O dever de colaboração do terceiro e do contribuinte no ISS, a ordem constitucional da administração tributária e os seus reflexos na arrecadação municipal

Cleide Regina Furlani Pompermaier

Introdução

O Brasil é um País sui generis. Ao mesmo tempo em que tributa de forma voraz os seus cidadãos, o Estado não se preocupa em estruturar materialmente as administrações tributárias, conforme exigido pela Constituição Federal, no art. 37, inciso XXII, mormente nos municípios, fazendo com que os contribuintes arquem, também, além dos custos com a obrigação principal, com o custo das obrigações acessórias, as quais, em grande parte, são impostas sem qualquer critério e em flagrante demasia. Ademais, percebe-se, igualmente, que a responsabilidade tributária no Imposto Sobre Serviços – ISS está sendo atribuída aos sujeitos passivos eleitos pela lei, de forma precipitada e com um certo exagero, fazendo do responsável o personagem principal da relação obrigacional tributária, em detrimento do contribuinte. Por outro lado, constata-se que as administrações tributárias locais deixam de atender aos comandos da Constituição Federal no que toca à modernização de suas estruturas e, bem assim, com a falta de aplicação de parte da receita de impostos para as atividades fiscalizatórias, nos termos previstos pelo art. 167, inciso IV, da Constituição Federal, o que nos leva a meditar sobre a constitucionalidade de algumas leis locais e demais atos normativos, que, em muitas situações, extrapolam o verdadeiro sentido do dever de colaboração do terceiro e do contribuinte, tendo-se como base a agressão frontal ao princípio da segurança jurídica tributária e da própria ordem constitucional da administração tributária.

1 – A relação obrigacional tributária e o instituto da responsabilidade tributária

O conteúdo da relação tributária é obrigacional, sendo que, de um lado tem-se o Estado, que cobra dos seus cidadãos as exações criadas pela lei e, de outro, o Contribuinte, que é chamado a entregar de forma compulsória dinheiro ao Estado para fazer valer as necessidades básicas de uma população. Pode-se dizer, então, que o grande objetivo da ciência tributária, que é o cérebro e o coração de uma sociedade, é a arrecadação de verbas para o erário público, a fim de que o Estado possa praticar ações para melhor gastar o produto arrecadado.

Sobre a relação jurídica tributária, escreve Paulo de Barros Carvalho, salientando que:

É preciso reconhecer que a relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fáctico, posto pelo consequente de uma norma individual e concreta, uma vez que, na regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um acontecimento deve reunir para tornar-se fato concreto, na plenitude de sua determinação empírica (01).

Em nosso sistema tributário, existem dois sujeitos da obrigação tributária, segundo se depreende do art. 121, do Código Tributário Nacional: o contribuinte e o responsável. Contribuinte é a pessoa que realiza o fato gerador, enquanto que o responsável é o eleito pela lei como devedor da obrigação tributária por razões de conveniência e de necessidade da Administração Tributária. Contribuinte é o personagem principal, enquanto que o Responsável é o figurante, como acena Luciano Amaro (02). Contribuinte é quem realiza o fato gerador, enquanto que responsável é o sujeito de alguma forma vinculado ao fato gerador, eleito pela lei como devedor do tributo.

O presente trabalho abordará com mais ênfase, portanto, um desses sujeitos, que é o figurante. Aquele que a lei escolhe para pagar o tributo em substituição ao sujeito que, efetivamente, realiza o fato típico de incidência, desde que haja vinculação ao fato gerador da respectiva obrigação. A temática da presente pesquisa é muito importante, posto que, na prática, o que se está a vivenciar é um exagero no destacamento pelos fiscos municipais de responsáveis tributários, fazendo com que estes passem de meros coadjuvantes para o papel de personagens principais em substituição ao contribuinte direto.

A responsabilidade tributária é a situação decorrente de lei que impõe a um terceiro vinculado ao fato gerador a obrigação de pagar o tributo ou a penalidade pecuniária, com o intuito de garantir o crédito tributário. Luciano Amaro explica de forma didática o referenciado instituto, verbis:

A presença do responsável como devedor na obrigação tributária traduz uma modificação subjetiva no pólo passivo da obrigação, na posição que, naturalmente, seria ocupada pela figura do contribuinte. Contribuinte é alguém que, naturalmente, seria o personagem a contracenar com o Fisco, se a lei não optasse por colocar outro figurante em seu lugar (ou ao seu lado), desde o momento da ocorrência do fato ou em razão de certos eventos futuros (sucessão do contribuinte, por exemplo) (03).

