Pagamento do crédito tributário

Arlindo Felipe da Cunha

O crédito tributário regularmente formalizado através do lançamento, somente se extingue nos casos previstos em lei, fora dos quais não pode ser dispensado, sob pena de responsabilidade funcional, uma vez que se caracteriza como um bem público, portanto, indisponível.

Extinção é liberação definitiva do devedor em relação ao vínculo jurídico que o prende ao credor, no caso, o sujeito passivo ao sujeito ativo. Desfaz o laço obrigacional. Neste sentido, apesar do Código Tributário Nacional dispor que a extinção é do crédito tributário, na realidade, o que ocorre é a extinção da obrigação tributária, ou seja, do vinculo jurídico existente entre o fisco e o contribuinte.

As hipóteses de extinção do crédito tributário estão descritas no artigo 156 do Código Tributário Nacional em 11 incisos. A relação não é taxativa. Apesar de não arrolada, a confusão [1], na hipótese de herança jacente, com a incorporação do bem imóvel ao patrimônio do Município na ausência de sucessores, também extingue o crédito tributário dos tributos incidentes sobre o bem imóvel.

Neste ensaio, vamos tratar do pagamento como hipótese de extinção do crédito tributário, que é o adimplemento da obrigação tributária pela entrega de uma determinada quantia a título de tributo ao Fisco.

O pagamento em moeda corrente é a principal forma de extinção da obrigação em virtude do tributo ser uma prestação pecuniária (artigo 3º do CTN), além de representar a principal receita do Poder Público (receita derivada), que no caso dos impostos, não deve ser vinculada a determinado órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as hipóteses prevista no artigo 167, IV, da Constituição Federal [2].

Também pode ser efetuado em cheque, vale postal, estampilha e papel selado (selo) ou por processo mecânico. Os pagamentos em vale postal e estampilha não são mais aceitos pelo Fisco. O crédito pago por cheque somente se considera extinto com o resgate deste pelo sacado. Com papel selado (selo) somente é utilizado em produtos específicos (bebidas, cigarros etc.).

Como a maioria dos tributos são lançados pelo próprio sujeito passivo (lançamento por homologação), o pagamento é efetuado através de guias próprias instituídas pelos Fiscos (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) emitidas eletronicamente, no caixa do banco, agências lotéricas e outras instituições autorizadas, bem como mediante aplicativos bancários, transferências, pix e débito em conta.

Qualquer pessoa que tenha interesse em saldar a dívida tributária pode quitá-la. Regra geral cabe o contribuinte fazer, na sua falta, compete ao responsável tributário (sucessor ou substituto) e, até o terceiro sem qualquer relação jurídica com a obrigação pode quitá-la.

O pagamento deve ser efetuado no prazo fixado na legislação específica de cada tributo, sendo omissa, no prazo de 30 dias contados da data de notificação do lançamento.

A fixação de prazo de recolhimento do tributo não é matéria reservada à lei, pode ser estabelecido por outros instrumentos infralegais, visto que o tempo para o pagamento (prazo) da exação não integra a regra matriz de incidência tributária. Não deve ser confundido com o aspecto temporal da regra matriz de incidência que marca o momento exato da ocorrência do fato gerador e do nascimento da obrigação tributaria. O dever de pagar, no prazo (tempo) fixado, somente existe após a ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária [3]. Ressalta-se ainda que a alteração do prazo de pagamento não se sujeita ao princípio da anterioridade [4] e nonagesimal.

Pode ser concedido desconto para o pagamento antecipado, tal como acontece no IPTU e no IPVA, em que se dá um desconto para o pagamento à vista. A redução ou a extinção do desconto para pagamento de um tributo sob determinadas condições, como o pagamento antecipado em parcela única, não se equipara à majoração de tributo, portanto, não estão submetidos aos princípios da anterioridade e nonagesimal [5].

O não pagamento do tributo no prazo fixado gera a incidência dos encargos legais da correção monetária, juros e multa de mora, seja qual for o motivo determinante da falta e sem prejuízo da multa punitiva cabível e da aplicação de qualquer outra medida de garantia.

Com relação à correção monetária, nos tributos de competência da União Federal, a partir de 1 de janeiro de l996, aplica-se a taxa Selic instituída pela Lei nº 9.250/95. Nos tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e dos municipais deve se observar o índice de correção monetária previsto nas respectivas legislações locais, que não pode superar o da taxa Selic [6]. Por outro lado, mencionados entes tributantes também podem adotar a taxa Selic como índice de correção monetária, mediante previsão legal expressa.

