Sociedade informacional e sistema público de escrituração digital

Guilherme Villela de Viana Bandeira

Introdução

A tese que este trabalho pretende expor é a relativamente simples: as avançadas tecnologias da informação utilizadas pelo Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) introduziram novas categoriais jurídicas espaço-temporais no Direito tributário. Entretanto, este não é um fenômeno restrito à modernização administração fiscal, mas está presente em vários aspectos da vida contemporânea, dada a alta penetrabilidade dessas tecnologias em nosso cotidiano. Isso ocorre porque, com a introdução da tecnologia de informação no atual estágio do capitalismo, passamos a lidar de forma diferente com nossa experiência social de espaço e tempo. Em linhas gerais, passamos a conceber um tempo cada vez mais efêmero e imediato. Temos também uma percepção do espaço cada vez menos físico, mais virtual e comprimido. Não é o caso de dizer que vivemos um determinismo tecnológico, onde a tecnologia determina o modo como nos relacionamos e nos comunicamos, mas que existe uma relação dialética entre tecnologia e sociedade: a tecnologia ao mesmo tempo incorpora a sociedade e é utilizada por ela. Ocorre que o Direito cada vez mais tem sofrido influência e incorporado essas mudanças materiais, passando a reconhecer, por suas normas, uma nova realidade ou, melhor, uma nova maneira de conceber o tempo e o espaço.

O Direito, em algumas de suas áreas, semelhante a outros campos do conhecimento, como a genética e a medicina, está sendo cada vez mais reduzido a um sistema comum de informações e passou a seguir a lógica do desenvolvimento informacional(1). Segundo este modo de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamentos da informação e de comunicação de símbolos. Segundo esta lógica, a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia dependem de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos: a própria informação é o produto do processo produtivo. O Estado não escapou ao funcionamento desta novo processo. Precisou também alterar suas estruturas jurídicas, seus mecanismos judiciais, suas engrenagens institucionais e toda sua capacidade de gestão e planejamento para a produção mais eficiente de informação.

O problema que será objeto dessa pesquisa reside no que chamamos de "descompasso categorial" ou "descompasso de paradigmas interpretativos" gerado por essa mudança estrutural. Uma realidade material exige um tipo de regulação e de categorias interpretativas específicas para descrevê-la. Wittgenstein não estava errado ao afirmar que "o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida"(2). Se há uma mudança radical em nossa forma de vida, nossa linguagem acompanha esta mudança. Este fenômeno é particularmente importante na linguagem jurídica, onde se exige uma precisão maior do que quando nos comunicamos coloquialmente.

Por exemplo, para encontrar coerência na legislação tributária, trabalhamos com categorias determinadas por padrões mais ou menos rígidos. Nos comunicamos dessa forma quando utilizamos conceitos como fato gerador, prescrição, decadência, obrigação principal, obrigação acessória, hipótese de incidência. Utilizando essas categorias interpretativas criadas pela dogmática jurídica, esperamos que nosso interlocutor minimamente compreenda o que queremos dizer. Se houver algum desentendimento, podemos ser mais precisos e nos auto-corrigimos, evitando ambigüidades e desentendimentos. Entretanto, quando a realidade material se altera radicalmente, como pressupõe este trabalho, novas normas buscam acompanhar esta mudança e demoramos a perceber que utilizamos os mesmos conceitos para nos referir a fenômenos normativos diferentes. Ou seja, quando uma nova realidade que se impõe à nossa revelia, demoramos a encontrar novos conceitos para entendê-la.

Aos poucos passamos a nos perguntar: O que ocorreu com os conceitos com os quais estávamos acostumados? Será que as velhas categoriais normalmente compartilhadas por nós ainda são capazes de compreender a realidade jurídica e material subjacente? Se não realizamos estes ajustes interpretativos, passamos a viver em uma esquizofrenia entre lógicas estruturais diferentes, presos a raciocínios e uma linguagem que não mais refletem o mundo vivido. No caso do Direito, isso pode trazer um problema ainda mais grave, pois rompemos ainda mais os canais de comunicação da sociedade. A linguagem da norma passa a refletir uma realidade autônoma e irreconhecível para seus operadores. Por isso um dos papéis da importantes da dogmática é elaborar, com base na legislação atual, conceitos que refletem as mudanças estruturais pelas quais nossa percepção espaço-temporal passou.

