ICMS – Operação de saída tributada com redução da base de cálculo e a utilização de créditos pelas prestadoras de serviços de transporte x Convênios ICM nº 46/89 e ICMS nº 28/89 – Posição do STF

Thales de Melo Brito Correia

O caso concreto que ensejou a redação do presente artigo adveio da publicação do RE nº 477323/RS (último dia 30.10.2014), no qual se discutia a possibilidade ou não, de o contribuinte utilizar-se, integralmente, de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços relativos à aquisição de insumos, envolvida a prestação de serviço de transportes, mesmo na hipótese de operações de saídas tributadas sob o regime de base de cálculo reduzida. Ou seja, quando se opta pela redução da base de cálculo nas operações de saídas tributadas (regime favorecido, no caso concreto, às empresas prestadoras de serviço de transporte), pode o contribuinte (prestador de serviço de transporte), ainda assim, creditar-se, integralmente, de ‘créditos’ fiscais relativos à operação anterior ou é caso de renúncia, do aproveitamento de quaisquer créditos, conforme Convênio ICM nº 46/89 e ICMS nº 28/89?

Asseverou o Estado do Rio Grande do Sul, no seu Recurso Extraordinário, – caso concreto-, (…) haverem os Convênio ICM nº 46/89 e ICMS nº 28/89, na cláusula segunda e respectivos parágrafos únicos, autorizado os estados a concederem redução de base de cálculo do imposto aos estabelecimentos prestadores de serviço de transporte, determinando fosse a sistemática opcional, condicionada, no entanto, à renúncia irrestrita ao sistema ordinário de tributação, implicando vedação ao aproveitamento de créditos fiscais relativos à entrada de insumos, tais como combustíveis.’ Assinalou que não há qualquer ferimento ao princípio da não cumulatividade, pois o montante do imposto recolhido nas operações anteriores seria compensado por meio da redução da base de cálculo.

O Colegiado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação da MOVELSUL TRANSPORTES LTDA, declarou a inconstitucionalidade de o Fisco Estadual negar o direito do contribuinte utilizar-se, integralmente, dos referidos créditos, por entender que o fato de se possibilitar a redução da base de cálculo, ao contribuinte, não retira o seu direito constitucional de se compensar dos créditos, por ser um direito de matriz constitucional – princípio da não cumulatividade. Afastou, portanto, o benefício da redução, assegurando o aproveitamento de créditos.

A lide versa, basicamente, como se percebe, sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos, mesmo tendo havido a opção pela redução da base de cálculo X opção pela redução da base de cálculo e renúncia a tal aproveitamento.

Ao julgar o feito, o Ministro Marco Aurélio, com inconteste maestria, ressaltou a importância de se i) diferenciar redução da base de cálculo e isenção tributária, para fins de aplicação do art. 155, §2º, ‘a’ e ‘b’ da Constituição Federal de 1988, elucidando, ainda, a questão da ii) opção pelo benefício da redução – e não uma imposição – em detrimento da não apropriação de valores pelo contribuinte, prestador de serviço de transporte. Ele ressalta no julgado que o Ministro Cezar Peluso (01), no Recurso Extraordinário nº 174.478/SP, no que foi acompanhado pela maioria, equiparou os institutos, proclamando ser a redução da base de cálculo isenção do tipo parcial.

Para facilitar uma melhor visualização da problemática, é importante transcrever, segundo o Acórdão em comento, os dispositivos relativos ao caso concreto, insertos no Regulamento do ICMS (aprovado pelo Decreto nº 33.178/89) que delimitou a sistemática de incidência, à época do lançamento:

"Art. 17 – A base de cálculo do imposto é:
(…)
XXXVII – 80% (oitenta por cento) do preço do serviço ou, na falta deste, do valor corrente do serviço, nas prestações de serviço de transporte, exceto o aéreo, sujeitas ao imposto, excetuadas a partir de 1º de setembro de 1989 (§ 10, e art. 34, I, ‘n’);
(…)
Art. 34 – Para efeito de apuração do montante devido a que se refere o art. 42:
I – não é admitido o crédito fiscal:
(…)
n) relativo às entradas tributadas, quando o contribuinte optar pelo benefício previsto no art. 17, XXXVIII, salvo em relação aos créditos fiscais incidentes sobre a mesma mercadoria."