A principal finalidade da responsabilidade tributária é, pois, a de colaboração com o fisco para a facilitação da arrecadação. Esse mecanismo auxilia, sem dúvida alguma, o trabalho da administração tributária, posto que, em certos casos, é bem mais fácil cobrar do substituto que do substituído. Colaborar, entretanto, não significa ser o próprio Estado, cumprindo um papel que vai além de sua obrigação. O Estado tem o dever constitucional de fazer a sua parte e, tanto isso é verdade, que a Magna Carta o obriga a vincular receita de imposto para as atividades de administração tributária (art. 167, inciso IV), da Magna Carta e não o faz, conforme se verá em tópico posterior.

Uma das modalidades mais utilizadas na responsabilidade tributária é a responsabilidade por substituição. Reza o art. 128, do Código Tributário Nacional que:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário á terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (04).
O dispositivo destaca situações de responsabilidade por substituição, uma modalidade da responsabilidade, em que se sabe, desde já, quem será o sujeito passivo da relação obrigacional porque, nestes casos, a obrigação para com o Estado já nasce com a capacidade passiva definida. Importante dizer que, nestas situações em particular, a responsabilidade deve ser atribuída ao sujeito passivo da obrigação tributária de modo que, além de observar a vinculação com o fato gerador, deve-se atentar para que não haja ônus para o substituto. Ou seja, o valor não obstante ser quitado diretamente pelo responsável deve ser descontado do valor devido ao contribuinte direto.

Kyioshi Harada faz importantes considerações sobre o tema:

Razões de ordem prática na arrecadação tributária fizeram com que o Direito Tributário introduzisse expedientes vários em prol da comodidade administrativa entre eles, a transferência da responsabilidade pelo crédito tributário do sujeito passivo natural para um terceiro, e a substituição tributária por meio de expressa previsão legal. Na transferência, a obrigação tributária depois de surgida contra o sujeito passivo natural (inciso I, do parágrafo único, do art. 121, do CTN), em razão de determinado fato superveniente, aquela obrigação tributária é transferida a uma outra pessoa. Na substituição tributária, por expressa determinação legal, a obrigação tributária surge, desde o início, contra uma pessoa diferente daquela que esteja na relação econômica com o ato, fato ou negócio tributário. Em outras palavras, a obrigação tributária instaura-se, desde logo, contra a pessoa que não mantém relação econômica com a situação fática ou jurídica eleita como veículo de incidência tributária, embora tenha uma relação indireta por meio de substituição tributária juridicamente não existe. O dispositivo sob comento cuida da transferência de responsabilidade por substituição tributária, mas deixa ao critério do legislador ordinário competente atribuir ao substituído (sujeito passivo natural) a responsabilidade em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da obrigação tributária transferida. Só que a lei não poderá atribuir essa responsabilidade de forma arbitrária, ou seja, a qualquer pessoa que nada tenha a ver como o fato gerador da obrigação tributária. Por isso, o art. 121, II, do CTN, deve ser interpretado articuladamente com o disposto em seu art. 128, retrotranscrito. Para operar a transferência ou a substituição de responsabilidade tributária, isto é, transformar em devedor do tributo quem ates não era devedor, é preciso a concorrência dos seguintes requisitos: em primeiro lugar, há necessidade de expressa previsão legal; em segundo, essa atribuição de responsabilidade tributária só pode ocorrer em relação à terceira pessoa, de qualquer modo, vinculada ao fato gerador da obrigação tributária; finalmente, essa atribuição de responsabilidade ao sujeito passivo não natural só é possível em relação à obrigação principal, ou seja, aquela referida no art. 121 do CTN (05). (05)

Importante frisar, ainda, que a Emenda Constitucional nº 3 de 93 acrescentou o § 7º, ao art. 150, da atual Constituição Federal, o qual trata exclusivamente da substituição tributária para frente (método que consiste na obrigação de alguém pagar não apenas o imposto decorrente da realização da operação por este alguém praticada, mas, também, a decorrente dos fatos geradores futuros e presumidos), não sendo esta, ressalte-se, a situação da responsabilidade no ISS, em que o pagamento pelo responsável, ocorre após a ocorrência do fato gerador.

Reza a Constituição Federal que:

§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993. (Grifos nossos) (06)

No que toca à responsabilidade tributária, portanto e ao menos em tese, desde que haja previsão legal e uma terceira pessoa, de qualquer modo vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, o entendimento é de que se faz possível a instituição do instituto da responsabilidade por substituição em relação ao pagamento do tributo.

