposta à primeira questão, como essa mudança afeta o mercado de capitais no longo prazo? Em outras palavras, como se comportarão os acionistas que buscam rentabilizar seus investimentos via recebimento de proventos e não ganho de capital na negociação das ações?
Considerando que o mercado de capitais é o recinto no qual ofertantes de capital (investidores) encontram demandantes de capital (companhias), qual será o efeito desse processo, num ciclo de maior prazo, no custo de financiamento das atividades produtivas?
Um estudo[1] muito interessante avaliou se a política tributária influencia a política de payout. Para isso, analisou o cenário brasileiro no período de 1997 a 2018 e comparou-o com o que ocorreu no México após a introdução de norma para a tributação dos dividendos em 2014. Os resultados corroboram o entendimento trazido pelas teorias do Efeito Clientela e da Preferência Tributária de que as políticas de proventos são impactadas pelos efeitos fiscais e as empresas as utilizam como forma de atrair o investidor que deseja maximizar os seus investimentos.

A pesquisa observou queda no payout das empresas mexicanas listadas em bolsa após o aumento na tributação de dividendos, indicando que a tributação produziu impactos na política de proventos das empresas.

No mesmo sentido são as conclusões de outra pesquisa empírica que, a partir da análise de uma amostra de 672 companhias brasileiras no período 1986-2011, afirmou que mudanças na legislação tributária têm uma influência significativa sobre o pagamento de dividendos. A vantagem dessa pesquisa é que a legislação tributária aplicável a dividendos experimentou mudanças importantes nesse período.

Os achados sugerem que as empresas brasileiras privilegiam política de dividendos constante e moderada, mais do que o pagamento de dividendos de forma agressiva, e destacam a influência da tributação nas políticas de pagamento adotadas pelas empresas listadas.

O estudo também ressalta as implicações para gestores, investidores e formuladores de políticas. Para os investidores, a escolha de quais ações incluir em suas carteiras deve levar em consideração o histórico do payout e como ele é afetado por mudanças na tributação de dividendos.

Já os formuladores de políticas, devem considerar que a tributação conduz mudanças em políticas de pagamento de dividendos, mas também nos seus investimentos e em estratégias de financiamento. Portanto, qualquer mudança na legislação tributária deve ser precedida de um estudo cuidadoso dos efeitos que podem provocar a partir da reação natural no comportamento empresarial e, por conseguinte, no investimento privado e no crescimento econômico.

Outra pesquisa com companhias portuguesas evidenciou que uma política de distribuição de dividendos mais generosa tem impacto positivo sobre o valor de mercado das ações ou das companhias e que o dividend yield por ação é uma variável importante para explicar o valor da empresa.

A associação dos resultados dessas pesquisas permite concluir que:

(i) a política tributária influencia a política de payout. Quando maior a tributação incidente sobre os dividendos, maior a tendência à redução do pagamento de dividendos.

(ii) as companhias que pagam menos dividendos tendem a perder valor de mercado e atratividade para a negociação no mercado de capitais

No longo prazo, portanto, as políticas tributárias que criam ou majoram incidências sobre os dividendos podem acabar reduzindo a atratividade das empresas no mercado de capitais. Para as companhias que dependem desse tipo de mercado para financiarem seus investimentos, esse evento pode aumentar o custo de captação. Outro efeito que precisa ser analisado é a precificação das ações em ofertas públicas iniciais.

O tema é instigante e requer uma análise que responda pelo menos questões essenciais.

Sob o ponto de vista do orçamento público, caso o pagamento de dividendos seja de fato reduzido, a arrecadação agregada de IR sobre o lucro das empresas pode ser reduzida, mesmo que a alíquota nominal combinada cresça?

Sob o prisma microeconômico, a mudança brusca na forma de tributar o lucro (tributação agregada empresa e acionista) pode provocar externalidades (positivas ou negativas) no investimento produtivo de longo prazo?

Por fim, sob o aspecto macroeconômico, quais seriam os efeitos de um possível desaquecimento do mercado de capitais decorrente da redução da atratividade das ações e consequente alocação de capital excedente em outros produtos como títulos públicos, por exemplo?

Conforme pesquisa contratada pela Anbima, o aquecimento do mercado de capitais resulta no alívio do financiamento via bancos públicos (ex. BNDES) a taxas subsidiadas e tem o poder de aumentar o PIB per capita (a variação de 1% no mercado de capitais tem impacto médio de 0,3% no PIB per capital). Assim, a perda de tração desse mercado pode acabar por prejudicar o orçamento público e o desenvolvimento geral da economia?