O Direito não teria nenhuma operacionalidade se as normas jurídicas, sejam elas primárias ou secundárias, não utilizassem em sua estrutura lógica e sintática categorias espaço-temporais(3). São elas que fornecem as condições de possibilidades das proposições jurídicas passíveis de serem avaliadas e compreendidas. Temporalmente, dizemos que as normas positivadas, abstratas e gerais, regulam o futuro. Por meio da adjudicação feita pela autoridade competente, a norma é aplicada no presente, mas regulando condutas que ocorreram no passado, com base em normas vigentes também no passado. Espacialmente, as normas jurídicas se utilizam de provas no sentido lato sensu. Provas, neste sentido amplo, são as representações ou signos admitidos pela própria norma como suportes materiais dos fatos que ocorreram no mundo real. Provas não podem ser confundidas, portanto, com os próprios fatos. Na verdade, elas são uma arma contra os fatos e a fugacidade com que eles ocorrem e nos escapam. A rigor, os próprios fatos podem nem ter ocorridos para a aplicação de uma norma, como ocorre no caso das presunções e ficções jurídicas.

Levando em conta estes dois pressupostos – de que houve uma alteração radical em nossa experiência espaço-temporal e que as normas jurídicas seguem essa estrutura sintática e lógica com categorias espaço-temporais – este trabalho buscará compreender mudanças categoriais das recentes mudanças que ocorreram desde a Emenda Constitucional nº 42 de 2003 e implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) por meio do Decreto nº 6.022, vigente desde 22 de janeiro de 2007 – doravante só "Decreto SPED". O objetivo declarado destas mudanças foi sistematizar as obrigações acessórias por um meio de validação jurídica na forma digital para o pagamento de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Este sistema opera por mecanismos de certificação digital em três áreas: a Escrituração Contábil Digital, a Escrituração Fiscal Digital e a Nota Fiscal Eletrônica – Ambiente Nacional.

A implantação deste novo sistema não foi uma mera mudança burocrática. Elas passaram a reconhecer, normativamente, a nova percepção espaço-temporal como descrita acima e buscam adaptar o Estado à lógica da economia informacional, buscando, por exemplo, a integração dos fiscos, a "racionalização" das obrigações acessórias e, principalmente, o processamento eficiente das informações necessárias à tributação. Tais mudanças obviamente não romperam com a estrutural lógica e sintática das normas tributárias, mas deram um novo significado às suas categorias espaço-temporais. Em outras palavras, essas novas normas tributárias lidam de forma diferente com o espaço e o tempo do que estávamos acostumados. Deram, portanto, um novo tratamento às provas, digitalizando-as e também lidam de forma diferente em relação ao tempo para o cumprimento das obrigações acessórias.

Por exemplo, o Código Tributário Nacional de 1967, todo pensado e vigente antes da revolução tecnológica, diz no art. 195 que:

"Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do Direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los".

No parágrafo único, diz que:

"Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram".

Analisemos o contexto informacional que vivíamos em 1967. A preocupação desse artigo era assegurar à autoridade tributária o acesso às provas físicas correspondestes às obrigações tributárias. Estas mesmas provas – os livros obrigatórios de escritura escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados – deveriam ser conservados fisicamente até a ocorrência da prescrição. Agora, comparemos com o disposto no art. 2º, caput, e § 1º do Decreto SPED de 2007:

"O Sped é instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal dos empresários e das sociedades empresárias, mediante fluxo único, computadorizado de informações".

Todos os livros e documentos de que trata o caput serão emitidos em forma eletrônica e estarão a todo tempo disponíveis para a fiscalização.

