Prescrição intercorrente na execução fiscal e a recente decisão do STF
Caroline Teixeira Mendes
No dia 17 de fevereiro de 2023 o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou estarem de acordo com a Constituição Federal as regras contidas no artigo 40 da Lei nº 6.830/1980 — Lei Execuções Fiscais (LEF) — que disciplinam a prescrição intercorrente tributária, isto é, a prescrição que ocorre no curso na execução fiscal.
A discussão se deu no julgamento do Recurso Extraordinário 636.562, que sob o rito da repercussão geral, veio a representar o Tema 390, que debate a necessidade de lei complementar para regular a prescrição intercorrente no processo de execução fiscal.
A origem da controvérsia está no fato de o artigo 146, III, “b” da Constituição Federal (CF) determinar expressamente a que a prescrição tributária deve ser disciplinada por meio de Lei Complementar enquanto que a LEF se trata de uma Lei Ordinária.
Esse julgamento veio a confirmar a Tese que já havia sido definida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2018 (Tema 566), segundo a qual, com fulcro no que dispõe o artigo 40 da Lei nº 6.830/80, o juiz deverá suspender por um ano o curso da execução fiscal quando não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Decorrido este um ano, o processo deverá ser arquivado, momento em que se inicia automaticamente o prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 174 do CTN.
Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, não há necessidade de o prazo de suspensão de um ano estar previsto em lei complementar, porque se trataria de mera condição processual para que haja início da contagem do prazo prescricional de cinco anos. E questões processuais podem ser disciplinadas por lei ordinária.
Muito embora tal decisão, ao ratificar a tese já estabelecida anteriormente pelo STJ, venha a ter um impacto positivo na prática das execuções fiscais, trazendo clareza e contribuindo para a não eternização das execuções fiscais, ouso discordar da afirmação de que a suspensão de um ano poderia ser disciplinada por lei ordinária, eis que está interferindo diretamente no termo inicial da contagem prescricional, matéria reservada à lei complementar. É o que veremos a seguir.
Prescrição Tributária
As normas prescricionais visam proporcionar segurança jurídica, determinado a extinção do direto daqueles que permaneceram inertes em exercê-los durante prazo prefixado em lei. No direito tributário, a prescrição tem como consequência a extinção do crédito tributário (art. 156, V do CTN).
Depois de lançado ou constituído o tributo definitivamente, não havendo pagamento, a Fazenda tem o prazo prescricional de cinco anos para ajuizar a execução fiscal (artigo 174 do CTN). Iniciado o fluxo da prescrição, certos fatos podem gerar a sua interrupção ou a sua suspensão. No caso de interrupção, todo o período de tempo já decorrido deve ser desprezado, iniciando-se novamente o prazo prescricional quinquenal. Já na suspensão, uma vez removida a sua causa, o prazo volta a fluir de onde parou.
O parágrafo único do artigo 174 do CTN elenca taxativamente as causas interruptivas da prescrição tributária. Dentre elas está o despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal. Assim, interrompida a prescrição pelo referido despacho, o fluxo quinquenal se reinicia.
Portanto, mesmo após o ajuizamento da execução fiscal, o prazo prescricional volta a fluir, dando origem ao que chamamos de “prescrição intercorrente”. O retorno do curso da prescrição se justifica, porque a simples propositura da execução fiscal não é suficiente para o recebimento do crédito tributário, devendo a Fazenda praticar demais atos processuais até que consiga satisfazê-lo.
E até que esta finalidade seja atingida, tem-se que ainda haverá um direito a exercer, o qual, em função do princípio da segurança jurídica, não pode persistir infinitamente. Lembre-se que a prescrição tributária não extingue tão somente o direito de ação, mas o próprio crédito tributário. Assim, a única forma de afastar o curso da prescrição é com a satisfação de tal crédito, a qual pode se dar com a penhora de bem hábil para tanto.
