Suspensão e interrupção da decadência no Direito Tributário (parte 1)

Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

Nos idos dos anos 1980, ao prefaciar a obra Prescrição e Decadência no Direito Tributário Brasileiro, Geraldo Ataliba rotulava o tema como “desafiador” [1]. O decurso do tempo – que, aliás, está na espinha dorsal de ambos os institutos – serviu para provar que o mestre de tantos mestres estava correto em sua análise. Controvérsias envolvendo o prazo para redirecionamento do executivo fiscal ou a contagem do prazo decadencial para o lançamento do ITCMD em doações não comunicadas às respectivas Receitas estaduais estiveram na ordem do dia das mais calorosas discussões dos últimos anos nos tribunais superiores.

Com o Carf não foi diferente, estando o órgão no epicentro dos debates: falou-se da contagem do prazo decadencial para coobrigados (aqui e aqui), discutiu-se a hipótese de a declaração prévia ser capaz de atrair a aplicação do §4º do art. 150 do CTN (aqui), abordou-se a transmissão do PER e da DCOMP e o prazo decadencial para o pedido de restituição (aqui), tratou-se do termo a quo para o decurso do lapso temporal quinquenal no regime de drawback (aqui) e polemizou-se a decadência do ITR, cujo lançamento, desde 1997, é feito por homologação (aqui).

Mais recentemente, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) começou a se debruçar sobre a possibilidade de uma ordem judicial ter suspendido – ou, quiçá, interrompido – o prazo decadencial [2]. Por não ter havido proclamação de julgamento, a análise da situação fático-jurídica descortinada naqueles autos será objeto de uma segunda coluna, tão logo seja conhecido o deslinde da querela.

Decadência segundo os civilistas
Como bem lembrou Ataliba, “não é mal, também, considerar com detença a fecunda e vasta elaboração dos privatistas, para aproveitar seu rigor técnico e os princípios por eles desvendados, que sejam transladáveis para as relações de Direito Público” [3]. Daí o porquê de antes de nos enveredarmos pelo Direito Público, mister voltar os olhos para a construção teórica do instituto da decadência conduzida pelos civilistas.

Spacca
Não obstante a doutrina e a jurisprudência tenham envidado esforços para distinguir, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (CC/16), os prazos de prescrição e de decadência, o diploma em momento algum menciona textualmente este último instituto.

Só com o Código Civil de 2002 (CC) é que ofertada nova disciplina à temática, cuidando em apartado da prescrição e da decadência, apresentando nuances que permitem estremar os institutos, malgrado exibam certos pontos comuns. Isso porque, tanto a decadência quanto a prescrição ostentam a circunstância de ambas operarem à vista de dois fatores inarredáveis e cumulativos: o decurso do tempo e a inércia do titular do direito [4].

Os artigos 207 a 211 do CC são dedicados à decadência, sem que haja, contudo, sua conceituação, mas apenas o desenho de alguns de seus contornos. O que, por ora, mais nos interessa abordar é o artigo 207 do CC, hialino ao dispor que “salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. Ou seja, “enquanto a prescrição é passível de suspensão e de interrupção, a decadência, em regra, é fatal” [5].

Visão dos tributaristas
A contextura teórica que os institutos exibem no campo do direito privado, à míngua de maiores delineamentos na esfera do direito público, fez com que os tributaristas se escorassem nas lições dos civilistas. Algumas foram as vertentes que, a partir daí, se formaram.

Para tributaristas como Ricardo Lobo Torres, “as duas formas de extinção do crédito tributário se estremam pelas seguintes notas: enquanto a decadência impede o exercício do poder de tributar, a prescrição prejudica a cobrança do crédito já constituído; na decadência perece o direito e na prescrição, a ação; a decadência não se suspende nem se interrompe, ao contrário da prescrição, que tem as causas interruptivas previstas no próprio CTN” [6].

STJ e CSRF
Em igual sentido, precedentes colhidos do Superior Tribunal de Justiça aduzem que “em direito tributário, o prazo decadencial, que não se sujeita a suspensões ou interrupções, tem início na data do fato gerador, devendo o Fisco efetuar o lançamento no prazo de cinco anos a partir desta data” [7].

A CSRF, à unanimidade, já externou entendimento similar e, de forma peremptória, consignou que “a interpretação de que a isenção suspenderia ou impediria o lançamento é ilegal e está em desacordo com o julgamento do Superior Tribunal de Justiça, que tem efeito vinculante para este Conselho. (…) Se o sujeito passivo gozava ilegalmente de isenção ou de imunidade, tal situação deveria ser constatada em tempo hábil para viabilizar o lançamento dentro do prazo previsto no Código Tributário Nacional, o qual, como já dito, não está sujeito à suspensão ou interrupção” [8].

O precedente citado, firmado sob a sistemática dos recursos repetitivos, de observância obrigatória pelas conselheiras e conselheiros do Carf, nos termos do Regimento Interno do órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, é o tema de nº 163, que definiu a seguinte tese jurídica:

“o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito” [9].

No caso em espeque parece ter a CSRF extrapolado o que deveras decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, eis que, no precedente tido como vinculante, nem mesmo em obiter dictum tangenciada a (im)possibilidade de suspensão ou interrupção do lustro decadencial.

Segunda vertente
Tendo em vista o disposto na alínea “b” do inciso II do artigo 146 da CRFB/88, que prescreve ser reservado à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a decadência, existe uma segunda vertente que sustenta haver no CTN uma única hipótese de interrupção à causa extintiva da obrigação tributária [10].

O inciso II do artigo 173 do Digesto Tributário consigna que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Para Regina Helena Costa,

“essa norma aponta outro relevante aspecto de distinção entre o regime de decadência disciplinado na lei civil e o estabelecido na lei tributária. No direito privado, ‘salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição’ (art. 207, CC). Diversamente, consoante se extrai da norma do art. 173, II, CTN, o prazo decadencial é passível de interrupção, visto que a decisão anulatória do lançamento anteriormente efetuado faz com que recomece a fluir o prazo decadencial” [11].

Em acórdão prolatado também pela CSRF encampada tal vertente, embora as expressões “interrupção” e “suspensão” da decadência parecem ter sido utilizadas como se sinônimas fossem, a despeito de engendrarem efeitos jurídicos díspares.

De toda sorte, apontado que o inciso II do artigo 173 do CTN “impropriamente admite a interrupção do prazo decadencial, reza[ndo] que tal prazo será contado da data em que se tornar irrecorrível aquela decisão. (…) [A] norma possui conteúdo questionável, pois além de trazer previsão de suspensão de prazo decadencial, ainda traz grande vantagem aos Cofres Públicos, vez que a autuação mesmo que considerada nula (vício formal) garante ao fisco liberdade contra o contundente prazo decadencial devolvendo-­lhe o prazo em sua integralidade” [12].

“Arrepio da doutrina”
Uma terceira corrente, capitaneada por Luciano Amara, afirma que seria o inciso II do artigo 173 do CTN verdadeira “‘violência’ contra o instituto da decadência” [13]. Ao seu sentir,

“[o] dispositivo comete um dislate. De um lado, ele, a um só tempo, introduz, para o arrepio da doutrina, causa de interrupção e suspensão do prazo decadencial (suspensão porque o prazo não flui na pendência do processo em que se discute a nulidade do lançamento, e interrupção porque o prazo recomeça a correr do início e não da marca já atingida no momento em que ocorreu o lançamento nulo). De outro, o dispositivo é de uma irracionalidade gritante. Quando muito, o sujeito ativo poderia ter a devolução do prazo que faltava quando foi praticado o ato nulo. Ou seja, se faltava um ano para a consumação da decadência, e é realizado um lançamento nulo, admita-se até que, enquanto se discute esse lançamento, o prazo fique suspenso, mas, resolvida a pendenga formal, não faz nenhum sentido dar ao sujeito ativo um novo prazo de cinco anos, inteirinho, como ‘prêmio’ por ter praticado um ato nulo. O parágrafo único do art. 173 é um dispositivo perdido no tempo. Que ele é um terceiro comando sobre contagem da decadência, não há dúvida” [14].

Suspensão fática
Por derradeiro, sob o escólio de Eurico de Santi, redigiu a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional o Parecer/PGFN/CAT nº 688 (aqui), de modo a abordar a “suspensão fática da decadência por força de decisão judicial”. Após ratificar que “além de extintivo, o prazo de decadência é ininterrupto” e inexistir no CTN hipótese de suspensão da decadência, afirma existir situações em que haveria a “suspensão fática da decadência, [em] período de tempo durante o qual a Administração esteve impossibilitada de agir e prosseguir na constituição do crédito tributário”.

Conforme conceitua o tributarista, a suspensão fáctica ocorrerá “quando houver impedimento do exercício do direito ou exercício efetivo desse direito, que desqualifiquem como omissiva a conduta do titular do direito” [15]. Tal hipótese seria diferente da indigitada suspensão legal, “quando a descontinuação do prazo for determinada expressamente por lei, independentemente de haver qualquer circunstância efetiva que impeça o exercício do direito” [16].

Conclusão
Se, como afirma Ataliba, “a certeza do direito e a estabilidade das relações jurídicas dependem essencialmente da pureza das manifestações judiciais” [17], não só as especificidades do caso concreto precisam ser levadas a sério, como há de ser ofertada robusta compreensão do instituto da decadência, que se mostre em sintonia com as regras e os princípios norteadores do Direito Tributário. As vertentes apresentadas com as notas que as aproximam e as separam não podem ser tomadas como meramente acadêmicas, como se delas não decorressem efeitos práticos.

Tentaremos melhor demonstrar o que estamos a mencionar na próxima coluna dedicada ao tema. Até lá nos parece primordial não nos descurarmos das lições extraídas do Direito Civil sobre o instituto da decadência, eis que questões tidas como assaz áridas podem ser, com elas, descomplicadamente solucionadas.

– Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] ATALIBA, Geraldo. Prefácio. In: PAULA, Edylcéa Tavares Nogueira de. Prescrição e decadência no Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais [Coleção Textos de Direito Tributário], 1984, p. vii-ix, p. vii.