Quanto aos juros de mora, nos tributos de competência da União Federal, a partir de 1 de janeiro de l996, são calculados com base na taxa Selic instituída pela Lei nº 9.250/95. Nos tributos estaduais e municipais não se aplica a taxa Selic, salvo previsão legal específica adotando tal índice [7], assim, devem ser observadas as respectivas legislações locais que, não prevendo nenhum índice específico, aplica-se a taxa de 1% ao mês, prevista no artigo 161, §1º do Código Tributário Nacional.

Não obstante as previsões do percentual nas legislações locais (estadual ou municipal) e no Código Tributário Nacional, o Poder Judiciário vem decidindo que o seu montante não pode superar o valor da taxa Selic [8].

A taxa Selic é um índice que abarca correção monetária e juros, assim, a sua aplicação afasta a cumulação de quaisquer outros índices, visto que estes fatores de atualizações da moeda já se encontram considerados nos cálculos fixadores da referida taxa. A Súmula nº 523 do Superior Tribunal de Justiça na sua parte final é expressa neste sentido: “vedada sua cumulação com quaisquer outros índices”.

A multa moratória é aplicada em função do inadimplemento do sujeito passivo pelo não recolhimento do tributo no prazo legal. Nos tributos federais, é calculada à taxa de 0,33% por dia de atraso, limitada ao percentual de 20%, com incidência a partir do primeiro dia subsequente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do imposto até o dia em que ocorrer o seu pagamento [9].

Nos tributos estaduais e municipais, devem ser observadas as previsões das legislações locais, visto que alguns entes não adotam o sistema “pro rata die”, mas um percentual único de 20%, cuja incidência se dá a partir do dia seguinte ao vencimento.

A multa moratória não deve superar o percentual de 20%, sob pena de violação do princípio do não confisco, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal [10].

Ressalta-se que a imposição de penalidade (multa punitiva) não ilide o pagamento do crédito tributário. Nessa situação, aplica-se a máxima de que quem paga mal paga duas vezes, visto que além do tributo também será paga uma multa pela sonegação.

Na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito, não se considera vencida a dívida e, consequentemente, não há que se falar em mora.

No parcelamento, o pagamento de uma parcela do crédito tributário não presume a quitação das anteriores. Quando total, de outros créditos referentes a mesmo ou outros tributos. A presunção do Código Civil de que nos pagamentos efetuados em quotas periódicas, até prova em sentido contrário, à quitação da última quota presume estarem solvidas as anteriores (artigo 322), não se aplica a obrigação tributária.

[1] Artigo 381 do Código Civil — “Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor”.

[2] Artigo 167. São vedados: (…) IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os artigos158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos artigos198, §2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no artigo 165, §8º, bem como o disposto no §4º deste artigo.

[3] A exigência da reserva legal não se aplica à fixação, pela legislação tributária, de prazo para o recolhimento de tributo após a verificação da ocorrência de fato gerador, caminho tradicional para o adimplemento da obrigação surgida. Isso porque o tempo para o pagamento da exação não integra a regra matriz de incidência tributária. 2. Antes da ocorrência de fato gerador, não há que se falar em regulamentação de prazo de pagamento, uma vez que inexiste dever de pagar. (RE nº 598677).

[4] Súmula Vinculante nº 50 do STF: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.

[5] O “O fim do desconto não representa um aumento do imposto, e, portanto, não cabe defender a aplicação do prazo de 90 dias previsto pelo artigo 150 da Constituição Federal, inciso III, letra ‘c’, que vale para novos impostos ou que foram aumentados”. (ADI 4016).

[6] Tema — 1062 do STF — Os estados-membros e o Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, limitando-se, porém, aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins.

[7] Súmula 523 do STJ. “A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices”.

[8] Tema — 1062 do STF — Os estados-membros e o Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, limitando-se, porém, aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins.

[9] Dispõe o artigo 950 do RIR que o débito não pago no prazo previsto na legislação especifica serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de 0,33% por dia de atraso, limitada ao percentual de 20%, com incidência a partir do primeiro dia subsequente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do imposto até o dia em que ocorrer o seu pagamento.

[10] Não é confiscatória a multa moratória no patamar de 20%. (RE 582461).

Arlindo Felipe da Cunha

Advogado, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Direito Tributário da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e procurador do Município de Santo André.

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