Inicialmente, é prudente trazer à baila, a delimitação da ‘incidência’ normativa do ICMS em consonância ao contexto em tela, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988, senão vejamos:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;" (Grifos nossos)

Da exegese dos dispositivos supratranscritos, mais precisamente o §2º, I e II, ‘a’ e ‘b’ do art. 155 da Constituição Federal, se verifica a acentuada necessidade de entendermos a significância da isenção tributária, para se concluir pela sua aplicabilidade ou não, no caso concreto. Redução da base de cálculo e isenção significam a mesma coisa? Se se entender que a redução da base de cálculo é sinônima de isenção, não haveria qualquer possibilidade de utilização de créditos pelo estabelecimento de prestação de serviços de transporte.

Pois bem! A isenção tributária é uma norma veiculada por lei, autônoma, de estrutura, que acaba por extirpar um ou mais critérios da Regra-Matriz de Incidência Tributária, logo, tem-se a isenção como supressão dos critérios da RMIT, seja no descritor (critérios antecedentes), seja no prescritor (critérios do conseqüente). Não ocorre, sequer, o nascimento da obrigação tributária.

A redução da base de cálculo, por sua vez, não extirpa o critério quantitativo da Regra-Matriz de Incidência Tributária, apenas reduzir o quantum adstrito na base de cálculo do tributo. Isenção e redução da base de cálculo não se equiparam. São institutos diferentes.

Em consonância com as lições, brevemente, mencionadas, vale elucidar neste ponto da leitura, o entendimento do Ministro Marco Aurélio, nas razões de seu julgado, quanto à diferenciação da isenção e redução da base de cálculo. Explicita o Ministro, o seguinte:

"A isenção representa norma exonerativa de índole legal por excelência. Diferentemente do que afirmam alguns, não atua no plano do cumprimento da obrigação, e sim no da própria incidência do tributo. (…) Assim, os fatos tornados isentos não chegam a ser alcançados pela lei de imposição tributária, pois não mais se revelam geradores. A ocorrência desses últimos – os fatos geradores – faz surgir a obrigação tributária, ao passo que os isentos afastam a incidência da regra correspondente ao dever fiscal. Consoante o saudoso jurista Sainz de Bujanda, expoente maior do Direito Financeiro e Tributário na Espanha, preceitos a implicar isenção debilitam a eficácia constitutiva geral das normas ordenadoras do tributo, qual seja, a de provocar o nascimento da obrigação tributária.
(…) a isenção impede o nascimento da obrigação tributária. Ao contrário, a figura da redução da base de cálculo pressupõe o aparecimento da obrigação tributária, com os elementos que lhes são próprios, entre esses, por óbvio, a base de cálculo, a qual sofre diminuição quantitativa por força do benefício fiscal. (…) No caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o fato gerador ocorre integralmente, surgindo a obrigação tributária, acabando diminuído, no entanto, o "valor de saída" das mercadorias e dos serviços – base de cálculo.
(…) As diferenças mostram-se evidentes, sendo a redução de base de cálculo espécie de exoneração bem diversa da isenção.
(…) Assentada tanto a diferença teórica como jurídico-positiva, outra conclusão não pode haver senão a de que o inciso II do § 2º do artigo 155 da Carta, ao mitigar o princípio da não cumulatividade, fê-lo, exclusivamente, no tocante às categorias tributárias literalmente contidas no preceito: isenção ou não incidência, não alcançada a figura da redução da base de cálculo." (Grifos nossos)

Ultrapassado esse ponto crucial/basilar, pode-se concluir que o dispositivo constitucional não se aplica ao caso concreto (§2º, II, ‘a’ e ‘b’ do art. 155), porque não se estar a tratar de hipótese de isenção, e sim de redução da base de cálculo – conceitos divergentes.

Outro ponto que chamou atenção no julgado foi a necessidade de respeito à não cumulatividade.

Segundo estatui a Constituição Federal (art. 155, §2º, I), o ICMS é imposto não cumulativo, onde o contribuinte compensa o que for devido em cada operação, à título de imposto, com o montante cobrado nas operações anteriores.

Leandro Paulsen (02) ao tratar da ‘operacionalização da não cumulatividade’, na sua obra intitulada de Direito Tributário, Constituição e Código Tributario à luz da Doutrina e da Jurisprudência, elucida o seguinte:

"Operacionaliza a não cumulatividade pela apropriação de créditos do imposto decorrentes de entradas tributáveis de mercadorias no estabelecimento do contribuinte, que serão utilizados no abatimento do ICMS devido pelas saídas tributáveis posteriores (…) Na prática, essa sistemática funciona da seguinte maneira: i) o contribuinte que receber mercadoria em seu estabelecimento lança esse entrada no livro Registro de Entradas, assim como o crédito do imposto destacado na Nota Fiscal respectiva; ii) quando houver saída tributável de mercadoria, a operação será registrada no livro Registro de Saídas, debitando-se neste mesmo livro o ICMS devido pela operação; iii) por fim, no livro de Apuração do ICMS, o contribuinte realiza o cotejo dos créditos constantes no Livro de Registro de Entrada e os débitos do livro de Registro de Saída: havendo saldo credor, este será transportado para o mês subsequente; havendo saldo devedor far-se-á o pagamento do valor apurado ao Erário." (Grifos nossos)