Se compararmos a disposição do CTN com o SPED, podemos ver que eles possuem uma percepção da realidade pertinente ao Direito totalmente distinta. Com a tecnologia da informação, os fiscos podem ter acesso, a qualquer tempo, a todas as provas necessárias à constituição do crédito tributário. Ela pôde desenvolver um sistema completamente virtual para o cumprimento e exigência dessas obrigações. A rigor, se levarmos em consideração somente a legislação do SPED, os contribuintes não precisam mais manter fisicamente seus arquivos ficais e contábeis pois a autoridade fiscal já os possui digitalmente. Ou seja, se o Direito, em sua própria operação, já tinha algum caráter de virtualidade e autorreferencialidade, pois, em certa medida, ignora os fatos ocorridos no mundo real e considera as provas dos fatos para a incidência da norma, com o sistema de escrituração digital essa virtualidade ficou ainda mais evidente. Obrigações, direitos e deveres puderam ser reduzidos a um sistema único de informação para que pudessem ser processados com maior rapidez. O Direito passa a reconhecer abertamente que trabalha com uma realidade formal, o chamado suporte fático, agora virtual.

A primeira parte deste trabalho vai caracterizar quais foram as mudanças espaço-temporais significativas com as quais passamos a nos relacionar e como o Direito, principalmente o Direito tributário através do SPED, tem respondido a elas. Neste percurso, percorreremos caminho inverso do que normalmente se faz na doutrina jurídica. Não nos perguntamos antes da pesquisa, qual a natureza definidora e essencial dos conceitos jurídicos ditos "verdadeiros", para depois aplicá-las à realidade. Pelo contrário, a justeza de uma definição e seus contornos serão ajustados à medida que eles nos ajudam a compreender o fenômeno jurídico em contato com a realidade social subjacente. Enfatizamos, portanto, a variação que encontramos quando analisamos a relação entre direito e sociedade(4), pois só se entendermos o Direito como um fenômeno dinâmico podemos encontrar as categorias interpretativas mais aptas a descrevê-lo. Em seguida, vamos propor mudanças que poderiam ser realizadas adaptar o Direito tributário como um todo a essa nova realidade.

1 – Espaço, Tempo e Direito na Sociedade Informacional

A integração dos mercados em escala global impulsionada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação não foi um fenômeno puramente econômico. A sociedade como um todo vem sofrendo, com mais intensidade a partir da década de 1970, profundas alterações culturais, institucionais e jurídicas. Mesmo sendo um fenômeno muito variado e complexo, seu diagnóstico segue um padrão comum nada animador.

Vivemos em uma sociedade do simulacro que perdeu o contato com o referente seguro e real, diz Baudrillard(5). A experiência é de uma esquizofrenia generalizada, presa no tempo presente, imediato, fugaz, como Fredric Jameson argumenta(6). Lyotard se tornou um best-seller acadêmico argumentando no livro A Condição Pós-Moderna, em 1976, que não teríamos mais uma metanarrativa unificadora do conhecimento. Cada "ciência" estaria isolada em seus próprios jogos de linguagem, não havendo nada mais que as unificasse. David Harvey, em uma análise mais marxista e materialista, diz que com os modernos sistemas just in time, a redução de estoques de todas as empresas, a financeirização da economia vivemos em uma intensa instantaneidade e descartabilidade em todas as facetas da vida humana, em nossas relações pessoais e em relação com nossa própria história de vida. Até nas ciências naturais, muitas vezes vistas como mais objetivas do que as ciências humanas, podemos ver reflexos dessa mudança. Por exemplo, a moderna física tem se ocupado cada vez mais com a teoria do caos, com a irracionalidade e a baixa capacidade preditiva da razão humana em determinar eventos futuros. Viveríamos, portanto, em um irracionalismo preso no que nos é imediato.

