Sugestões para pagamento pela União do ICMS devido por estados sobre exportações
Fernando Facury Scaff
As diversas propostas de reforma tributária que tramitam pelo Congresso e pelo imaginário do governo, como o retorno da CPMF, não contemplam nenhuma solução para a devolução dos créditos de ICMS acumulados pelos exportadores.
Para que não está sintonizado com o assunto, escrevo breves linhas.
A Constituição de 1988, erroneamente, permitiu que os estados cobrassem ICMS dos produtos que fossem exportados. O erro está na tributação por um ente subnacional, de uma atividade que é essencial para obter divisas para todo o país – ou seja, interesse nacional. Logo, mais arrecadação para os estados, que cobravam esse ICMS, implicava em menor colocação dos produtos nos mercados internacionais, pois se tornavam mais caros – logo, ia contra o interesse nacional.
Posteriormente, mudança constitucional impediu que esse ICMS fosse cobrado nas exportações, o que solucionou esse problema, mas, lateralmente, criou dois outros: (1) os estados perderam arrecadação, e (2) mesmo não havendo tributação na exportação, havia créditos de ICMS que se acumulavam no curso da cadeia produtiva daqueles produtos – é simples de entender: todos os insumos necessários para a produção de um carro contém ICMS, porém, quando esse carro é exportado e o ICMS na exportação não é cobrado, permanece o acúmulo de créditos decorrentes da aquisição dos referidos insumos, o que mantém o ônus tributário.
Pois bem, para solucionar estes dois novos problemas, duas soluções foram encontradas: (1) Foi estabelecido um fundo financeiro na Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) para que a União ressarcisse os Estados por suas perdas; e (2) foi assegurado aos exportadores que os Estados ressarciriam esse “resíduo de crédito” de ICMS acumulado na produção dos bens exportados.
É translúcido que uma solução estava casada com a outra, pois os valores que a União transferia aos estados via fundo deveriam compensar os acúmulos de créditos de ICMS das exportações. Porém isso não ocorreu. A União pagou e nem todos os créditos foram ressarcidos – só um ou outro estado manteve pagamentos regulares.
Novas normas foram criadas pela EC 42/03 dispondo sobre o assunto, garantindo que (1) a União legislaria criando parâmetros para essas transferências aos estados (artigo 91 do ADCT), e (2) reafirmando que os créditos dos exportadores seriam ressarcidos (artigo 155, parágrafo 2º, X, “a”, da Constituição).
Ocorre que o Congresso não legislou, tendo sido necessária uma ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (ADO 25) para obrigar o Congresso a legislar.
Após longa tramitação, cheia de percalços e peculiaridades processuais, que relatei em outro texto nesta ConJur, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, conseguiu obter um acordo histórico, através do qual foi assegurado que a União repassará o montante de R$ 58 bilhões aos estados, entre 2020 e 2037, em parcelas mensais. Tal acordo interfederativo, isto é, entre a União e os estados (que repassarão uma parcela aos municípios), foi sacramentado por duas alterações normativas: (1) pela Lei Complementar 176/20, que estabelece as condições para esse repasse; e (2) pela revogação do artigo 91 do ADCT, que determinava as condições para esse repasse – que cessará no ano de 2037.
Exposto o problema e a solução adotada, observa-se que faltou um ator importantíssimo em todo esse cenário: o ressarcimento dos créditos de ICMS acumulados decorrentes da exportação. Nem um pio foi dito sobre isso, a despeito de, na petição inicial da ADO 25, esse argumento ter sido apresentado em favor do que se pretendia.
O que fazer para solucionar esta omissão? Ocorrem-me duas alternativas.
A primeira é não fazer nada e aguardar de braços cruzados que os Estados paguem os créditos acumulados de ICMS decorrentes dessas exportações.
A segunda é mais eficaz. Ingressar com uma ação de descumprimento de preceito fundamental, diretamente junto ao STF, através de uma confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, pedindo que, do montante que a União transfere aos estados, seja apartado o valor devido referente aos créditos acumulados de ICMS decorrentes de exportação. Desse modo, antes da transferência, haveria a separação de um montante para devolver estes créditos, impedindo que os estados posterguem o pagamento, como vem sendo efetuado há décadas.
Claro que esta segunda opção é mais complexa, porém mais eficaz, a despeito de algumas dificuldades procedimentais, tal como a de operacionalizar a separação desses valores, caso uma decisão advenha do STF nesse sentido.
O fato é que tais créditos – que se constituem em débitos dos estados, e, portanto, devem ser inscritos dentre suas dívidas – tem que ser pagos. E esta é uma oportunidade inigualável para o fazer – duvido que outra surja nos próximos anos.
É necessário agir, pois, a depender dos estados, esse débito vai ser engolido pelas reformas tributárias que se avizinham.
Fernando Facury Scaff
Professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.