2 – A responsabilidade por substituição no ISS e as obrigações acessórias

Especificamente no caso do ISS, a responsabilidade do art. 6º, da LC nº 116/2003 – por substituição – apresenta, num primeiro momento, contornos de mera obrigação acessória. Num segundo momento é que assume a verdadeira feição de responsabilidade, ou seja, somente se houver o descumprimento da obrigação acessória de reter o tributo municipal do prestador do serviço, é que o tomador responderá pelo pagamento do tributo. A intenção do legislador não foi puni-lo, mas sim fazer com que haja garantia do crédito tributário. Achille Donato Giannini (07), ainda em meados do ano de 1951, já escrevia que a responsabilidade só se configura na medida em que o descumprimento das obrigações do responsável implique prejuízo ao crédito do ente público.

O caput do art. 6º, da LC nº 116 repete a dicção do dispositivo do art. 128, do Código Tributário Nacional, enfatizando que:

Art. 6o Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário à terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1o Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2o Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis: (Vide Lei Complementar nº 123, de 2006).
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.(08)

A Lei Complementar n º 116/2003 designou como contribuinte do tributo, o prestador do serviço. Por outro lado como já se transcreveu acima, o caput do art. 6º possibilita aos Municípios instituírem, mediante lei, hipóteses de responsabilidade tributária, além de atribuir, no § 2º, inciso II, a responsabilidade pelo pagamento do ISS, à pessoa jurídica tomadora do serviço, no caso de prestação de serviços previstos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10.

Nesta linha de pensamento, e em consonância com a Lei Complementar acima referenciada, vale dizer que os municípios, a princípio, teriam liberdade para indicar responsáveis tributários, desde que os serviços estejam indicados na lista e, principalmente, desde que a terceira pessoa esteja vinculada ao fato gerador.

Em relação às obrigações acessórias, podemos dizer que, em nenhum momento, atingem as obrigações principais, sendo este um dever exclusivo de colaboração do terceiro e do contribuinte para com o fisco, a fim de que este consiga, com mais facilidade, fazer com que o cidadão entregue dinheiro ao Estado na medida de sua obrigação tributária, advinda com a ocorrência do fato gerador.

Láudio Camargo Fabretti, desenha a obrigação acessória nos seguintes termos:

A Acessória refere-se a deveres administrativos. Por exemplo, increver-se no CNPJ, emitir documentos fiscais, escriturar livros fiscais e contábeis, preencher guias de recolhimento, etc. A obrigação acessória, portanto, não importa em pagamento do tributo. É apenas um meio de a autoridade administrativa controlara forma pela qual foi determinado o montante do tributo. (09)

Walter Gaspar também é enfático ao definir a obrigação acessória, verbis:

A obrigação tributária acessória é o vínculo que une o sujeito ativo (Estado) ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável), e em virtude do qual aquele pode exigir deste a prática de certos atos ou a omissão de praticar atos de acordo com a lei tributária. Quando o Estado, através de lei, cria obrigações tributárias acessórias, o que visa é o interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos. O objetivo é garantir o cumprimento da obrigação principal. (10)

Sacha Calmon Navarro Coêlho enfatiza que as obrigações acessórias decorrem de prescrição legislativa, dizendo que:

"(…) Vimos que as chamadas obrigações acessórias não possuem fato gerador; decorrem de prescrições legislativas imperativas: emita notas fiscais, declare renda e bens (…)". (11)

A exemplo do que ocorre com a responsabilidade tributária, as obrigações tributárias acessórias visam a atender aos interesses do fisco no tocante à fiscalização e arrecadação dos tributos e correspondem a qualquer exigência feita pela legislação tributária que não seja o pagamento do tributo.

É importante frisar que tanto a responsabilidade quanto à obrigações acessórias devem ser utilizadas com cautela pelas administrações tributárias e instituídas, não somente, com o desejo de arrecadar a qualquer custo, mas também com o cuidado de assegurar o cumprimento do princípio da segurança jurídica, que no dizer de Sayonara de Medeiros Cavalcante deve ser compreendido "como um pressuposto essencial para garantir a confiança do contribuinte com a sua relação com o fisco". (12)

3 – A ordem constitucional da administração tributária, a problemática da ineficiência estrutural do fisco e os reflexos na arrecadação tributária municipal

Após a explanação acerca dos conceitos primários em relação ao instituto da responsabilidade tributária e sobre as obrigações acessórias, surgem as primeiras indagações: se o contribuinte é o personagem principal e o responsável é o personagem coadjuvante, conforme se pode observar das lições doutrinárias e dos preceitos decorrentes do sistema tributário, pode o legislador municipal editar lei, atribuindo responsabilidade tributária de forma tão ampla e elástica a ponto de transformar o terceiro em personagem principal? Pode o município editar ato normativo, instituindo obrigações acessórias de forma ilimitada simplesmente com o escopo de facilitar a arrecadação tributária?

A resposta há que ser negativa, posto que, em nosso entendimento, essas leis municipais e demais atos normativos, se extrapolarem o verdadeiro conceito desses institutos, ferem o princípio da segurança jurídica e a própria ordem constitucional da administração tributária, prevista no art. 37, inciso XVIII, inciso XXII e art. 167, inciso IV, todos da Magna Carta, conforme se verá a seguir.

A Ordem Tributária pode ser definida, em conjunto com os princípios republicano, federativo e democrático, como um arcabouço normativo tendente a disciplinar a ação tributária como um todo, exercida pelo Poder Público, com o intuito de arrecadar recursos para o Estado e resguardar o erário de ataques criminosos, tendentes a dilapidar os tesouros comuns. Ou seja, o principal objetivo da regulação do sistema tributário é arrecadar recursos e resguardar o cofre público dos ataques tendentes a dilapidar o patrimônio público.

As administrações tributárias, por sua vez, podem ser retratadas por um conjunto de ações que têm por objetivo precípuo de fazer com que o contribuinte cumpra os preceitos da legislação tributária e as consequentes obrigações principal e acessória, com o primordial objetivo de incrementar o erário público e não permitir que esse mesmo erário seja dilapidado.

Essas ações e atividades praticadas no âmbito fazendário devem ser realizadas num ambiente tecnicamente preparado, não sendo esta, ressalte-se, uma liberalidade das Administrações Públicas, mas sim uma obrigação. A competência privativa para executar as ações realizadas pela administração tributária, no que se refere à constituição do crédito tributário, é das autoridades lançadoras as quais, ressalte-se, são as únicas que têm poder de realizar o lançamento.

A administração tributária, para ser efetiva e eficaz, exige elevado grau de autonomia financeira e funcional. Existem quatro problemas básicos que desencadeiam as maiores dificuldades, mormente no âmbito municipal: a falta de condições materiais e de estrutura para dar guarida à ação fiscalizatória; a falta de vontade política na busca pela receita própria; a vontade de não tributar os seus eleitores; e, finalmente a proximidade do administrado com o administrador.

O procedimento fiscalizatório ou a ação fiscal, como também é conhecido é o conjunto das atividades de supervisão e controle do efetivo e integral cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, incluindo desde a identificação dos desvios no cumprimento das mesmas, até a aplicação de sanções de ofício pelo descumprimento tributário, e, ainda, a formulação da reapresentação fiscal para fins penais.

Citam-se, na oportunidade, algumas das prerrogativas da autoridade lançadora: pode e deve proceder à constituição do crédito tributário, o qual será formalizado pelo lançamento; pode e deve iniciar o procedimento fiscalizatório quando observar indício de qualquer infração tributária ou descumprimento de obrigação acessória; possui livre acesso a documentos e informações que interessam ao fisco; pode formular questionários para aprimorar o serviço de auditoria; pode requisitar e obter o auxílio da força pública policial sem autorização judicial quando impedido de adentrar no recinto do domicílio do contribuinte; possui fé pública no desempenho de suas atribuições funcionais; tem o direito de receber e portar carteira funcional, expedida por autoridade competente, revestida de fé pública e equivalente a documento de identidade para quaisquer fins legais em todo o território nacional. Menciona-se, igualmente, alguns deveres inerentes à ação fiscal: tem a autoridade lançadora o dever de zelar pela correta execução de suas funções e pela aplicação da legislação tributária; observar e respeitar o sigilo fiscal em todos os atos que praticar e nos procedimentos em que atuar; respeito no trato com o contribuinte; dever de comunicar os atos praticados, etc.

A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, in litteris:

FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA- (…). – Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. – A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo.É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado (…) (13) (Grifos nossos).

É muito importante salientar que a Constituição Federal, como lei maior, trata a questão tributária em detalhes e, dentre eles, faz forte referência aos princípios constitucionais tributários e ao poder de tributar, lembrando que tais princípios foram estabelecidos para a proteção do contribuinte e não para o Estado.

No que toca às administrações tributárias, faz-se mister recordar que, ainda antes do advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, a Carta Magna determinava em seu art. 37, inciso XVIII,que a Administração Fazendária tem preferência sobre os demais setores administrativos.

Com o advento da EC nº 42/2003, os Entes Federados brasileiros passaram a ter autonomia em relação a investimentos na modernização das estruturas fazendárias; em assim sendo, a melhora na qualidade do sistema tributário local não é uma questão de vontade do gestor público, mas sim, de uma obrigação que lhe compete, considerando o verdadeiro sentido da destinação da receita tributária, que é o atendimento às necessidades públicas.