Os diagnósticos em relação ao Direito também não são nada animadores. Já na apresentação do livro "O Direito na Economia Globalizada" publicado pela primeira vez em 1999, José Eduardo Faria diz que "integrando mercados em velocidade avassaladora e propiciando uma intensificação da circulação de bens, serviços, tecnologias, capitais, culturas e informações em escala planetária, graças ao desenvolvimento da tecnologia, à expansão das comunicações e ao aperfeiçoamento do sistema de transportes, a globalização provocou a desconcentração, a descentralização e a fragmentação do poder"(7). O resultado dessas intensas mudanças seria que "dada a impressionante rapidez com que muitos dos conceitos e categorias fundamentais até agora prevalecentes na teoria jurídica vão sendo esvaziados e problematizados pelo fenômeno da globalização, seus códigos interpretativos, seus modelos analíticos e seus esquemas cognitivos revelam-se cada vez mais carentes de operacionalidade e funcionalidade. E nos pergunta:

"De que modo conceitos e categorias constituídos em torno do princípio da soberania, como monismo jurídico, norma fundamental, poder constituinte e originário, hierarquia de leis, direito subjetivo e segurança do direito, podem captar todo o dinamismo e interdependência presentes no funcionamento de uma economia globalizada?"(8)

É inegável que passamos por profundas mudanças nos últimos quarenta anos e que elas representaram uma revolução na relação entre direito e sociedade. Entretanto, não podemos facilmente anunciar a derrocada do direito positivo ou mesmo sua inoperabilidade sistêmica. Direito ainda há, mesmo tendo passado inúmeras mudanças. Ele não deixou de se constituir como um sistema hierárquico de normas que regulam sua própria criação, possui ainda um mecanismo relativamente claro e reconhecido por seus operadores para diferenciar as normas válidas das inválidas e detém o monopólio legítimo da força. Claro que podemos apontar algumas mudanças estruturais afins: a multiplicação de atos normativos infra-legais técnicos que não passam pela discussão parlamentar, o desmantelamento de direitos sociais para medidas focalistas, o impulso para o mercado financeirizado, a privatização das empresas estatais e etc. Mas nenhuma dessas mudanças apresentam um "enfraquecimento" do conceito de Direito. Podemos inclusive afirmar o contrário. Nunca houve tanta quantidade de regulamentação e nunca tantas matérias foram tematizadas e pautadas pelo Direito.

Temos visto desde a Constituição de 1988 que as grandes questões nacionais são decididas com base em argumentos jurídicos e passou-se a reconhecer que o Direito pode ser um instrumento eficaz para resolver problemas estruturais como a redução das desigualdades e o crescimento equitativo da riqueza. Portanto, é errado dizer que o Direito está perdendo sua força e que o estudo de seu funcionamento é um trabalho infrutífero. Importante é analisar como o Direito tem respondido a essas mudanças cada vez mais rápidas e quais foram suas áreas mais afetadas pela virtualidade da tecnologia.

Os conceitos elaborados por Manuel Castells podem nos ajudar com este trabalho. Sua tese é a de que nesta sociedade que se desenvolveu a partir da década de 1970, chamada por ele por sociedade informacional ou sociedade em rede, o espaço organiza o tempo e não o oposto, como as teorias sociais clássicas costumam afirmar. O espaço é, assim, a própria expressão da sociedade, não podendo, portanto, ser definido sem referência às práticas sociais.

Segundo ele, uma nova experiência espacial constituiu-se a partir do uso intensivo da tecnologia de informação. O que configura a nova lógica espacial é o espaço de fluxos em oposição ao espaço de lugares, enraizada historicamente em nossa experiência comum. Trata-se de um novo processo espacial diferente de cidades, regiões e Estados Nacionais, que está se tornando a manifestação espacial predominante de poder e função em nossas sociedades.

Ocorre que a dominação estrutural da lógica do espaço de fluxos alterou o significado e a dinâmica dos lugares. Com a tecnologia de informação, a economia passou a ser organizada por centros de controle e de operação "capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades interligadas das redes de empresas"(9). Todos os processos econômicos que estão no cerne da atividade produtiva podem ser reduzidos à geração de conhecimento e a fluxo de informação. Podemos incluir nesta conta todos tipos de serviços avançados, como finanças, seguros, assessorias jurídicas, propaganda, inovação científica e inclusive a arrecadação tributária.