[2] A discussão do processo de nº 15504.016642/2008-92 será retomada com a reinclusão em pauta, após sair em vistas.

[3] ATALIBA, Geraldo. Prefácio. In: PAULA, Edylcéa Tavares Nogueira de. Prescrição e decadência no Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais [Coleção Textos de Direito Tributário], 1984, p. vii-ix, p. vii-viii.

[4] LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 25.

[5] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2018 [e-book].

[6] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, p. 303. Em igual sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 687.

[7] STJ. REsp nº 332.366/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, julgado em 19/2/2002, DJ de 8/4/2002; STJ. AR nº 2.159/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2007, DJ 10/09/2007.

[8] CARF. Acórdão nº 9202-008.822, Cons. Rel. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 27 de jul. de 2020 [à unanimidade].

[9] STJ. REsp nº 973.733/SC, Re. Min. LUIZ FUX, Primeira Seção, julgado em 12/8/2009, DJe de 18/9/2009.

[10] LUCIANO AMARO afirma haver “incoerência interna do Código Tributário Nacional. Se ele considera que o ‘crédito tributário’só nasce com o lançamento, a decadência (que implica a perda do direito de lançar) não poderia ser identificada como causa de extinção do crédito tributário, ou seja, de algo que ainda não teria nascido e que, com a decadência, ficaria proibido de nascer.” AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2018 [e-book].

[11] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva Educação, 2019 [e-book]. De modo análogo, SACHA CALMON afirma que “embora anômalo em relação à teoria geral da decadência, que não admite interrupções, pois que sua marcha é fatal e peremptória, o sistema do Código adotou uma hipótese de interrupção da caducidade. Mas há que entendê-la com temperamentos. Em rigor, já terá ocorrido um lançamento, e, pois, o direito de crédito da Fazenda já estaria formalizado. Não há mais falar em decadência. Em real verdade, está a se falar é em anulação de lançamento – por isso que inaproveitável – e sua substituição por outro, hipótese, por exemplo, de lançamento feito por autoridade incompetente para fazê-lo (o SERPRO, v.g., e não o funcionário fiscal da Receita Federal).” COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012 [e-book].

[12] CARF. Acórdão nº 9202-006.682, Cons.ª Rel.ª ANA PAULA FERNANDES, sessão de 17 de abr. de 2018 [à unanimidade].

[13] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2018 [e-book].

[14] Idem.

[15] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Editora Max Limonad, 2020, p. 240.

[16] Idem.

[17] ATALIBA, Geraldo. Prefácio. In: PAULA, Edylcéa Tavares Nogueira de. Prescrição e decadência no Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais [Coleção Textos de Direito Tributário], 1984, p. vii-ix, p. vii.

Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

doutora em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com período de investigação na McGill University, pós-doutora e mestra pela UFMG, vice-presidente da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), conselheira da 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf e professora.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

kuwin

iplwin

my 11 circle

betway

jeetbuzz

satta king 786

betvisa

winbuzz

dafabet

rummy nabob 777

rummy deity

yono rummy

shbet

kubet

winbuzz

daman games

winbuzz

betvisa

betvisa

betvisa

fun88

10cric

melbet

betvisa

iplwin

iplwin login

iplwin app

ipl win

1win login

indibet login

bc game download

10cric login

fun88 login

rummy joy app

rummy mate app

yono rummy app

rummy star app

rummy best app

iplwin login

iplwin login

dafabet app

https://rs7ludo.com/

dafabet

dafabet

crazy time A

crazy time A

betvisa casino

Rummy Satta

Rummy Joy

Rummy Mate

Rummy Modern

Rummy Ola

Rummy East

Holy Rummy

Rummy Deity

Rummy Tour

Rummy Wealth

yono rummy

dafabet

Jeetwin Result

Baji999 Login

Marvelbet affiliate

krikya App

betvisa login

91 club game

daman game download

link vào tk88

tk88 bet

thiên hạ bet

thiên hạ bet đăng nhập

six6s

babu88

elonbet

bhaggo

dbbet

nagad88

rummy glee

yono rummy

rummy perfect

rummy nabob

rummy modern

rummy wealth

jeetbuzz app

iplwin app

rummy yono

rummy deity 51

rummy all app

betvisa app

lotus365 download

betvisa

mostplay

4rabet

leonbet

pin up

mostbet

Teen Patti Master

Fastwin App

Khela88

Fancywin

Jita Ace

Betjili

Betvisa

Babu88

Jaya9

Mostbet

MCW

Jeetwin

Babu88

Nagad88

Betvisa

Marvelbet

Baji999

Jeetbuzz

Mostplay

Jwin7

Melbet

Betjili

Six6s

Krikya

Jitabet

Glory Casino

Betjee

Jita Ace

Crickex

Winbdt

PBC88

R777

Jitawin

Khela88

Bhaggo

509 Bandwidth Limit Exceeded

Bandwidth Limit Exceeded

The server is temporarily unable to service your request due to the site owner reaching his/her bandwidth limit. Please try again later.