Tanto isso é verdade que o art.167, IV, da Constituição Federal, muito embora proíba expressamente a vinculação da receita de impostos a órgão público, fundo ou despesa, excetua, dentre outras hipóteses, especial destinação da receita de impostos às Administrações Tributárias, de forma a torná-las mais eficientes.

Art. 167. São vedados:
(…)V – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (14) (Grifos nossos).

Tem-se, portanto, que não é facultado ao gestor público vincular receita de imposto para atividades específicas, com exceção da saúde, educação e atividades de administração tributária. Essa determinação de vincular receita de imposto para as atividades de administração tributária, em nosso entendimento, não é uma faculdade e sim uma obrigação constitucional, e, tanto isso é verdade, que em relação à saúde e a educação, os percentuais já foram estabelecidos pela própria Constituição Federal.

A previsão constitucional de vinculação de receita de impostos para as atividades de administração tributária (art. 167, inciso VI da CF) é obrigatória porque não haveria sentido excetuar uma possibilidade de vinculação de receita advinda da arrecadação de impostos somente para abrilhantar o texto constitucional, ou ainda, se não fosse para cumpri-lo no modo como ocorre exatamente com o par saúde e educação. Em resumo, se fosse facultativa, não haveria necessidade de tal regra estar inserida na Constituição Federal. Se lá está é porque a Carta Magna está determinando que tal regra seja devidamente cumprida.

O art. 212, da Constituição Federal, ressalte-se, originário da Constituição Federal, dispõe no seguinte sentido:

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (15)

O art. 198 da Magna Carta, por sua vez, através de Emenda Constitucional do ano de 2000, também prevê que:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: "(…) § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre."(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000). (16)

Ou seja, a Constituição Federal, além de excetuar a proibição de vinculação de receita de imposto para as atividades de educação e de saúde, acabou dispondo acerca de percentuais a serem obrigatoriamente aplicados para essa finalidade. Neste diapasão, forçoso é concluir que não se trata de uma faculdade a vinculação de receita do produto advindo de impostos, mas de uma obrigatoriedade, que deve ser, obrigatoriamente, estendida para as atividades de administração tributária.

No caso da educação e da saúde, os percentuais foram tratados pela Constituição Federal porque no primeiro caso, o sistema de ensino será realizado em regime de colaboração e, no que toca à saúde, sendo que o financiamento do SUS se dará, igualmente com a colaboração dos três entes, conforme se infere do art. 211 e art. 198, § 1º, respectivamente, ambos da Magna Carta.

No que se refere às administrações tributárias, não existe tal integração ente os Entes Tributantes, fazendo-se necessário, então que, cada um faça inserir um percentual mínimo nos seus orçamentos, a fim de estruturar as atividades fiscalizatórias tributárias, nos termos do art. 37, XXII, da Constituição Federal, o qual dispõe no seguinte sentido:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(…) XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). (17) (Grifos nossos).

Esta determinação constitucional não é simpática aos governantes, porque tais vinculações, numa visão macro, obviamente, engessam a Administração Pública e as suas ações consistentes em manter a qualidade de vida de uma população como um todo, mas não obstante a gostar ou não gostar, devem ter ciência de que se trata de uma determinação constitucional que está inserida no sistema para ser cumprida.

O não cumprimento do referenciado comando constitucional nos leva ao que temos hoje: contadores prestando serviços para o fisco. Contadores, fazendo o papel que deve ser realizado pelo fisco. Contadores trabalhando para cobrir a ineficiência estrutural das administrações tributárias. Ou seja, contribuintes pagando por uma conta que não deveria ser dele, posto que a Constituição Federal obriga os Entes Tributantes a aparelharem materialmente os setores especializados na constituição do crédito tributário.

Ora, se o Código Magno determina que deva haver vinculação de receita de imposto para as atividades de administração tributária, o Ente Tributante não tem escolha a não ser cumprir a determinação constitucional. Do contrário, em nosso entendimento, não poderá editar leis utilizando-se, por exemplo, de forma tão ampla acerca do instituto da responsabilidade tributária por substituição, posto que tal técnica arrecadatória, se não utilizada com a cautela necessária, fere o princípio da segurança jurídica e do próprio sistema tributário, no momento em que, ao invés de privilegiar o personagem principal (contribuinte), o Ente Tributante, através da lei, dá ares de celebridade ao personagem coadjuvante (responsável tributário). Na mesma linha de pensamento, não pode, igualmente, instituir obrigações acessórias a seu bel prazer, transferindo responsabilidades da administração tributária ao terceiro e contribuinte colaborador, conforme sói a acontecer comumente em muitos municípios brasileiros.

