Maioridade Penal
Kiyoshi Harada
A abordagem de um tema polêmico como este, em meio a uma onda de
violências perpetradas por menores, costuma provocar reações, entre outras,
como estas: ´Emoção sem razão é perigosa; mas, a razão sem emoção é
mais perigosa ainda´.
Esse tipo de manifestação é próprio de quem tem uma visão estática da
sociedade e que quer manter o status quo. Só vai enxergar a dinâmica da
sociedade quando algo de ruim acontecer para si e seus familiares, por conta
da inércia.
A grande verdade é que, quando o art. 27 do Código Penal de 1940 inseriu o
princípio da inimputablidade do menor de 18 anos, recepcionado pela Carta
Política de 1988 de forma automática, sem maiores indagações, a realidade
era bem outra. Havia uma coincidência entre a idade mental e a idade
cronológica do menor. A própria expectativa de vida do homem era bem
menor do que a reconhecida atualmente.
Hoje, o legislador reconhece a maturidade do menor de 18 anos conferindolhe
o direito de eleger governantes e representantes nas Casas Legislativas.
De duas uma: ou esses menores têm discernimento para o exercício pleno
da cidadania, ou não o têm, hipótese em que os legisladores teriam
contribuído para viciar o processo eleitoral, de sorte a comprometer a
legitimidade dos eleitos, o que não é de ser admitido, por irrazoável.
Alguns juristas, embora favoráveis à revisão do princípio da inimputabilidade,
argumentam com a impossibilidade jurídica de sua supressão, porque estaria
protegido pelas cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV da CF). Assim não
entendemos. Se é verdade que direitos fundamentais não são apenas
aqueles arrolados no art. 5º da CF, não menos verdade que o art. 228 da CF,
que prescreve a inimputabilidade do menor de 18 anos está inserido no
capítulo VII, que versa sobre a família, criança, adolescente e idoso, isto é,
envolve consideração de conceitos em evolução. Por isso, possível a
ampliação da idade do idoso para fins de aposentadoria. Assim, não é de se
supor que o constituinte tenha manietado a ação do Estado na defesa da
sociedade contra crimes perpetrados por adolescentes, um conceito dinâmico
e não estático. A infração cometida por menores de 18 anos, que na década
de 40 era uma exceção, hoje, transformou-se em uma rotina. Pior ainda: é
causa da expansão de crimes praticados por adultos, com o emprego de
menores inimputáveis.
Nenhuma norma constitucional pode ter a aptidão para petrificar conceitos
em aberto. E a inteligência do intérprete deve pautar-se pela leitura
atualizada dos textos legais (constitucionais e infraconstitucionais), levando
em conta que a idade mental do menor de 18 anos, atualmente, não mais
corresponde à idade cronológica do adolescente da década de 40.
A soberania popular de que trata o parágrafo único do art. 1º da CF (todo
poder emana do povo) legitima a ação dos legisladores na redução da
maioridade penal, livrando a sociedade da situação de refém dos menores
infratores.
Removido o obstáculo constitucional, que impede a responsabilização penal
do menor, certamente, o legislador saberá adotar o mecanismo legal de
cautela para a sua perseguição penal, submetendo-o ao prévio exame
médico quanto ao grau de discernimento, sob a direção do juiz competente,
bem como prevendo o cumprimento da pena privativa de liberdade em
estabelecimentos diferenciados.
O que não devemos aceitar são os discursos ocos, como aqueles feitos pelo
governo, no sentido de que o menor é vítima da sociedade. Quem afinal não
sofre as influências do meio ambiente? Pessoa pobre não quer dizer pessoa
desonesta, da mesma forma que pessoa rica não é sinônimo de pessoa
honesta. Existem pobres que se esforçam, que trabalham e se tornam
cidadãos úteis, importantes. Outras existem que acumulam riquezas, por
força de seu trabalho incessante.
Se é para enfatizar o discurso da inclusão social que, em princípio, somos
favoráveis, é preciso que o trabalho de inclusão seja devidamente estudado e
planejado. Primeiramente, deve reconhecer que o crescimento da população
se dá na razão inversa da capacidade aquisitiva da família, pelo que, o
trabalho de inclusão deve ser desenvolvido concomitantemente com o de
planejamento familiar rompendo o tabu existente em torno dele. Sem a
política de paternidade responsável o Estado muito pouco pode fazer. O
Estado deve tornar efetivo o dispositivo constitucional que torna obrigatório o
ensino fundamental, melhorando as condições de ensino, quer em termos de
infra-estrutura, quer em termos de remuneração condigna dos educadores,
colocando um ponto final nos conhecidos desvios de recursos financeiros da
Fundo Educacional. Deixar decorrer sem instrução fundamental na idade
própria, para ao depois, implementar uma dúzia de projetos caríssimos, de
duvidosa eficiência, para amparar jovens de 18 a 24 anos, não é uma atitude
racional. É como intensificar o Mobral, enquanto falta vagas para crianças em
fase escolar.
O Estado deve prestigiar e proteger a família, que é a base da educação dos
filhos. O Estado deve-se preocupar mais em assegurar empregos a todos
que queiram trabalhar, e menos com a distribuição de benesses aos
necessitados, por opção ou sem ela. Aí chegaremos a conclusão de que o
Estado deve permitir a expansão da economia, compatível com o
crescimento populacional, o que só será possível quando o Estado diminuir o
seu tamanho, de sorte a permitir a redução da carga tributária. Discursos
periféricos camuflam a realidade, mas não resolvem o problema, sem atacar
a suas causas verdadeiras. O neoliberalismo exacerbado, que intervém nas
ordens jurídica e econômica e que dá aso a práticas corruptivas de toda
ordem, parece estar no centro dos grandes males que afligem a nação. É
tudo uma questão de vontade política.
Kiyoshi Harada
Jurista. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Professor. Especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP.