Tributação em conjunto: na trágica reforma do IR apareceu uma grande ideia

Elidie Palma Bifano

O PL 2337, que modifica o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro, segue sua caminhada, agora no Senado Federal, e já se observam sugestões e propostas dos diversos integrantes dessa Casa Legislativa. É muito difícil propor mudanças em um projeto que, a nosso ver, peca por todo tipo de equívoco e tem como único objetivo, declarado, não aprimorar esses tributos, mas buscar recursos para o caixa do Governo, inclusive sob a alegação de atender aqueles brasileiros que se colocam em grau de pobreza extrema.

Já tivemos oportunidade de comentar várias proposições desse projeto, concluindo que não há nada de novo, apenas tenta-se resgatar práticas descontinuadas desde 1995, com nítido prejuízo para o contribuinte. Busca-se abalar um sistema consolidado e que muito bons resultados tem trazido, inclusive por atrair novos investidores. Até o momento não se pode afirmar que o Senado Federal tenha a intenção de aprovar, sem muita discussão, como ocorreu na Câmara dos Deputados, as mudanças propostas, pois, ao contrário seu relator tem afirmado, publicamente, que não tomará nenhuma medida mais açodada e que quer discutir com a sociedade o seu conteúdo, o que é muito bom.

Entretanto, examinando algumas emendas já apresentadas pelo Senado, chama a atenção que o senador Luis Carlos Heinze, através da Emenda Aditiva número 3, propõe alterar a Lei n. 9430/96 para, introduzindo um artigo 1°- A, permitir que pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, submetidas a controle comum, direto ou indireto, nos termos do artigo 116 da Lei nº 6.404/76, apurem seus lucros sujeitos à tributação de forma consolidada. Este é um tema de grande importância e a ele temos nos dedicado, há algum tempo, em debates públicos, apresentações, congressos e publicações propugnando, inclusive, que uma proposta de reforma tributária o contemple. E isso não será difícil, pois não se trata de reforma constitucional ou de lei complementar, bastando, apenas, a edição de uma lei ordinária e de um decreto presidencial ou uma instrução normativa de Secretaria da Receita Federal do Brasil — RFB, para regulá-lo em nível infralegal.

Eis aí uma grande ideia, embora, para nossa infelicidade, tenha sido incluída em um projeto de reforma cheio de equívocos, verdadeiro caos, que vem perdendo, gradualmente, a confiança da sociedade.

Os fundamentos lógicos desse instituto, adotado por muitos países, residem no conceito de grupo de sociedades, no nosso caso já constante da Lei n. 6404/76, e na consequente consolidação de bases de cálculo tributáveis de diferentes sociedades sob controle comum, portanto integrantes do grupo de sociedades. A adoção da tributação conjunta, no cenário internacional, decorre de uma opção trazida pelo sistema, que uma vez exercida pode vigorar por prazos diferentes a depender dos interesses do Poder Público, bem como dos próprios integrantes do grupo. Importa para tais legislações, inclusive, a relação que as entidades do grupo têm entre si, podendo a tributação conjunta caracterizar-se como uma consolidação completa, de tal forma a tais entidades formarem uma unidade, abandonando sua identidade, ou apenas uma transferência de atributos fiscais, como ocorre com a transferência de prejuízos fiscais e créditos tributários, ou, ainda, um sistema híbrido que conjuga os dois anteriores.

No nível do grupo de empresas e de sua administração, a adoção desse regime associa-se a interesses fiscais do conjunto de entidades que o integram enquanto, no nível das empresas, a interesses fiscais particulares de cada uma dessas entidades. A adesão ao regime de tributação conjunta, não sendo compulsória, tampouco cria restrições à retirada dos partícipes, de tal forma que a adesão e saída são prerrogativas de cada uma das entidades.

Esse tema, envolvendo a tributação conjunta de empresas integrantes de um grupo econômico não é novo no País, tendo sido introduzido, pela primeira vez, pelo Decreto-Lei n. 1598/77, artigo 2°, acompanhando a figura do grupo de sociedades que a então novel lei societária, Lei n. 6404, havia introduzido. Assim, o artigo 265 dessa lei autoriza que a sociedade controladora e suas controladas constituam, observadas as disposições legais, grupo de sociedades, instituindo convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, inclusive a participação em atividades/empreendimentos comuns. De acordo com a lei societária, a controladora deve ser brasileira, exercendo, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das demais entidades, como titular de direitos de sócio ou por acordo. Os lucros auferidos pelas controladoras em sociedades controladas, desde a edição da Lei n. 6404, são registrados pela Metodologia da Equivalência Patrimonial — MEP que nunca teve efeitos fiscais.

Embora à época da edição do Decreto-Lei n. 1598, o instituto da tributação conjunta tenha sido muito bem recebido, logo após foi revogado pelo Decreto-Lei n. 1648/78, ao argumento de que durante os trabalhos de regulamentação da matéria evidenciaram-se dificuldades intransponíveis que fatalmente tumultuariam o sistema fiscal e inviabilizariam, na prática, a tributação pela unidade econômica e, por conseguinte, a revogação dos dispositivos que a autorizavam. [1]

A nosso ver, essas razões utilizadas para revogar o regime de tributação em conjunto não mais existem, pois, no Brasil os grupos de empresas atuam de forma interconectada e complementar, como se fossem uma única entidade, inclusive fora do país, em uma economia de grande complexidade, tendo a obrigação de preparar demonstrações financeiras consolidadas. Essa regra contábil é de obrigatória observância, na hipótese de uma sociedade controlar uma ou mais entidades, independentemente de serem qualificadas como companhias abertas. Além disso o Brasil adotou, em 2007, os padrões contábeis internacionais, os IFRS [2], inclusive para os balanços individuais, sendo que tais padrões são voltados, em sua origem, a demonstrações financeiras consolidadas, com isso afastando-se quaisquer problemas de equalização de práticas entre controladora e controladas. Dessa forma, a obtenção de elementos e dados para preparar a tributação conjunta foi substancialmente simplificada, logo sendo essa primeira suposta dificuldade eliminada.

Além disso, o SPED — Sistema Público de Escrituração Digital, modernizando e ampliando as informações a serem prestadas ao Fisco, contempla campos específicos para a Escrituração Contábil Digital—ECD, com um bloco K, designado por — Conglomerados Econômicos — Empresas obrigadas e dispensadas, cujo objetivo é apresentar saldos consolidados da controladora e suas controladas os quais dão origem às demonstrações consolidadas, além de outras informações. O preenchimento desse bloco tornou-se obrigatório para as empresas que devem elaborar e apresentar demonstrações consolidadas, portanto mais um passo para atender à informação consolidada e, destaque-se, dentro dos parâmetros exigidos pelo Fisco.

À vista desses dois elementos essenciais, parece-nos que as supostas dificuldades intransponíveis, do passado, estão desaparecendo.

Em nossa avaliação, como já deixamos consignado em outras ocasiões, muitas são as vantagens da adoção desse regime de tributação tais como: maior eficiência tributária do grupo de empresas; abandono de planejamentos tributários abusivos com o viés de aproveitar vantagens tributárias entre as empresas do grupo, visto que na tributação conjunta tudo converge para o pagamento de tributo sobre um único lucro, do grupo, registrado na controladora; autorização para compensar prejuízos fiscais entre a as empresas do mesmo grupo, afastando-se malabarismos tributários vedados para obter tais efeitos na ausência de grupo formal; afastamento das regras de distribuição disfarçada de lucros, visto que as operações entre a controladora e controladas estão autorizadas e seu eventual resultado será colhido pela tributação conjunta; redução dos custos de observância ou compliance, inclusive com a possibilidade de ratear gastos; redução das dificuldades que hoje são encontradas na elaboração de balanços individuais, para fins fiscais, de acordo com as regras dos IFRS.

É interessante observar que toda a tributação conjunta está suportada na desconsideração da personalidade jurídica de cada entidade, pois elas se compõem em um grupo que abandona as particularidades e afasta os resultados auferidos por cada uma delas. Do ponto de vista prático, atribui-se a essa consolidação a característica de uma unidade econômica de produção, cujos resultados são refletidos na controladora do grupo. A facultatividade na adoção desse modelo reside na possibilidade de se manter a tributação individualizada por entidade personalizada ou migrar para a figura da controladora que acaba, sempre, reconhecendo todos esses resultados individuais. Apenas para relembrar, os IFRS estão suportados em uma visão econômica do grupo na figura do controlador, o que facilita a adoção de tal instituto.

Mais recentemente, a Lei n. 12973/14, artigo 76 e subsequentes, introduziu a tributação em bases universais, por meio da qual a pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil ou a ela equiparada, deverá registrar a evolução patrimonial dos investimentos em controladas, diretas ou indiretas, no exterior, mediante o emprego do MEP que, nesse caso, tem efeitos fiscais no que tange à parcela de lucro da investida nele contida.

A Emenda Aditiva número 3, ao PL 2337, sob comentário, propõe que a partir de 1º.01.2022, o lucro real e a base de cálculo da CSL das pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil que possuam controle comum, direto ou indireto, nos termos do art. 116 da Lei nº 6.404/76, poderão ser apurados de forma consolidada. Nesse modelo proposto é possível: 1) consolidar saldos de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSL, acumulados, de cada controlada e da controladora, observado o limite de 30% do lucro tributável para fins de compensação; 2) não aplicar às empresas tributadas em conjunto, as disposições atinentes à distribuição disfarçada de lucros; 3) compensar créditos de natureza tributária administrados pela RFB de todas as entidades que fazem parte do consolidado. Com isso, fica claro que o grupo será tratado como uma única pessoa, a ele permitindo-se tudo que uma pessoa jurídica também poderia fazer com seus próprios lucros, prejuízos e tributos a pagar.

Nessa proposta levada ao Senado, a opção pela consolidação é irrevogável e irretratável para o ano-calendário correspondente, vinculando todas as entidades nela indicadas, observadas as condições de controle que permitem a consolidação, preservando-se em cada uma delas os efeitos das reduções de base de cálculo, isenções, imunidades, deduções e demais benefícios e regras aplicáveis individualmente. Por fim e de extrema importância é a determinação de que a consolidação, para fins de apuração dos tributos em referência, tomará por base os procedimentos contábeis de consolidação aceitos no país para elaboração e apresentação das demonstrações financeiras consolidadas, de forma a se apurar o lucro contábil consolidado, base para a apuração do Lucro Real e da Base de Cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, após os ajustes de lei.

De muito bom senso, pois, a consolidação para fins de apuração dos tributos de que trata esta proposta, que, para tanto privilegiará os procedimentos contábeis de consolidação normalmente aceitos no país para elaboração e apresentação das demonstrações financeiras consolidadas afastando, para tanto, critérios meramente fiscais que poderiam afetar o objetivo primeiro da norma: tributar em conjunto os lucros auferidos pelas entidades integrantes do grupo.

Na justificativa da Emenda, o autor argumenta que o sistema tributário brasileiro se apoia na premissa de separação das entidades jurídicas para fins de apuração dos resultados tributáveis, o qual contudo, tem gerado grandes ineficiências fiscais para grupos econômicos que atuam em diversos segmentos de mercado e que, por diferentes razões negociais, operam seus negócios por meio de diferentes pessoas jurídicas. Além disso aponta diversos dos fundamentos aqui já discutidos (impossibilidade de compensação de prejuízos gerados intragrupo, planejamentos em reestruturações, normas sobre distribuição disfarçada de lucros, dentre outros) para justificar esse modelo.

Por qualquer ângulo que se examine, a tributação em conjunto se mostra oportuna. Para o contribuinte, a tributação conjunta permitirá melhor alocação de recursos entre as entidades que compõem o grupo, aumentando a eficiência da gestão tributária, reduzindo custos com operações de planejamento tributário que objetivem remanejar, legalmente, riquezas tributáveis para permitir a compensação de prejuízos fiscais, por exemplo. Também afastará o risco de questionamento por parte das autoridades e a aplicação de institutos obsoletos, como a distribuição disfarçada de lucros, nas hipóteses cabíveis, pois o grupo será tido como uma única entidade, de tal sorte que as relações entre eles não serão questionadas. Em linha com isso, afastam-se custos de observância e reduz-se o contencioso tributário.

Para o Fisco, é certo que a tributação em conjunto reduzirá custos de fiscalização, limitando a busca pela prática de operações de planejamento tributário entre entidades integrantes de um mesmo grupo de empresas. Além disso, o Brasil estará alinhado com as práticas internacionais e assim poderá atrair mais investimentos.

Este parece ser o momento apropriado para examinar a introdução da tributação em conjunto, pois o cenário econômico é muito diverso daquele da década de 1970, quando editado o Decreto-lei n. 1598/77, como demonstrado. Além disso, há um clamor pela modernização do sistema, contando o País com muitos grupos de empresas, formais ou não.

A matéria merece, por sua importância, um projeto de lei bem estruturado e discutido com a sociedade. Se houver descontinuidade na discussão do Projeto de reforma do IRPJ e da CSL, que o conteúdo da Emenda Aditiva número 3 siga sua caminhada no Congresso Nacional, de forma independente, até sua aprovação como lei.

[1] Exposição de Motivos do Decreto-Lei n. 1648/78.

[2] International Financial Reporting Standards

Fonte: Conjur

Elidie Palma Bifano

Advogada em São Paulo, mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC/SP, professora no Curso de Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo–FGV e nos Cursos de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU – IICS.

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