Não se pode, ademais, deixar de lembrar, igualmente, que a minirreforma tributária advinda com a Emenda nº 42/2003, conforme se pode verificar do art. 37, XXII, da Constituição Federal (já acima transcrito), inseriu as autoridades lançadoras de tributos das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal) como Carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento, o que significa dizer que estes profissionais, como integrantes de Carreira de Estado, deverão ter condições de cumprir o seu papel de constituidores do crédito tributário, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, em sua forma plena e com condições materiais para o exercício da tarefa.

Neste caso, não há mais espaço para administrações tributárias ineficientes e sem estrutura material. Os municípios, em especial, pecam nesse quesito em particular. Sempre com o pretexto de que não há recursos financeiros, estes entes ditos Entes Federados (muitos deles querem sê-lo nos direitos, mas não o são nos deveres) esquecem-se de sua missão constitucional, que é a de arrecadar para cumprir suas metas na satisfação das necessidades básicas de uma população.

Muitos municípios, principalmente os de pequeno porte, sequer possuem em seu quadro funcional, a figura da autoridade lançadora e, quando a tem, estes profissionais, na sua grande maioria, por falta de preparo técnico e ausência de exigência de nível de escolaridade compatível com a função, acabam por desempenhar o seu papel de forma não conciliável com o rígido sistema constitucional brasileiro, em prejuízo da arrecadação, da própria população, dando margem a ações políticas isentas de transparência em relação à busca de recursos para guarnecer o erário público. Os vencimentos desses profissionais, por outro lado, também não espelham a responsabilidade que o cargo exige, o que os faz dependentes dos governantes municipais, que, infelizmente, os têm, não como autoridades, mas como verdadeiros subalternos, o que facilita a interferência política na constituição do crédito tributário.

Em sentido estrito, esse comportamento e essa ineficiência do fisco, percebida, principalmente em muitos dos municípios brasileiros, em total dissonância ao que prevê a ordem constitucional, prejudica de forma direta o contribuinte, o qual é sempre atingido de forma contundente, como ocorre, por exemplo, com a questão do aspecto espacial do ISS, em que encontramos dois municípios diversos, querendo cobrar duas vezes, do mesmo contribuinte, o referenciado imposto municipal, decorrente do mesmo fato gerador, conforme se verá em tópico posterior.

Diante de tudo o que foi esposado até aqui, formulamos mais uma vez a indagação acima já redigida: pode a administração tributária não fazer o seu papel ordenado pela Constituição Federal e transformar o dever de colaboração do contribuinte e do terceiro em regra geral, ao invés de se estruturar para fazer do contribuinte direto o personagem principal da relação obrigacional tributária?

Em nosso entendimento, os Entes Tributantes, em especial os municípios, têm o dever de se equipar materialmente, a fim de proteger a arrecadação municipal e a fim de que as autoridades lançadoras possam realizar o lançamento de forma segura e com cautela, não podendo atribuir ao responsável tributário de forma ampla, irrestrita, arbitrária e precipitada à obrigação pelo recolhimento do tributo, porque esta não foi a vontade do Constituinte, mormente após o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003.

Para nós, repita-se, a lei municipal que não trata a responsabilidade tributária com cautela e bom senso é inconstitucional, porque agride de forma direta o princípio da segurança jurídica e a ordem constitucional da administração tributária, eis que passa a dar mais ênfase a situação do contribuinte indireto do que ao contribuinte direto, que é o sujeito passivo natural da obrigação tributária, o mesmo ocorrendo com a instituição das obrigações acessórias, as quais comumente são fixadas sem os critérios rígidos que o sistema tributário exige.

4 – A extrapolação do dever de colaboração do terceiro e do contribuinte, mormente nos municípios onde se constata a falta de estrutura material e técnica para a realização das atividades de Administração Tributária

Muitos Municípios brasileiros atribuem responsabilidade tributária pelo pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS), com a consequente retenção na fonte de seu valor, a tomadores de serviços não constantes das situações obrigatórias e referenciadas nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da Lista Anexa à Lei Complementar Federal nº 116/03, movidos, unicamente, pelos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça hoje, ressalte-se, já ultrapassados (18), de que a ocorrência do fato gerador do ISS, nos casos não excetuados pela Lei Complementar nº 116/2003, ocorre não onde estaria localizado o estabelecimento prestador, nos termos do art. 3º e 4º, do Estatuto acima referenciado, mas no local onde os serviços são realizados.