Quando Castells afirma que fluxos são constantes em nossa percepção social do espaço, não quer dizer apenas que esses são um mero elemento de nossa atual organização social, mas sim que os fluxos dominam nossa vida política, econômica, jurídica e simbólica. Para ele, fluxos são todas as "sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade"(10). Eles podem ser reduzidos em três camadas: a primeira é o suporte material constituído por um circuito de impulsos eletrônicos, como a microeletrônica, telecomunicações, processamento computacional e outros suportes materiais das tecnologias de informação que possibilitam práticas simultâneas. Essa primeira camada pode ser comparada às cidades ou regiões na organização da sociedade mercantil. Entretanto, a diferença fundamental em relação a essas antigas formas espaciais é que, no espaço de fluxos, os lugares não existem por si mesmos, "já que as posições são definidas pelos intercâmbios de fluxos em rede"(11). Consequentemente, diz Castells, "a rede de comunicação é a configuração espacial fundamental: os lugares não desaparecem, mas sua lógica e seu significado são absorvidos pela rede"(12). A segunda camada do espaço de fluxos é composta por seus nós (centros de importantes funções estratégicas) e centros de comunicação. Esses nós são constituídos por lugares de funções estrategicamente importantes que constroem relações em torno de funções-chave na rede. E a terceira camada "refere-se à organização espacial das elites gerenciais dominantes que exercem as funções direcionais em torno das quais esse espaço é determinado"(13). Dessa forma, espaço de fluxos é fundamentalmente um espaço determinado não só estruturalmente, mas por atores sociais, como a elite empresarial tecnocrática e financeira.

Podemos ver como o SPED funciona segundo a lógica do espaço de fluxos, na medida em que seu funcionamento está todo baseado em um fluxo de informações em rede. Ele funciona com a combinação entre a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e a escrituração digital dos livros contábeis. Antes que ocorra a operação onde incida ICMS ou IPI, é necessário que a empresa informe à Secretaria da Fazenda de sua respectiva unidade federativa e peça a autorização de uso das Notas Ficais Eletrônicas para que a operação possa se realizar. Diferente do que ocorria com a nota fiscal em papel (modelo 1 ou 1-A) e com os livros contábeis tradicionais, que são documentos físicos guardados pela própria empresa, toda a informação da operação, mesmo antes da saída da mercadoria, já pode ser acessada pela administração tributária. O fisco possui um mapa digital de toda a rede de operações daquela atividade econômica, pois tem acesso às informações contábeis e fiscais de todas as empresas envolvidas.

Quando antes a informação estava contida no papel que garantia a rastreabilidade das informações, era mais difícil fiscalizar e ter uma imagem exata onde poderia ocorrer manobras para burlar a arrecadação, por isso a preocupação do art. 195 em assegurar o "direito de examinar" os documentos guardados pelas empresas. Nos deparamos com outra situação quando toda a atividade é realizada em uma rede de espaço de fluxos. Explicando o funcionamento das NF-e, Newton Oller diz:

"Com esta informação da NF-e será levada em tempo real, o Fisco, não apenas da Unidade Federada que autorizou a NF-e, mas também a Fiscalização Tributária do Estado de destina, Postos Fiscais de Fronteira Interestaduais e Receita Federal poderão monitorar e acompanhar aquela dada operação comercial."(14).

Além disso, esta rede de informações não é exclusiva da administração tributária. A própria empresa compradora poderá ter acesso online da idoneidade fiscal das mercadorias que estão sendo compradas.

As outras camadas dos espaços de fluxos podem também ser identificadas no funcionamento do SPED. Os nós desta rede evidentemente são compostos pelas unidades da administração fiscal, que possuem uma enorme quantidade de informações para processar sobre a "vida" fiscal das empresas. Podemos também considerar como nós grandes empresas de auditoria fiscal que agora passam a lidar com as informações tributárias digitais e capazes de articular ao mesmo tempo uma grande quantidade de dados sobre várias empresas. A última camada – a elite empresarial tecnocrática e financeira que opera o SPED – são também compostas pela administração tributária e pelas grandes empresas que detém o domínio da avançada tecnologia. Isso fica evidente se levamos em conta que o SPED foi primeiro testado com grandes pagadoras de tributos e que, portanto, tinham suporte financeiro para fazer altos investimentos em uma tecnologia totalmente nova(15). Ele primeiro teve que passar pelo "aval" da elite empresarial e tecnocrática para depois ser disseminado pela regulação geral.

