Processo tributário pode ampliar formas de solução de conflitos

Priscila Faricelli, Tathiane Piscitelli e Andréa Mascitto

O ambiente do contencioso fiscal tributário vem sendo objeto de crítica e buscas por aprimoramentos por todos os sujeitos envolvidos. O Judiciário frequentemente publica dados que demonstram a ineficiência na satisfação das ações executivas fiscais, o que se mostra absolutamente incompatível com a expressiva quantidade de tais ações em curso tanto nas instâncias inferiores como em tribunais locais e superiores. Para exemplificar, em divulgação feita pela ConJur no ano de 2014, os recursos decorrentes de execuções fiscais representavam 60% dos apelos em andamento no Tribunal de Justiça de São Paulo.

A percepção dos advogados públicos que defendem os créditos fiscais em juízo não se distancia da ineficiência do sistema atual. Tanto é assim que a PGFN está trabalhando em projeto de lei de execução fiscal substitutivo ao PL 2.412/07 (Apensos aos PLSs 5.080, 5.081, 5.082, todos de 2009; 5.488, de 2013; e 1.575, de 2015) e deixou muito claro que o objetivo principal é racionalizar e otimizar a cobrança de dívidas tributárias. Durante audiência pública no último dia 22 de junho, a PGFN demonstrou seus esforços para promover uma atuação judicial mais eficiente, acrescendo ao processo executivo judicial fiscal etapas administrativas que preparam o litígio e potencializam a efetiva localização de devedores.

Um marco importante a ilustrar essa iniciativa da PGFN é a Portaria 396/2016 que suspende a cobrança judicial créditos tributários inferiores a R$ 1 milhão que não tenham juízo garantido. Essa iniciativa, aliada a um aprimoramento de atividades na busca de devedores solidários e corresponsáveis, resultou em expressivo aumento de arrecadação, tal como anunciado na mencionada audiência pública a partir de dados estatísticos da própria PGFN.

Sob a perspectiva dos contribuintes o cenário não é menos desanimador. A morosidade, sem prejuízo do sabido beneficiamento aos maus pagadores, gera prejuízos aos contribuintes que não se furtam a questionar a exigibilidade de créditos fiscais que lhes são imputados.

Há aqueles que comparecem aos autos, oferecem garantias, constituem advogados para discussões legítimas sobre interpretação da nossa complexa legislação tributária ou então sobre fatos e circunstâncias de cada caso, e são penalizados pela extrema demora na solução das controvérsias, muitas vezes incrementadas com discussões marginais à exigibilidade do crédito tributário em si que acabam prolongando o curso das ações e elevando os custos (decorrentes, por exemplo, da manutenção de garantias, constituição de advogados, aumento de verba sucumbencial pelo escalonamento de instância, dentre outros).

É nesse contexto que nos parecem animadoras as novidades do Código de Processo Civil de 2015 no que tange a soluções consensuais de controvérsias: parece inequívoco que há campo fértil e legislação de suporte para entendimentos sobre aspectos marginais das disputas tributárias.

Nos termos do Código de Processo Civil vigente (artigo 334), a audiência de conciliação ou de mediação poderá se operar quanto a direitos passíveis de autocomposição (parágrafo 4º, inciso II). Na mesma linha, o artigo 190 do CPC permite a realização de negócio jurídico processual dadas as especificidades da causa e desde que o direito em disputa seja, novamente, passível de autocomposição.

Vemos, aqui, fundamento legal importantíssimo para soluções que, para exemplificar, podem tratar de dois dos grandes “gargalos” a entravar as demandas judiciais tributárias: garantias e perícias. Ou seja, disputas sobre as questões que, embora não representam disposição de qualquer parcela do crédito tributário, acabam tendo protagonismo nas discussões judiciais e no prolongamento das demandas, afora serem fonte de intermináveis recursos.

Facilitaria — e muito — permitir que contribuintes e Fisco conciliassem ou mesmo firmassem negócio jurídico processual acerca das garantias aos créditos tributários, tais como critérios de fianças bancárias e seguros garantias (no que extrapole eventuais regulamentações existentes, como é comum em disputas de tributos municipais e/ou estaduais), ou mesmo percentual de faturamento que possa ser oferecido sem prejuízo da continuidade das atividades empresariais, em linha com o disposto no artigo 866 do CPC.

No que tange às longas e onerosas perícias judicias, poderia ser definido em comum acordo o perito judicial que seria então imposto ao juiz da causa, ou mesmo definidos quesitos de forma a melhor preservar as questões controvertidas estritamente necessárias ao bom julgamento da lide. Provas emprestadas e documentos que ambas as partes atestem possuir força probatória suficiente poderiam também ser aspectos a ser negociados abreviando a conclusão das perícias.

Para além dessas sugestões, certamente há campo para que outras situações passíveis de solução auto-compositiva sejam exploradas e implementadas como forma de contribuir com a eficiência dos processos tributários no Brasil, e até mesmo como forma de melhorar o relacionamento entre fiscos e contribuintes.

O processo tributário não pode se furtar à onda de incremento dos meios alternativos já inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Resolução 125 do CNJ, pela lei de mediação (Lei 13.140/2015) e pelo Código de Processo Civil de 2015, ampliando as formas de solução de conflitos. Fiscos e contribuintes devem ter a opção de buscar soluções alternativas às tradicionais de forma cumulativa (tal como se propôs), a fim de combater a sensação generalizada de insatisfação no engessado modelo tradicional e atualmente utilizado.

Priscila Faricelli, Tathiane Piscitelli e Andréa Mascitto

Priscila Faricelli é advogada, associada ao Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

Tathiane Piscitelli é professora da FGV Direito SP. Doutora e Mestre em Direito pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.

Andréa Mascitto é advogada associada de Pinheiro Neto Advogados;

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