Veja-se o entendimento atual da Corte Infraconstitucional:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSOESPECIAL. NATUREZA INFRINGENTE. DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVOREGIMENTAL. ISSQN.MUNICÍPIO COMPETENTE. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO NO RESP 1.060.210/SC, SUBMETIDO AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental dado o caráter manifestamente infringente da oposição, em observância ao princípio da fungibilidade recursal.2. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008,firmou a orientação no sentido de que: "(b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento – núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo".3. Ao contrário do que alega a parte embargante, as premissas estabelecidas nesse precedente aplicam-se a todos os casos que envolvam conflito de competência sobre a incidência do ISS em razão de o estabelecimento prestador se localizar em municipalidade diversa daquela em que realizado o serviço objeto de tributação.4. No caso dos autos, o pleito de repetição de indébito refere-se ao período de janeiro/1997 a setembro/2003, ou seja, refere-se a fatos geradores do ISS ocorridos na vigência do Decreto-Lei n. 406/68 e da Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003.5. Restou incontroverso que a agravante possui estabelecimento prestador no Município de Criciúma e que os serviços de software ora em apuração foram prestados em outras municipalidades.6. Dessa forma, aplicando-se a recente orientação jurisprudência deste Tribunal Superior firmada nos autos do REsp 1.060.210/SC,tem-se que subsiste relação jurídico-tributária apta a legitimar a instituição e cobrança do ISS pelo Município de Criciúma somente em relação aos fatos geradores ocorridos sob a vigência do Decreto-Lei n. 406/68, uma vez que, para esse período, o município competente corresponde àquele onde situado o estabelecimento prestador.7. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se dá provimento em parte. (19) (Grifos nossos).

Nestes casos, não obstante ao contido no caput, do art. 6º da LC nº 116/2003, entendemos que não se faz possível a imposição da responsabilidade por substituição, aos tomadores sediados no local onde os serviços foram prestados, posto que tais medidas administrativas são realizadas sem a devida cautela e sem um estudo aprofundado da situação que motivou a referenciada imposição da técnica arrecadatória consubstanciada na responsabilidade por substituição. É cediço que muitos municípios, tão-somente pelo apetite de arrecadar e, aproveitando-se de um mecanismo autorizado por leis um tanto permissivas e, em nosso entender, inconstitucionais, vêm atuando de forma exagerada na instituição deste mecanismo facilitador da arrecadação, atribuindo casos de responsabilidade ao seu bel prazer, por mero comodismo da administração tributária ou por sua ineficiência material.

Em matéria de obrigação acessória não é diferente; ou seja, muitos municípios estão a se utilizar desse mecanismo de arrecadação de uma forma um tanto precipitada. Não se está aqui a dizer que não é admissível tal instituto, até porque, como vimos, o mesmo é perfeitamente aceito pela lei e pela doutrina, chegando o mesmo, em algumas situações, ser não somente recomendável, mas necessário. O que não se pode mais admitir é a sua instituição sem a reflexão que a medida merece. A falta de técnica e de estrutura tributária de alguns desses Entes Federados, faz com criem regras facilitadoras para o fisco, em detrimento do contribuinte, o qual, às vezes, acaba pagando mais pelo custo da obrigação acessória, que pela própria obrigação principal, o que gera um encarecimento do serviço a ser prestado ao consumidor final.

Essa situação se agrava ainda mais, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça admite que é desnecessária a autorização legislativa, podendo o dever instrumental ser instituído por decreto, in litteris:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ISENÇÃO. OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS. DECRETO ESTADUAL Nº 11.803/05. LEGALIDADE. 1. Este Superior Tribunal de Justiça, em hipóteses semelhantes, já teve a oportunidade de afirmar que a série de obrigações acessórias instituídas pelo Decreto nº 11.803/05, impugnado neste mandado de segurança, tiveram o escopo de tornar eficaz o procedimento de fiscalização das exportações, não impedindo ou afastando a aplicação da isenção do ICMS. 2. Recurso ordinário desprovido (20).

Sem adentrarmos no juízo de valor se as obrigações acessórias devam ou não ser fixadas através de lei formal, não se pode olvidar que a tributação é necessária para a garantia da qualidade de vida da população, mas esta deve ser feita de forma constitucional e legal, sob pena de agressão à Carta Magna. Em nosso entender, as administrações tributárias, repita-se, em determinadas situações, atribuem deveres instrumentais aos contribuintes, sem uma cautela técnica necessária e de forma arbitrária, deveres este, que, originariamente, deveriam pertencer ao fisco.

Em resumo, o que se percebe com frequência em nosso atual sistema tributário, mormente o municipal, é que tanto o responsável como o contribuinte, na qualidade de simples colaboradores do fisco, estão a participar das relações jurídicas administrativas tributárias não como personagens coadjuvantes ou figurantes, mas sim como verdadeiros personagens principais, em total desacordo com os ditames da ordem constitucional tributária.