2 – Propostas de Mudanças

Vimos como o SPED pode organizar tempo em função do espaço de fluxos. O espaço absorveu o tempo em sua dinamicidade e rapidez na rede de informações. Analogamente podemos dizer que há atualmente um sistema just in time tanto para o Fisco quanto para o contribuinte, seja em relação à constituição do crédito tributário – e o correlato direito do contribuinte em pleitear seu débito – seja para o ingresso do processo executivo fiscal e para o direito de ação do contribuinte para efetivar seu direito ao débito do Fisco.

A rede de informações formada pelo SPED possui este efeito: todos os participantes da operação econômica tributável podem ter acesso às informações ficais a elas correspondentes, mesmo antes da ocorrência do fato gerador. Tempo, nesse caso, é fluxo. Qual razão existiria, portanto, para persistência dos prazos de cinco anos constantes nos arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional? Certamente havia um sentido para um tempo tão longo, haja vista que no ano de 1967 o direito tributário se organizava segundo a lógica do espaço de lugares e não segundo o espaço de fluxos.

Evidentemente a redução desses prazos deve ser amplamente debatido. O que tentamos demonstrar aqui é o funcionamento dessa nova lógica e a enorme rapidez com que ela passou operar. Podemos tão-somente supor que reduzindo estes prazos haveria uma maior coerência nas categorias espaço-temporais do direito tributário e, evidentemente, um ganho de segurança jurídica tanto para os contribuintes quanto para o Fisco.

3 – Referencias bibliográficas.

BAUDRILLARD, Jean, "Simulacros e Simulação", Lisboa, Relógio d’Água, 1991.

CASTELLS, Manuel, "Sociedade em Rede, Vol 1.", São Paulo, Paz e Terra, 2000.

DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (coord.), "Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas", São Paulo, Saraiva, 2008.

FARIA, José Eduardo, "O Direito na Economia Globalizada", São Paulo, Malheiros, 1999.

JAMESON, Fredric. "Pós-Modernidade e Sociedade de Consumo". In São Paulo, "Novos Estudos CEBRAP" no. 12, junho de 1985.

LYOTARD, Jean-François Lyotard, "O Pós-Moderno", Rio de Janeiro, José Olympio, 1986.

OLLER, Newton, "Coleção SPED", São Paulo, IOB, 2010.

SELZNICK, Philip e NONET, Philippe, "Direito e Sociedade: a transição ao sistema jurídico", São Paulo, Revan, 2010.

WITTGENSTEIN, Ludwig, "Investigações Filosóficas", Em "Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1999.

Notas

(01) Este trabalho se baseou na obra de Manuel Castells, The Rise of the Network Society: The Information Age: Economy, Society, and Culture, publicado em 2000, para as reflexões sobre a economia informacional. Outras considerações sobre a nova percepção de tempo e espaço são indicadas caso-a-caso.

(02) Investigações Filosóficas, §23, Wittgenstein (1999).

(03) Ver o artigo Validade, vigência, eficácia e aplicação da norma tributária. Publicado em: De Santi (2008).

(04) Ver Direito e Sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo. Philippe Nonet, Philip Selznick (2010).

(05) Simulacros e Simulação. Baudrillard (1981).

(06) Virada Cultural. Jameson (2006).

(07) p. 7. Faria (2000).

(08) p. 49. Idem, ibidem.

(09) p. 409, Castells (2000).

(10) p. 501. Idem

(11) p. 502. Idem.

(12) Idem, ibidem.

(13) Idem, ibidem.

(14) P. 19. Newton Oller (2010).

(15) A história da implantação do SPED é contada sucintamente por Newton Oller (2010).

Guilherme Villela de Viana Bandeira

Pesquisador do NEF e Graduando em Direito pela Escola de Direito de São Paulo - FGV

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