O estudo “Taxing corporate dividends can stimulate investment and reduce the misallocation of capital” (2020), que teve por objetivo analisar esse ponto a partir da realidade francesa, demonstrou uma queda brusca no pagamento dividendos em função do aumento da tributação, quando da reforma de 2013 que aumentou quase três vezes a alíquota do IR sobre dividendos para um grande grupo de empresas na França.

O estudo também indicou que a queda no pagamento de dividendos permitiu maior concentração de caixa nas empresas que utilizaram esse excedente para aumentarem seus investimentos, acumularem economias corporativas e melhorarem a política de crédito a seus clientes, equação que ajudou as empresas a crescerem mais rapidamente.

O estudo empírico acompanhou os primeiros cinco anos após a reforma tributária e alertou sobre a possibilidade de redução na produção geral no longo prazo se houver piora na alocação de capital em função de maiores restrições financeiras para financiamento das atividades produtivas ou se o aumento do investimento se concentrar em empresas com baixo retorno sobre o capital.

Também foi identificado maior aumento na taxa de investimento para as empresas com maior retorno marginal sobre o capital e com altos níveis de má alocação de capital no período anterior à reforma. Em outras palavras, os empreendedores não estão dispostos a desperdiçar seus ganhos não distribuídos, por isso, a decisão de reinvesti-los está condicionada a uma melhor oportunidade de retorno.

Também foi ressaltado que algumas teorias econômicas preveem que a tributação sobre dividendos reduz o investimento para empresas dependentes de capital para financiamento de seu crescimento (Poterba e Summers[2][3]) mas que essa pesquisa empírica, não foi capaz de confirmar esse impacto negativo.

Por fim, o estudo ressaltou que os empreendedores franceses, antes da reforma, empregavam muito de sua liquidez pagando dividendos, o que os deixava sem caixa próprio para aproveitarem oportunidades de investimento, sacrificando o desenvolvimento de longo prazo em benefício do curto prazo.

Vemos, portanto, que o estudo associou seus resultados a um cenário no qual (i) a política de payout é mais agressiva e contribui para descapitalizar as empresas, (ii) o aumento no nível de investimentos em detrimento à distribuição de resultados não é automático e depende da identificação de boas oportunidades e (iii) esse aumento é maior nas circunstâncias em que há má alocação de capital.

Já sabemos que as companhias brasileiras não são agressivas em suas políticas de payout e que buscam a manutenção de fluxos mais constantes, mas em relação as demais características, em que cenário o Brasil está?

Mesmo sem conhecer a resposta a essa pergunta, é possível concluir que não basta uniformizar alíquotas para que o Brasil se torne mais competitivo na corrida pela alocação de recursos mundiais. Há muitas questões econômicas a serem respondidas analisando o curto, o médio e o longo prazos.

A mudança açodada, ainda que juridicamente possível, é muito pior do que mudança nenhuma. Reformas que podem trazer impactos tão relevantes para a economia em geral devem ser estudadas não apenas pelo prisma jurídico tributário, mas também pela ótica do mercado de capitais, da governança e do desenvolvimento econômico.

Ao final todos queremos que o Brasil seja próspero como país e que mudanças legislativas contribuam para esse cenário. Essas reformas dependem de analisarmos as possíveis consequências a partir da nossa realidade, da nossa capacidade de identificar nossas diferenças em relação a outros países e como essas diferenças podem nos impactar.

A argumentação sobre a tributação de dividendos pode ser convincente se demonstrar, a partir dos nossos dados, as projeções que apontem de fato que as externalidades positivas superam as negativas, inclusive no longo prazo.

Justificar a reforma porque outros países já tributam dividendos, sem considerar nossas peculiaridades, lembra-nos das mães de antigamente que contrariavam as alegações de que deveríamos fazer algo porque todos faziam, respondendo sem pestanejar: você não é todo mundo!

[1] Garbin, Janaina Fernanda Bórmio Ruffini. Política de distribuição de proventos e tributação. Dissertação, 2020, FGV – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

[2] Poterba, James M. & Summers, Lawrence H., 1983. “Dividend taxes, corporate investment, and Q’,” Journal of Public Economics, Elsevier, vol. 22(2), pages 135-167, November.

[3] James M. Poterba & Lawrence H. Summers, 1984. “The Economic Effects of Dividend Taxation,” Working papers 343, Massachusetts Institute of Technology (MIT), Department of

Luciana Ibiapina Lira Aguiar

Advogada, economista e contadora. Professora da FGV Direito SP. Sócia do Bocater Advogados.

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