Conclusão

Existe a necessidade urgente dos municípios adequarem-se aos termos da Constituição Federal, no que toca à estrutura material das administrações tributárias, sob pena de perderem considerável receita tributária, em face de ilegalidades e inconstitucionalidades facilmente apontadas nesta área de atuação, motivadas pela falta de vontade política dos governantes municipais em aprimorar materialmente os fiscos locais. Essa falta vai desde a interferência política na constituição do crédito tributário, até o despreparo técnico de muitas das autoridades lançadoras, as quais sequer, às vezes, prestam concurso para assumir tal cargo, em detrimento visível à coisa pública.

Esse descaso político para com as administrações tributárias municipais e o consequente despreparo técnico observado em muitos desses ambientes, faz com que o instituto da responsabilidade tributária seja instituído de forma precipitada por uma grande parte dos municípios brasileiros, e, tanto isso é verdade, que muitos deles se baseiam unicamente em entendimentos jurisprudenciais ultrapassados do STJ para editar regras legislativas criadoras de obrigações para com terceiros responsáveis.

Em matéria de obrigação acessória não é diferente; ou seja, os municípios estão a se utilizar desse mecanismo de arrecadação de uma forma um tanto precipitada, não se podendo mais admitir a sua instituição sem a reflexão que a medida merece. O contribuinte, às vezes, acaba pagando mais pelo custo da obrigação acessória, do que pela própria obrigação principal, o que gera um encarecimento do serviço a ser prestado ao consumidor final.

Se medidas não forem urgentemente providenciadas, no sentido de criar ou modernizar um aparato tributário mínimo nos municípios, conforme determinado pela Magna Carta (art. 37, inciso XVIII, inciso XXII e art. 167, inciso IV), os autos de lançamento e demais medidas administrativas consubstanciadas na criação de regras de responsabilidade tributária e instituição de obrigações acessórias, por exemplo, facilmente poderão ser contestadas e derrubadas pelo Poder Judiciário, o que não é objetivo maior do sistema tributário, que necessita da contribuição do cidadão para fazer frente às despesas públicas do Estado. E mais, o não atendimento aos dizeres constitucionais em relação à estrutura material das administrações tributárias pode caracterizar renúncia de receita, podendo o gestor público responder por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92.

A ordem constitucional da administração tributária, enfim, deve se sobrepor à ineficiência estrutural do fisco, sob pena de flagrante ferimento ao princípio da segurança jurídica tributária, Ordem Tributária como um todo e, principalmente, sob pena de prejuízo evidente na arrecadação tributária municipal.

Referências

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Notas

(01) CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 145.

(02) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, p. 303.

(03) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 303.

(04) CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em: 10 abr. 2014.

(05) HARADA, Kyioshi. Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2006, p. 523-524.

(06) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.07.2005/art_150_.shtm>. Acesso em: 9 abr. 2014.

(07) GIANNINI, Achille Donato. Istituzioni di Diritto Tributário. 5. ed. Milano: Giuffrè, 1951.

(08) PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Complementar n. 116, de 31de julho de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm>. Acesso em: 11 abr. 2014.

(09) FEBRETTI, Camargo Fabretti. Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas , 2008, p. 149.

(10) GASPAR, Walter. ISS Teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1994, p. 137.

(11) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 583.

(12) CAVALCANTE, Sayonara de Medeiro. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1087/1288>. Acesso em: 9 abr. 2014.

(13) STF – Habeas Corpus 93050. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2893050%2ENUME%2E+OU+93050%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bmygy55>. Acesso em: 11 abr. 2014.

(14) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.07.2005/art_150_.shtm>. Acesso em: 10 abr. 2014.

(15) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/con1988_13.07.2010/art_212_.shtm>. Acesso em: 11 abr. 2014.

(16) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Art. 198. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 abr. 2014.

(17) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_09.12.1999/art_37_.shtm>. Acesso em: 13 abr. 2014.

(18) JUSBRASIL. STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL :AgRg no REsp 1350902 SE 2012/0222470-0. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24994157/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1350902-se-2012-0222470-0-stj?ref=home>. Acesso em: 15 abr. 2014.

(19) STJ. EDcl no REsp 1380710. Disponível: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1380710&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 15 abr. 2014.

(20) JUSBRASIL. STJ – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA: RMS 30161 MS 2009/0153024-3. Disponível em:

<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8633844/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-30161-ms-2009-0153024-3-stj>. Acesso em: 16 abr. 2014.

Cleide Regina Furlani Pompermaier

Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora de Pós-Graduação da UNIDAVI em Rio do Sul, Santa Catarina, no curso de especialização em Planejamento Tributário, na disciplina de ISS.

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