O ICMS deve integrar créditos do PIS/Cofins

Thiago Mancini Milanese

A Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional publicou o Parecer n° 14483, de 24 de setembro, reconhecendo que não existem fundamentos jurídicos para excluir o ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins, assim contrariando o recente entendimento da Receita Federal sobre o tema.

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. Desde então, a Receita Federal tem buscado alternativas para minimizar os impactos dessa decisão. Por exemplo, ao editar a Instrução Normativa (IN) nº 1.911/2019, a qual regulamentou o PIS/Cofins, indicou que aceitaria apenas a exclusão dos valores correspondentes ao ICMS pago, o que reduziria, com grande extensão, a perda de arrecadação gerada pela decisão do STF.

Qualquer tentativa de alteração da forma de cálculo dos créditos por ato infralegal esbarrará no princípio da legalidade tributária
Nessa mesma IN, a Receita Federal alterou a forma de cálculo dos créditos do PIS/Cofins, segundo seu regime não cumulativo, retirando a previsão anteriormente contida na legislação (na revogada IN nº 404/2004) que incluía o ICMS nesse cômputo.

Essa última medida deixou muitos contribuintes e advogados de “orelhas em pé”, mas não causou um grande alvoroço, já que não havia qualquer indicativo expresso da Receita que pudesse confirmar a necessidade de excluir o ICMS dos créditos do PIS/Cofins.

O julgamento no STF foi definitivamente encerrado neste ano e tudo parecia caminhar para a pacificação do assunto. Mas novamente os contribuintes foram pegos de supetão. A Receita, por meio do seu órgão consultivo, a Cosit, emitiu o Parecer n° 10/2021 e alterou o cálculo dos créditos relativos a essas contribuições, confirmando o que já previra na IN nº 1.911/2019.

De acordo com esse parecer, o ICMS deve ser excluído do computo dos créditos do PIS/Cofins, calculados sobre produtos adquiridos para revenda e empregados como matérias-primas, por exemplo, em observância ao princípio da razoabilidade.

O órgão consultivo da Receita defende que o ICMS deve ser excluído dos créditos em atenção ao princípio da razoabilidade, pois não seria razoável excluir o ICMS do débito dessas contribuições e incluí-lo no respectivo crédito.

O parecer da Cosit aplica uma espécie de “verniz” de legalidade sobre o tema e pode até parecer razoável para algumas pessoas, já que reduz do crédito algo que foi subtraído do débito (o ICMS). Porém, como a própria PGFN agora confirma, essa medida não possui nada de legal.

É importante ter em mente que a base de cálculo do PIS/Cofins não se confunde com a sistemática de créditos dessas contribuições (regime não cumulativo).

A base de cálculo desses tributos é formada pela receita bruta auferida pelas pessoas jurídicas, cujo conceito não compreende o ICMS destacado nas notas fiscais, segundo o STF. É dizer, o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins porque não representa receita bruta para as pessoas jurídicas.

Os créditos dessas contribuições, por outro lado, são calculados sobre o custo dos produtos adquiridos para revenda e bens e serviços empregados na atividade industrial. É fácil perceber que a sistemática de créditos não envolve o conceito de receita bruta. Tratam-se de situações e bases completamente distintas.

O ICMS não deve ser incluído na base do PIS/Cofins porque não está abrangido pelo conceito de receita bruta. Esse mesmo raciocínio não pode ser empregado aos créditos desses tributos, pois esses, segundo a própria Receita, são calculados tomando como base o custo de aquisição das mercadorias ou serviços, no qual o ICMS sempre esteve encampado.

Vale dizer, nunca houve dúvidas quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins. Inclusive, a antiga IN que regulamentava esses tributos – a de nº 404/2004 – previa, expressamente, que os créditos do PIS/Cofins deveriam ser calculados sobre o custo de aquisição de bens e serviços, no qual deveria ser incluído o ICMS.

O ICMS é um tributo que compõe a própria base, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. Trata-se do denominado cálculo “por dentro”, que faz com que o montante do imposto não possa ser dissociado do valor da mercadoria e, por essa razão, integre o seu custo de aquisição. Essa conclusão é da própria Receita que, até 2019, reconhecia a integração do ICMS no custo de aquisição para fins de cálculo dos créditos do PIS/Cofins.

Isso demonstra que a decisão do STF não trouxe qualquer alteração nessa sistemática capaz de justificar essa guinada na orientação da Receita. Portanto, a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins não poderia ser confirmada e justificada com base na decisão proferida pelo STF.

A conclusão é também compartilhada pela PGFN. No recente Parecer n° 14483/2021, esse órgão concluiu não ser possível, “com base apenas no conteúdo do acórdão, proceder ao recálculo dos créditos apurados nas operações de entrada, seja porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida nos autos”.

Por outro lado, devemos lembrar que a Constituição Federal impede que a União venha a exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Trata-se do princípio da legalidade tributária que constitui uma importante limitação ao poder de tributar.

A forma legal de cálculo adotada pelo legislador ordinário, no tocante aos créditos do PIS/Cofins, permanece incólume desde a edição das Leis n° 10.637/2002 e nº 10.833/2003, não tendo ocorrido qualquer alteração legislativa nesse sentido. Assim, qualquer tentativa de alteração da forma de cálculo dos créditos do PIS/Cofins por ato infralegal, tal como pretendeu a Receita, esbarrará no princípio da legalidade tributária.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte Conjur

Thiago Mancini Milanese

Advogado, sócio do GRM Advogados, especialista em direito tributário pela FGV

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