Prosseguindo na fundamentação do julgado acerca da observância do princípio da não cumulatividade, o Ministro Marco Aurélio, prelecionou o seguinte:

"Presentes as diferenças descritas e o dever de observância do princípio da não cumulatividade às hipóteses de redução da base de cálculo, cumpre advertir tratar-se, na espécie, de benefício fiscal por opção do contribuinte. (…)
Segundo o Tribunal de origem, está em jogo regime de tributação favorecido às empresas prestadoras de serviço de transporte, consistente na redução da base de cálculo para o percentual de 80%, condicionada ao abandono do regime de apuração normal de créditos e débitos. Na realidade, a legislação estadual simplificou a apuração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, trocando o sistema de compensação, inerente à não cumulatividade, pela incidência direta do imposto no total de 80% do valor das saídas tributadas. (…)
Fosse tal sistemática de observância obrigatória pelo contribuinte, consignaria a inconstitucionalidade total da norma que impõe o estorno dos créditos relativos à entrada de insumos, haja vista cuidar-se de redução da base de cálculo, e não de isenção ou de não incidência. Todavia, no caso, o contribuinte não estava compelido a abandonar a apuração ordinária do imposto, isso porque a legislação instituiu regime opcional de redução de base de cálculo. Em última análise, é o sujeito passivo quem determina a qual sistemática de apuração estará submetido. (…) De outro modo, sendo prevista tributação reduzida como modelo opcional, pode a lei de regência versar o estorno, porém – e esse é o ponto a merecer destaque -, apenas de maneira proporcional à diminuição, e não total, como se dá com a legislação impugnada neste processo. (…)
Em suma: ocorrendo a saída do produto com incidência do imposto e quantificação reduzida da base correspondente, ausente poder de escolha pelo contribuinte, implicará inconstitucionalidade, por vulneração ao princípio da não cumulatividade, a norma que estipular o estorno dos créditos; presente regime opcional, todavia, há de se preservar, ao menos, o conteúdo mínimo do princípio, o que implica o dever de a lei resguardar o uso dos créditos na proporção da saída tributável (…)
Prestigiando a opção feita pelo próprio contribuinte, há de se manter a redução da base de cálculo no patamar legal – "80% do preço do serviço" -, garantindo-se a utilização dos créditos de entrada tão somente na proporção das saídas tributadas, isto é, em 80%." (Grifos nossos)

O que se depreende dos trechos supracitados, na verdade, é o reconhecimento da proporcionalidade – mesmo que implícita – na relação de tributação, sendo ainda reconhecido, o ato de vontade do contribuinte em detrimento da ‘flexibilização’ ao princípio da não cumulatividade, princípio este, que alguns autores entendem, como um direito/dever do contribuinte – sem o caráter da facultatividade.

Assim, com a sapiência de sempre, o Ministro conclui o julgado, em síntese, entendendo pela ‘manutenção da base de cálculo reduzida no patamar de 80%, tal como previsto na legislação impugnada, assegurado à recorrida o aproveitamento de créditos oriundos da aquisição de insumos na mesma proporção das saídas tributadas.’

Portanto, a importância do julgado, na verdade, está na exposição das diferenças dos institutos tributários (isenção e redução da base de cálculo) para fins de aplicabilidade do art. art. 155, §2º, ‘a’ e ‘b’ da Constituição Federal de 1988, e na proporcionalidade, mesmo que implícita, entre a imposição normativa e a autonomia da vontade do contribuinte, quanto ao aproveitamento, proporcional, de créditos, face à observância da não cumulatividade. Vale a pena a leitura do julgado em questão (RE 477323/RS).

Notas

(01) Ministro aposentado (DOU de 31.08.2012)

(02) PAUSEN Leandro, Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 15ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2013, pg. 355/356 apud BRAGA Waldir Luiz, BERGAMINI, Adolpho. Inexigibilidade do Estorno do Crédito de ICMS em Casos de Perda, Quebras ou Perecimento de Mercadorias de Estoque. RDDT 153, jun/08, pg. 87)

Thales de Melo Brito Correia

Advogado em Salvador/BA. Pós graduado em processo civil pela Universidade Federal da Bahia e especialista em direito tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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