Assim, o ajuizamento da execução não é a única obrigação da Fazenda, cabendo à esta também zelar pelo seu andamento, tomando as medidas cabíveis para tanto, na busca da satisfação de seu crédito, sob pena de voltar ao estado de inércia e, consequentemente, de ter seu direito extinto pelo decurso do tempo.
Com efeito, a chamada prescrição intercorrente advém da interpretação do próprio artigo 174 do CTN, a qual flui durante o curso da execução fiscal, tendo início após a interrupção que se dá com o despacho que determina citação.
Prescrição Intercorrente na Lei de Execução Fiscal
Como já visto, a Lei de Execução Fiscal (LEF), veio a disciplinar a prescrição intercorrente de forma expressa em seu art. 40, o que todavia gerou diversos debates em nosso judiciário a respeito da constitucionalidade de sua aplicação em execuções de débitos tributários, em razão de a prescrição tributária se tratar de matéria reservada da à lei complementar.
Vimos também que no recente julgamento do Tema 390 o ministro Roberto Barroso afirma que a suspensão de um ano da execução, prevista no artigo 40 da LEF, tratar-se-ia de mera condição processual para que haja início do prazo prescricional, podendo portanto ser regulamentada em lei ordinária. Para ele: “ao estabelecer o marco inicial para a prescrição intercorrente, apenas prevê um marco processual para a contagem do prazo, sem que deixe de observar o prazo de 5 (cinco) anos, estabelecido no CTN”.
Todavia, tal raciocínio parece contradizer entendimento exarado previamente pelo próprio STF quando do julgamento do RE 556.664-1, indicado como precedente da Súmula Vinculante nº 8, que declara serem inconstitucionais normas ordinárias que dispõem sobre prescrição tributária. O voto do ministro Gilmar Mendes proferido no aludido precedente afirma que “o núcleo das normas sobre extinção temporal do crédito tributário reside precisamente nos prazos para o exercício do direito e nos fatores que possam interferir na sua fluência”.
Gilmar Mendes afirma ainda em seu voto que: “deve ser afastada a alegação de que a norma que estabelece as situações de interrupção ou suspensão da prescrição na pendência do processo é de natureza processual (…). Normas que disponham sobre prescrição ou decadência sempre são de direito substantivo, porque esta é a natureza de tais institutos”.
De fato, a suspensão prevista no artigo 40 da LEF não pode ser considerada mera condição processual, mas norma que atinge o direito material à extinção do crédito tributário pela prescrição, eis que interfere diretamente no fluxo do prazo prescricional, definindo um de deus aspectos mais importantes: o termo inicial.
Como bem observa Humberto Ávila, “esses institutos circulam, precisamente, em torno do prazo: seu início, seu final, sua suspensão, modificação ou interrupção” [1]. Assim, qualquer regra que crie situações de impedimento, suspensão e/ou interrupção do fluxo do prazo prescricional constituirá norma de direito material e não meramente processual.
Portanto, ao contrário do que recentemente decidiu o STF, entendemos que nas execuções fiscais de crédito tributário, o reinício do prazo quinquenal prescricional não deveria ter início somente depois da suspensão de um ano prevista no artigo 40 da LEF, mas imediatamente após a causa interruptiva prevista no CTN, que tem forca de lei complementar.
Desse modo, a nosso ver, nos termos do artigo 146, III, “b” da CF e do artigo 174 do CTN, o prazo prescricional de cinco anos deveria ter como termo inicial a data do despacho que determina a citação na execução fiscal. Não havendo penhora de bem dentro desse período, deveria ser reconhecida a prescrição intercorrente, extinguindo-se o crédito tributário.
[1] ÁVILA, Humberto. Lei Complementar sobre Normas Gerais. Matéria de Norma Geral. Prescrição e Decadência. Prazo. Fixação por Lei Ordinária Contrária à Lei Complementar. Exame de Constitucionalidade. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 157, p. 108-114, out. 2008.
Caroline Teixeira Mendes
Mestre em Direito de Estado pela Universidade Federal do Paraná, ex-membro titular do Conselho de Contribuintes do Município de Curitiba e aócia do escritório Cleverson Marinho Teixeira Advogados.